O direito à habitação é um dos direitos consagrados constitucionalmente. Como muitos outros não é um direito determinante ou absoluto de obrigatória satisfação pelo Estado. O Estado é o responsável por garantir as melhores e as mais equilibradas formas ao seu acesso.
Não será uma responsabilidade atribuída aos proprietários ou sequer partilhada com o Estado.
Ao Estado compete a política social de habitação. Aos proprietários compete pagar os impostos determinados pelo poder político e acatar as leis e os regulamentos que o Estado determinar para cumprir os seus deveres sociais.
Outro direito plasmado na Constituição da República Portuguesa é o direito à propriedade, sendo este determinante.
A propriedade pode ser mais ou menos taxada, mais ou menos obrigada a ter determinados padrões de conservação. Quando não cumpridas podem ser exigidas obras coercivas, mas tirando esse tipo de posse administrativa, que rarissimamente foi aplicado, a propriedade é intocável.
O Estado não pode retirar a propriedade, por tempo limitado ou permanente, aos seus legítimos e legais proprietários, para a seu critério lhe dar qualquer uso, sem o expresso consentimento dos seus donos, excluindo casos de Estado de Calamidade ou Estado de Guerra.
O Estado é talvez o maior especulador imobiliário. Quando põe à venda o seu enorme património imobiliário, só lhe interessa obter os maiores lucros possíveis com essas vendas. Fá-lo através de uma empresa de capitais integralmente públicos, a ESTAMO.
Estão atualmente à venda para construção, normalmente de condomínios de luxo e hotéis, um número incalculável de edifícios e terrenos sem uso ou mesmo abandonados, espalhado por todo o país, que poderiam ser utilizados para intervir no equilíbrio dos custos habitacionais, transformando parte desse vasto património em centenas de milhares de fogos para a habitação, muitos deles a custos acessíveis às classes mais desfavorecidas.
Dito isto, a problemática da habitação é grave e de difícil solução face ao galopante crescimento dos seus valores de aquisição ou de arrendamento, muito provocado pela intervenção do Estado, das autarquias locais e pelo constante aumento do custo dos materiais de construção.
O Estado, ao legislar sobre a ocupação e uso dos solos (Lei 31/2014, alterada pela 74/2017 e o Dec.-lei nº 3 /2021), veio limitar a capacidade de utilização de terrenos para a construção, fazendo com que os disponíveis considerados urbanizáveis se tornassem tão caros que o seu valor representa, em muitos casos, mais do que a totalidade de toda a construção.
As câmaras, com o seu complicado e demorado comportamento de licenciamento, fazem aumentar o custo final das construções com inúmeras dificuldades que, não raro, fazem os seus agentes venderem facilidades.
Os custos dos diferentes materiais de construção, nos últimos trinta anos, têm sofrido aumentos motivados pela inflação maior ou menor, nas várias zonas do mundo, e ainda pelos elevadíssimos aumentos da sua procura a nível mundial, em especial no médio e extremo Oriente.
A especulação imobiliária é outro dos fatores que levam ao aumentar o preço do imobiliário. As agências de mediação têm crescido em Portugal nos últimos 20 anos como cogumelos, transformando-se num dos mais rentáveis negócios da atualidade, com milhares de PMEs e micro-empresas, normalmente franchising de colossos mundiais do negócio imobiliário.
Mas este negócio aumentou ainda pela desvalorização dos juros dos depósitos a prazo, tornando-se para muitos o maior destino para as suas poupanças, encontrando uma forma de valorizar o seu património, comprando e vendendo prédios ou simplesmente apartamentos para arrendamento.
O crédito barato para a habitação facilitou as famílias a procurarem casa própria e nos últimos quinze anos o número de famílias proprietárias da sua habitação atingiu números muito superiores aos da média Europeia.
Com os aumentos dos juros bancários, nos últimos três anos, aparece outro problema para as famílias com empréstimos hipotecários: a dificuldade de fazer face ao constante aumento das prestações, não se vendo no sistema bancário, tão beneficiado pelos impostos dos portugueses, quando têm problemas, disposição para sequer avaliar a hipótese de diminuir o valor final desses encargos, mais não seja diminuindo os valores dos custos laterais que envolvem os compromissos bancários além dos juros.
Aqui o Estado também pode ter intervenção sobre o sistema bancário, não parecendo a exigência da taxa fixa a única e a mais correta intervenção.
Soluções
Aqui chegados, afinal como poderemos resolver o problema das famílias em relação à habitação?
Todos os intervenientes no processo têm um papel na resolução ou atenuação deste problema, cada um com quotas de responsabilidade diferentes e formas e atuar próprias.
O governo
O papel e a intervenção do Governo é, nesta área, como em quase todas, fundamental e imprescindível, dele se esperando que assuma a principal responsabilidade para encontrar as melhores soluções que vão ao encontro de todos os interesses envolvidos, muitas vezes antagónicos.
As soluções que o estado no seu conjunto vier a encontrar devem obedecer a critérios de justiça, respeito pelos interesses em presença e fundamentalmente ir ao encontro do direito que todas as famílias têm a uma habitação condigna, com a dignidade suficiente e que responda às suas capacidades familiares.
Embora este direito não seja absoluto, como outros que são tendencionalmente gratuitos, caso da saúde e da educação, é fundamental que o Governo e os organismos a ele ligados criem os instrumentos necessários que contribuam para que todos, com graus de dignidade mínimos, sejam capazes de satisfazerem as necessidades habitacionais, a custos compatíveis com o seu poder económico.
É um problema complicado, com inúmeras envolventes, que obriga a máquina do Estado a criar as soluções mais compatíveis, credíveis e justas
- O mercado imobiliário e de arrendamento urbano é de grande concorrência, onde centenas de milhares de agentes, desde proprietários, construtores, senhorios e intermediários no aluguer, na compra e na vendo venda atuam com o legítimo interesse de obter o melhor lucro.
- Para o valor comercial de uma casa entram o custo do terreno onde a mesma é implementada, o tipo de casa que se constrói, a sua tipologia, os custos das matérias e da mão de obra, (trabalhadores indiferenciados, técnicos especializados, engenheiros e arquitetos) custos de licenciamento e impostos cobrados pelo Município e pelo Estado Central.
Como atrás se disse, em muitos casos o custo do terreno é o valor mais importante e o mais elevado sendo que os terrenos urbanizáveis são cada vez mais raros, atendendo às últimas alterações à lei dos solos.
Primeiras medidas
- Alterar a Lei dos Solos de forma a libertar ou a facilitar a libertação de mais terrenos urbanizáveis, dentro de critério que continue a salvaguardar os interesses ambientais e as mobilidades inerentes às novas construções;
- Atuar na área fiscal, libertando a construção para as classes médias através de impostos bastante mais baixos a todos os intervenientes no processo do que os destinados às classes mais endinheiradas, estabelecendo escalões, à semelhança dos relativos aos do IRS.
Onerar as casas de localização, características ou tipologias de mais elevados custos, assim fomentando o interesse económico na construção e ou reabilitação das habitações para as classes mais baixas social e economicamente, considerando a possibilidade de poderem habitar em zonas centrais das cidades, como forma de manter a sua identidade cultural e social.
Seriam os municípios a definir os respetivos escalonamentos de acordo com critérios de qualidade, localização e obviamente de preço. As futuras transações dessas casas ou fogos estariam obrigadas a regras de permanência ou condicionalismo nas posteriores vendas ou arrendamentos, através de regulamente municipal.
- Definir nas zonas estabilizadas, nomeadamente das cidades e nos seus bairros considerados históricos, através dos planos Diretores Municipais, áreas de condicionamento à especulação imobiliária, através de medidas para a construção e ou reabilitação que facilitassem a fixação daqueles que são os seus habitantes naturais e históricos, para não as descaracterizar socialmente, tudo fazendo para manter os atuais residentes ou os seus descendentes, dando-lhes prioridade na aquisição através de benefícios.
- Fomentar a criação de associações de moradores nos bairros históricos e criar a figura de Provedor de Bairros Históricos, destinados a defender as suas tradições e os seus interesses históricos e sociais. Em Lisboa e no Porto, e noutras cidades portuguesas com centros históricos, fomentar a sua elevação a Património Cultural, Nacional ou da Unesco, como já tive oportunidade de propor na Assembleia Municipal para Lisboa.
Oferta pública de habitação
Portugal é dos países europeus com menor oferta pública de habitação, pois só muito esporadicamente tem tido governos com essa preocupação. Apenas os governos de Cavaco Silva, com o chamado PER, que em parceria com algumas Câmaras acabou com o flagelo dos “bairros de barracas”, e antes o Estado Novo com a construção de imensos bairros municipais destinados às classes de baixos e médios rendimentos, com a chamada renda convertível utilizada para amortizar a compra, num contrato suponho que a cerca de trinta anos.
No primeiro caso, o do PER, tenho que salientar o papel de Joaquim Ferreira do Amaral e, em Lisboa, de Cruz Abecassis, Jorge Sampaio e em especial o de Vasco Franco, com o qual partilhei a vereação da Câmara de Lisboa durante oito anos.
Nesta altura devo igualmente salientar o Instituto Nacional da Habitação (INH) e as cooperativas, que tiveram um papel importantíssimo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, com especial relevo em Lisboa, Oeiras, Cascais e Sintra
O Estado Português, através da sua empresa com a totalidade de capitais públicos Estamo, é um dos maiores senão o maior especulador imobiliário português, como já atrás referimos, com um património de milhares de milhões de euros em edifícios construídos e terrenos para construção, anunciados permanentemente, em alguns O.C.S.
Parte desse património poderia ser vocacionado para a construção social ou a custos controlados ou ao mercado de arrendamento, diretamente pela Estamo ou até através de PPPS bem dirigidas e fiscalizadas para esse efeito.
Muito património ainda não entregue à Estamo, localizado em zonas privilegiadas das cidades portuguesas, em edifícios de equipamentos já desativados há muito, está ao abandono e a deteriorar-se, alguns há dezenas de anos, deverá ser colocado para resolver o problema da falta e do elevado valor de compra e arrendamento.
Há imensos edifícios património do Estado, abandonados ou sem qualquer uso útil, como do Exército, instalações da Marinha, antigos hospitais e outros edifícios estatais desativados há muito e terrenos com aptidão construtiva.
Se o Governo atual tem meios e dinheiro para recuperar e arrendar património privado, retirado compulsivamente aos seus legítimos proprietários, alegadamente por falta de uso, porque não o faz no seu próprio património?
Basta-lhe solicitar às respetivas câmaras que procedam à alteração do seu uso através de Planos de Pormenor Simplificados, que são operações urbanísticas simples e rápidas. Aqui também pode recorrer às PPP devidamente negociadas e fiscalizadas.
Por outro lado, nomeadamente em Lisboa, recorrentemente se afirma que, quer a CML quer a SCM possuem património habitacional desocupado e a degradar-se.
Estamos convencidos de que este Governo, digo este, pois foi este que lançou um disparatado e incompetente programa para a Habitação, só com estes meios resolveria o problema da habitação sem polémicas.
Apoio ao movimento cooperativo
As cooperativas de habitação desempenharam desde os anos oitenta um importante papel no desenvolvimento da habitação a custos controlados em muitas zonas urbanas de Portugal.
Desta forma criaram-se muitos milhares de fogos, preenchendo as necessidades habitacionais de muitas famílias. As câmaras municipais cederam terrenos em condições favoráveis e o Instituto Nacional da Habitação apoiou com empréstimos à construção a juros bonificados.
O encontro de contas com o INH era feito aquando das escrituras públicas, através dos remanescentes da dívida serem liquidados com empréstimo bancário.
Política fiscal sobre o imobiliário ajustada socialmente
Como dissemos no início, a fiscalidade tem um efeito equilibrador, favorecendo os mais desfavorecidos e penalizando a favor destes os estratos sociais de maior rendimento, como acontece nos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares.
Os impostos sobre os imóveis seriam penalizados com maiores ou menores coeficientes de acordo com índices de qualidade, localização e valor comercial dos fogos, compensando-se em contrapartida os de menor valor. Considerar-se-iam nomeadamente o IMT, IMI e imposto de selo.
Facilidades no licenciamento
Uma das ideias posta a discussão pública prende-se com o licenciamento da habitação, passando para os técnicos (arquitetos ou projetistas e engenheiros), a responsabilidade pelos projetos e pela construção, bastando a sua assinatura para garantir a conformidade e a responsabilidade, aliviando os custos e a demora nas aprovações camarárias e de outras entidades de consulta obrigatória.
Esta medida foi bem recebida pela generalidade das pessoas que vieram ao espaço público falar sobre a matéria.
Teria inegáveis vantagens em vários campos e evitaria o que se denomina venda de facilidades, que são uso corrente em muitas câmaras municipais, mas também traria riscos pelo facilitismo que transporta.
Cada vez mais se verifica que da qualidade dos materiais das construções se dão as garantias quanto à sua qualidade global e se podem prevenir males que possam surgir muitos anos após a conclusão das obras e a sua venda, já tendo desaparecido os seus responsáveis.
Tomemos como exemplo o que agora aconteceu na Turquia e na Síria e vem acontecendo em todo mundo com alguma frequência, causando, onde há más construções, dezenas de milhares de mortos e que tem acontecido com irregular periodicidade em Portugal desde que temos memória de ser habitado, os sismos.
Resistência sísmica – Certificado, história e classificação
É mesmo muito provável que a terra em Portugal volte a tremer como em 1755, o que será uma enorme catástrofe, pois o nosso parque habitacional tem enormes lacunas quanto à segurança sísmica.
Tive oportunidade de propor, enquanto deputado municipal em Lisboa, a instituição da obrigatoriedade de certificado de resistência sísmica, obrigatório para compra ou arrendamento de casas, à semelhança do que há muito já acontece com os certificados energéticos. Não tive êxito, com o argumento de que tal desvalorizava o património. Na altura consultei engenheiros especialistas na área que me afirmaram tal ser possível e conveniente, pois os prédios com menor resistência podem ter intervenção para a melhorar.
Cronologia dos sismos em Portugal
O primeiro sismo de que há conhecimento remonta ao ano 60 AC. Afetou principalmente a costa ocidental da Península Ibérica.
Em 33 da era Cristã ocorreu um grande terramoto que provocou muitos estragos e mortos.
Em 382 DC dá-se outro terramoto de grande intensidade.
Em1279 outro grande sismo de enorme intensidade é sentido em todo o território.
Em 1321 têm lugar três abalos de grande intensidade, no espaço de 3 horas.
Em 1356 grande abalo provoca enorme destruição em Lisboa, as réplicas sentem-se durante um ano.
Em 1512 um abalo sísmico destrói muitas habitações na colina do Castelo, juntamente com o Mosteiro da Rosa, e provoca mais de 2.000 mortos.
Em 1531 dá-se mais um violento terramoto com epicentro entre Vila Franca de Xira e Azambuja.
Em 1721 tem lugar outro terramoto na região do Algarve.
Em 1755, no dia 1 de Novembro pelas 9h 30m ocorre o maior sismo de sempre na Península Ibérica, acompanhado de maremoto.
Outros abalos de menor intensidade têm ocorrido desde essa data, na região de Lisboa até aos nossos dias.
A Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica tem vindo a desenvolver um notável trabalho de informação, estudo, formação e divulgação desta problemática, em especial dos seus efeitos nas infraestruturas e no parque edificado, propondo formas de atenuar os seus efeitos.
Os edifícios de Lisboa podem-se classificar, quanto à resistência, em cinco classes, de acordo com a época e o tipo de construção.
A classe 1 corresponde aos prédios construídos antes de 1755 em alvenaria de má qualidade, a Mouraria por exemplo.
Na classe 2 inscrevem-se as edificações construídas depois de 1755 e até ao final da reconstrução de Lisboa, cerca de1880, em alvenaria de pedra de razoável qualidade e utilizando com frequência elementos de madeira no interior das paredes, a chamada gaiola pombalina.
A classe 3 refere-se ao período até ao início da 2ª Guerra Mundial, em que as construções voltaram a ser construídas em alvenaria de pior qualidade.
A classe 4 corresponde ao período entre os anos 40 e 60 do século XX, já com alguns elementos de betão armado. É o caso de S. Sebastião de Pedreira e da Avenida de Roma.
A classe 5 corresponde ao parque construído após 1960, época da publicação da primeira regulamentação anti-sísmica, em que os prédios passaram a ter obrigatoriamente estruturas em betão armado (a Avenida dos Estados Unidos é um bom exemplo)
Um construtor que construa dentro da legislação sobre resistência sísmica onera muito mais os custos de construção do que aquele que o não faça, mas um edifício construído sem os elementos obrigatórios de resistência sísmica tem exatamente o mesmo aspeto que aquele que cumpra os regulamentos, sendo a primeira hipótese muito mais barata para o construtor.
A pior previsão para a ocorrência de um sismo nos dias de hoje, na região de Lisboa, semelhante ao de 1755, é de 35.000 mortos.
É possível intervir no parque edificado, nomeadamente no de menor resistência de forma a reforça-la?
Sim, e poderemos abordar esse assunto noutra oportunidade.
Quanto à isenção de licenciamento camarário, veja-se o que aconteceu na Turquia: prédios adjacentes, uns colapsaram totalmente outros ficaram em pé. Centenas de responsáveis por essas construções destruídas foram presos. Mas se o sismo fosse daqui a mais cinquenta anos, já dificilmente alguém seria responsabilizado.
Os sismos acontecem sem aviso prévio e eu posso garantir que o iremos ter, não faço é ideia de quando.
As culpas alheias
O Governo do Partido Socialista tem sido perito em atirar todas as culpas para cima dos outros, a troika que eles requisitaram, Passos Coelho que nos libertou dela, os proprietários que só querem o lucro e devem ter todas as responsabilidades, desde que não pertençam ao sistema bancário, ou alguma famílias de privilegiados junto do seu poder, mas nunca António Costa, que há oito anos chefia o governo e que durante os últimos trinta esteve nele ou colado a ele, consegue passar as suas responsabilidades para todos dentro ou fora do Partido Socialista.