O diagnóstico da Doença de Alzheimer é, hoje, bastante preciso e há tratamentos que aliviam alguns dos sintomas. No entanto, quando a doença se manifesta e o diagnóstico é estabelecido, muitas alterações cerebrais já ocorreram, o que torna difícil reverter a doença.

Sabe-se que, no cérebro dos doentes, há péptidos, que se acumulam insidiosamente, até 20 anos antes do aparecimento dos sintomas. Para facilitar a interpretação deste artigo vou designar estes péptidos de “lixos”. Estes “lixos”, são tóxicos e acumulam-se por diversas razões, algumas das quais ainda não compreendemos completamente. O que é conhecido é que adquirem uma estrutura específica que facilita a sua agregação e que o cérebro deixa de os conseguir remover de forma eficaz.

Os avanços recentes no tratamento da Doença de Alzheimer têm sido focados na remoção do cérebro de um dos tipos de “lixo”. Embora esses medicamentos tenham mostrado algum sucesso na redução de sintomas e na atenuação ligeira da evolução da doença, os efeitos secundários bem como o desconhecimento de outros efeitos a longo prazo têm gerado grande preocupação na comunidade científica e nas agências reguladoras quanto à sua autorização para comercialização.

A perspetiva do nosso grupo de investigação é que a acumulação destes “lixos” ao longo de muitos anos antes do diagnóstico, causa outras alterações que amplificam as lesões originadas pelos próprios “lixos”. Portanto, a sua remoção pode não ser suficiente. É necessário intervir também em outros processos que promovem a perda de memória e em outras alterações significativas associadas à Doença de Alzheimer. Um exemplo crucial é a perda da função do BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro), que desempenha um papel vital no funcionamento do sistema nervoso central.

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O nosso grupo de investigação tem-se dedicado, há mais de 15 anos, ao estudo do impacto do beta-amiloide no cérebro, com especial enfoque no dano que este causa no sistema neuroprotetor do BDNF. O BDNF exerce um efeito protetor apenas quando ativa um recetor, o TrkB-FL. O nosso trabalho revelou que, na Doença de Alzheimer, este recetor está clivado, o que impede a função do BDNF. Além disso, investigámos o papel de um dos fragmentos resultante desta clivagem e descobrimos que esse fragmento tem também efeito tóxico, funcionando como um amplificador da doença.

Desenvolvemos um composto que previne o corte do recetor permitindo a recuperação da função do BDNF e, consequentemente, da memória e da aprendizagem, em modelos animais da doença. Por outro lado, este novo composto também previne a formação do fragmento tóxico que agrava a doença. Além disso, demonstrou uma ação única na restauração das sinapses e na redução da acumulação de um dos tipos de “lixo”, um dos mecanismos importantes na Doença de Alzheimer, conforme mencionado anteriormente. Para além do potencial efeito terapêutico, os ensaios realizados mostraram que o novo composto não induz toxicidade hepática e renal.

A Doença de Alzheimer deve ser abordada como uma condição multifatorial. Portanto, medicamentos que atuem em várias frentes e que possam ser administrados com ações preventivas e curativas, como o novo composto desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, terão uma maior probabilidade de sucesso.

Investigadores de todo o mundo continuam a trabalhar nos laboratórios em busca de tratamentos mais eficazes e com menos efeitos secundários. Este novo composto representa uma nova esperança. No entanto, cada um de nós pode contribuir minimizando os fatores de risco. Embora existam fatores incontroláveis, como o envelhecimento e alterações genéticas, há aspetos que podemos e devemos controlar, principalmente através da implementação de estilos de vida saudável e do controlo de fatores de risco cardiocerebrovasculares como a hipertensão arterial.