A Unesco definiu em 1978 o Desporto como um “instrumento de promoção da Paz, de desenvolvimento, de saúde e de educação”, que favorece o “progresso social e a instauração de melhores condições de vida” (Carta Internacional da EF & D) e, entre nós, o Desporto é assumidamente um direito de todos os cidadãos, consagrado desde 1976 na Constituição da República (art.º 79º).

O último estudo do Eurobarómetro do Desporto e Atividade Física refere que 73% dos portugueses dizem nunca se exercitar ou praticar desporto, com mais 5% a fazê-lo apenas “raramente”, mais do que os que o fazem “regularmente”, 4%.

Neste quadro que, antes do 25 de Abril de 1974, era muito mais negro, todos reconhecemos a enorme transformação que ocorreu, muita dela devida ao papel fundamental que as autarquias desenvolveram, e continuam a prestar, no apoio a milhares de associações desportivas que se dedicam de forma voluntária à promoção do desporto no nosso país.

Todos temos a noção exata de que são os clubes, estruturas associativas de cariz democrático, com profundo enraizamento na nossa sociedade, que desde o século XIX têm sido o principal motor de desenvolvimento do desporto em Portugal, fazendo o que em muitos casos devia ser a obrigação do Estado.

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Neste contexto o ALPA – Núcleo dos Antigos Alunos do Liceu Passos Manuel, fundado em 1963, tem desenvolvido, através da sua secção desportiva, um importante papel no fomento da prática desportiva de milhares de praticantes, ao longo dos seus 61 anos de atividade ininterrupta através do andebol.

O ALPA foi pioneiro em muitas das inovações organizativas dos quadros competitivos que se foram organizando. A inclusão de equipas A, B, C… nos escalões etários mais baixos foi uma revolução que tanta estranheza causou à época. No ALPA, todos têm o direito de participar nos quadros competitivos a partir do momento que se iniciam na prática desportiva, desde que para isso mostrem  vontade.

A instituição foi ao longo dos anos muitas vezes o clube federado com maior número de praticantes, e a partir de 1975, quando as raparigas entram no Liceu, de imediato as equipas femininas começam a fazer parte da atividade.

No meio do andebol, o clube é sobejamente conhecido pelas vitórias alcançadas a nível regional e nacional, pela enorme quantidade de jogadores masculinos e femininos ali nascidos e que foram internacionais nos mais diversos escalões, pelos treinadores do mais alto nível que aí se formaram, e dos dirigentes que desempenharam funções ao mais alto nível em instituições nacionais e internacionais da modalidade.

A vida da instituição sempre foi difícil. Nunca lhe foi dada a oportunidade de ter a sua “casa” onde pudesse de forma regular desenvolver as suas atividades. Mesmo assim, e há relativamente pouco tempo, o ALPA foi o primeiro clube a disputar a 1ª divisão nacional sénior em masculinos e em femininos, e na cidade de Lisboa, a dada altura, chegou a ser, infelizmente, a única equipa que tinha andebol feminino! Resistiu, permaneceu e hoje tem a companhia, ainda e só de mais 4 clubes:  Benfica, Boa-Hora, Esfera e Sporting.

Neste contexto de enormes dificuldades não se pode deixar de referenciar que a atividade ao longo destes 60 anos só foi possível pelo apoio, desde sempre, do nosso Liceu, patrocinadores, clubes amigos, juntas de freguesia e Câmara Municipal de Lisboa, nas suas diversas vereações, e do Instituto Português do Desporto e Juventude, sempre com o esforço inacreditável de dirigentes, treinadores, pais e atletas.

Dentro da nossa zona geográfica existe apenas um pavilhão, Complexo Desportivo da Lapa, que nos últimos 20 anos foi a salvaguarda da continuação das nossas atividades. Lamentavelmente nos últimos anos temos vindo a sofrer significativos cortes nas horas que nos eram cedidas, o que tem levado a enorme dispersão das actividades por dezenas de recintos desportivos ao longo da cidade, muitas vezes de 1 hora semanal, em territórios e a horas muito pouco recomendáveis para uma prática desportiva adequada a jovens praticante.

Só uma enorme resiliência impediu o mais fácil, desistir.

Porém, o que parecia impossível está prestes a acontecer. Não há espaço para a prática desportiva das equipas federadas do ALPA!

Por indiferença ou por desprezo, parece que se pretende pôr fim a uma acção meritória de 60 anos.

Numa cidade como a de Lisboa, talvez aquela no país com maior carência de instalações desportivas, contam-se pelos dedos de uma mão os pavilhões que foram feitos nos últimos anos pelas entidades públicas. Neste contexto, não se compreende que não haja uma política que privilegie a utilização das poucas instalações públicas, pelas instituições de interesse público e que manifestamente têm uma atividade estruturada em prol dos jovens da nossa cidade. As limitações criadas por visões menores, de que no nosso território “só devem ter acesso” às instalações os nossos fregueses, numa interpretação das competências totais dadas às freguesias, em desfavor de uma política racional que promova o apoio a quem mais merece, tem levado a que instituições como o ALPA tenham de abdicar da sua nobre missão.

As instalações são da cidade e dos cidadãos! As instalações devem ser racionalmente utilizadas por quem mais mereça, e não ficar dependente de critérios como os de quem mais possa pagar pela sua utilização. Criar guetos numa cidade tão desigual, em que há zonas onde literalmente não há espaços para se construir, é estar a condenar essas populações ao abandono das práticas desportivas, e a mandar jovens para as mãos de atividades cada vez mais perniciosas ao seu desenvolvimento.

Por isso é absolutamente incompreensível que o ALPA não possa continuar a utilizar as instalações do Pavilhão da Lapa para o treino das suas equipas, e tudo está nas mãos do mesmo poder autárquico que deve apoiar o desenvolvimento desportivo.

Foram feitos, ao longo dos últimos meses, contactos pessoais com altos responsáveis, quer da Junta de Freguesia da Estrela, quer da Câmara Municipal de Lisboa; têm sido variadas as exposições que temos feito. O resultado: total falta de resposta, numa clara posição de indiferença perante a eminência de se deixar caír por terra uma instituição que tem dedicado décadas à formação de jovens desta cidade.

É a minha indignação, por uma situação que poderia ser facilmente resolvida, caso os responsáveis assim o quisessem. Seria, de qualquer forma, no mínimo, sua obrigação, responder às solicitações que lhes temos exposto.

Sim, obrigação! Não se pedem reconhecimentos pessoais. Exige-se respeito pelo trabalho voluntário que tantos têm desenvolvido ao longo de décadas, e que se dê oportunidade aos nossos jovens de praticar desporto.

Acabo com uma reflexão de um colega que tanto tem feito pelo desporto, nomeadamente quando foi responsável da CML:

“As organizações desportivas, baseadas no voluntariado, dão igualmente um enorme contributo para a economia, a educação, a integração social, a defesa e inculcação de valores culturais e de cidadania. Saibamos, pois, apoiá-las e reforçá-las.(Manuel Brito 13/12/2018)