As invasões francesas vêm encontrar um país que, segundo o censo de Pina Manique de 1798, tem cerca de três milhões de habitantes.  Em 1807 terá três milhões e duzentos mil, dos quais mais de 85% vivem a norte do Tejo, que representa 2/3 do território continental; o Alentejo e Algarve, com 34% do espaço, têm apenas 13,6% da população.

Com uma economia tradicional,  uma agricultura débil, dois surtos industriais, um no reinado de D. João V, outro nos últimos anos de Pombal, o Portugal do século anterior a estivera muito escorado na  sua terceira fortuna colonial, a do Brasil. O exército era grande no papel mas não passaria, na Metrópole dos 20 mil homens e tinha uma Marinha significativa, com 34 navios de linha, graças a Pombal e a D. Maria I.

Não podia escapar à conjuntura europeia e ao conflito franco-britânico. A aliança tradicional, por razões geopolíticas e económicas, era com os ingleses, e as missões diplomáticas em Lisboa de Lannes e Junot não tinham contribuído para alterar essa linha. Bem pelo contrário. Vindo em 1807, não como embaixador, mas como conquistador, chefiando um exército de 28 mil franceses e 11 mil espanhóis, Junot contou com a colaboração no “partido francês” de alguns liberais portugueses, como Gomes Freire de Andrade e o marquês da Alorna, que iriam alinhar na formação e comando da Legião Portuguesa ao serviço de Bonaparte.

Sem que nos alonguemos no tema, convém relembrar alguns factos, como o esforço dos ocupantes franco-espanhóis para desarmar o exército português (de 24 regimentos de infantaria para 6, de 12 regimentos de cavalaria para 3). O resto deste exército constituiria a tal legião portuguesa (12.000 homens) e seguiu para Baiona.

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Depois dos acontecimentos de Madrid do 2 de Maio de 1808, com a grande insurreição espanhola contra os franceses e, nos princípios do Verão de 1808, com Sepúlveda em Trás os Montes e Castro Marim no Algarve, começou o levantamento contra os ocupantes. Os ingleses de Wellesley chegam nos primeiros dias de Agosto a Lavos e Junot vai ser derrotado.

Em Espanha houve um número relativamente significativo de altos funcionários e intelectuais que colaboraram com os franceses, “os afrancesados”, como Leandro Fernández de Moratín, colaboracionista com José Bonaparte – irmão do imperador e feito por este Rei de Espanha – a que os madrilenos puseram a alcunha de “Pepe Botella”. Estes afrancesados contaram-se por alguns milhares e muitos fugiram para o exílio com as tropas francesas em retirada da Península.

As guerras peninsulares tiveram um alto preço humano. Os portugueses, que seriam 3.200 000 em 1807, eram 2.959 000 em 1814. As fábricas que exportavam para as colónias fecharam. Os franceses causaram grandes destruições e os ingleses, embora mais correctos nos negócios, humilharam os militares, submetendo-os ao seu controlo. Além disso, com a abertura dos portos do Brasil, arruinaram o comércio nacional.

A conjuntura que leva à revolução do Porto e aos acontecimentos que a precedem e seguem é uma daquelas situações históricas em que uma potência periférica (Portugal) é envolvida num conflito entre potências principais (França e Grã-Bretanha), tendo por vizinho uma potência média (Espanha), também envolvida na contenda, embora em moldes diferentes e com alinhamentos sucessivos e contraditórios. Para complicar mais a situação, havia o factor brasileiro, essencial para o desfecho. A luta ideológica – tradicionalismo versus liberalismo –  também não era linear, dadas as várias linhas e facções internas, quer no liberalismo, quer no tradicionalismo. E houve ainda o papel das solidariedades transnacionais, como a Maçonaria, e a política da Santa Aliança. Tudo isto ia gerar uma crise de geometria variável.

A Maçonaria está muito activa nesta época, em Nápoles, em Espanha e em Portugal. Durante as invasões e ocupação da Península, a par de liberais pró-franceses e anti-franceses, há maçons pró-franceses e pró-ingleses. Em 1812 a Maçonaria tem um papel importante na proclamação da Constituição de Cádis. Fernando VII, de má vontade, aceita a Constituição e, apesar da sua oposição à Maçonaria e aos liberais, colabora com eles em projectos  iberistas. O embaixador D.  José Pando e o adido militar,  tenente coronel José Barreros, colaboram com os conspiradores portuenses  do Sinédrio. Espanhóis – e alguns portugueses–  têm um projecto iberista, de “sete repúblicas” , ficando Portugal dividido em duas “lusitânias”, uma Ulterior, outra Citerior e passando os Algarves para a Bética.

Fernandes Thomaz era contrário a estes projectos iberistas e condenou os seus companheiros de conspiração que neles pareciam alinhar. E foi muito directo quando recusou, com Ferreira Borges e Francisco Gomes da Silva, a proposta de auxílio financeiro e militar a troco da “União Ibérica” dos enviados de Madrid que com eles se encontraram num jardim da rua de Cedofeita, em Junho de 1820.

A ida da Corte para o Brasil tivera o efeito colateral, não só de prejudicar o regime do Pacto Colonial anterior mas de antagonizar progressivamente os dois povos com a alteração da relação, já que, estando o chefe de Estado e o governo na colónia, esta ganhava preponderância sobre a Metrópole.

Mas para Oliveira Lima havia um elemento que unia então brasileiros e portugueses: a “antipatia à Inglaterra”. Os portugueses estavam fartos do proconsulado de Beresford e os brasileiros fartos da oposição de Londres ao tráfico negreiro.

Já para os ingleses, a unidade Reino Unido-Portugal-Brasil era importante pois, sendo eles senhores do mar Atlântico, controlavam as comunicações entre as duas partes do Estado.

D. João VI não gostava nem da palavra nem da ideia, e muito menos do regime liberal. Perante a vitória do “vintismo” e os apelos, então respeitosos, para que voltasse à mãe pátria, hesitou. Os rumores e as notícias da revolução liberal tornavam a população do Rio menos respeitadora do rei e da Corte. Os embaixadores em Paris (o 6º Marquês de Marialva) e em Londres (D. José Luiz de Souza) tomaram a iniciativa de pressionar as potências para não reconhecerem o novo governo de Lisboa e para intervirem pela força para restaurar a monarquia tradicional. Mas D. João VI entendeu que não seria bom, nem para ele nem para a dinastia, ser mantido ou restabelecido por forças estrangeiras, como queria Marialva que, nesse sentido, mandou mesmo enviados a Laibach onde estavam os soberanos aliados. Por outro lado, tradicionalistas e liberais viam com igual preocupação o perigo espanhol.

Mas o facto é que o núcleo duro da Santa Aliança – Rússia, Áustria, Prússia – representado por Joannis Capo d’Istria, o greco-russo conselheiro do czar, e por Metternich – ia no sentido de aplicar a doutrina de “tolerância zero” aos movimentos revolucionários liberais. Os diplomatas portugueses empenhavam-se em conseguir que Portugal fosse o caso exemplar de que a nova ordem internacional não podia ser alterada. À França restauracional de Luís XVIII caberia o papel em relação a Portugal e à Espanha que na Itália coubera à Áustria.

António de Souza, o plenipotenciário português em Laibach, procurou desenvolver esta tese junto dos imperadores da Rússia e da Áustria, que o receberam e pareceram dispostos a intervir naquela “cruzada dos tronos contra os povos”. Mas a Inglaterra não queria intervenção.

Portugal argumentava  que a intervenção das coligações em França, em 1792, fora fata fatal para a monarquia de Luís XVI. E o trio imperial da Santa Aliança – Áustria, Prússia e Rússia – hesitou perante o controlo da Inglaterra e a evasiva da França.

Decisiva foi a posição de D. João VI que, com intuição e realismo, achava “contraproducente usar tropas estrangeiras para rejeitar os seus vassalos extraviados”. D. João VI queria, sim, que a Inglaterra continuasse a proteger a independência de Portugal contra a Espanha. O que fazia parte do que estava instituído.

Assim, entre a oposição discreta mas firme de Londres, o mal disfarçado incómodo da França e a vontade de D. João VI, fracassaram os projectos da intervenção em Portugal da Santa Aliança.

Como concluía o visconde da Lapa, o ministro português na Rússia, a decisão fora acertada:

“Chamar forças externas para coadjuvar a expulsão de inimigos externos é o que a História apresenta a cada passo; porém, para sossegar as desordens internas, é sempre arriscado… A massa da nação é ainda sã, e sendo a força moral a que se deve procurar encaminhar, não posso ocultar que o emprego da força marítima só poderia servir para irritar e conduzir aos desvarios a que a desesperação pode arrastar.”

A Santa Aliança não interviria, mas os pronunciamentos miguelistas da Vilafrancada e da Abrilada acabariam por ter, nas suas consequências político-ideológicas, um efeito restauracionista – só que sem intervenção estrangeira, que viria depois, de outros horizontes, na Guerra Civil de 1828-1834.