O tema da economia paralela é seguramente, um dos maiores, senão o maior dos problemas do Portugal de hoje. E constato que pouco, muito pouco mesmo, foi feito para combater o problema na sua causa raiz – o cidadão. A informalidade económica e a fuga aos impostos é, acima de tudo, um problema de cidadania.
Enquanto aceitarmos comprar bens ou serviços sem pedirmos uma fatura, arrendar quartos ou casas sem exigir recibos de renda, pagarmos como patrões ou recebermos “por fora” enquanto empregados, só para darmos alguns exemplos quotidianos, estamos a contribuir ativamente para a economia paralela.
Nas últimas semanas, vi inúmeras reportagens sobre a fraca oferta e os elevados preços nos quartos para estudantes em todas as academias do país. Um escândalo, diziam… Mas não vi, nem uma vez, alguém perguntar, se nos quartos que encontraram, o senhorio dava um contrato e um recibo de arrendamento – que por acaso, até é dedutível no IRS dos responsáveis pela sua educação.
Vi igualmente múltiplas reivindicações de redução da carga fiscal, mas não vi praticamente ninguém a reclamar medidas efetivas e estruturais de combate à economia paralela.
Vi, inclusivamente, reportagens em que supostos empresários diziam, a coberto do anonimato, que fogem aos impostos e que sabem que é crime. Mas que o fazem porque as suas empresas não podem sobreviver se cumprirem todas as obrigações contributivas e fiscais.
Estes exemplos, entre muitos mais que qualquer um de nós conhece e testemunha diariamente, são a prova de que temos um verdadeiro problema de cidadania em Portugal. Isto só se resolve se cada um de nós, como cidadão, assumir que tem de ser um contribuinte ativo para a resolução deste problema.
E a regra é básica, basta apenas exigir que todos cumpram as regras: fornecedores e clientes, patrões e empregados, inquilinos e senhorios, enfim, todos aqueles envolvidos em qualquer tipo de relação que envolva uma transação remunerada.
Também é fácil de entender que, para que a carga fiscal do país possa baixar (como tantos exigem), e para que o estado seja capaz de prestar mais e melhores serviços (como todos exigimos), e pagar melhor ao seus funcionários (como estes exigem), é necessário que o estado se torne mais produtivo e eficiente (faça mais com menos) – e que sejam mais a pagar os impostos, ou seja, o que hoje está na economia paralela, passe a ser tributado.
O efeito perverso da realidade atual todos conhecemos. Quem infringe as regras, é beneficiado. E quem cumpre é sempre prejudicado.
A nível particular, creio que todos conhecem situações de alguém que não declarando rendimentos (mas que é notório e sabido que os tem), tem depois direito aos apoios que existem para os mais carenciados. Neste caso, há uma dupla perversão, a fuga às contribuições e a utilização do sistema em proveito próprio, pondo por vezes em causa o acesso a quem verdadeiramente deles necessita.
Ao nível das empresas, também é fácil entender que as que fogem sistematicamente às suas responsabilidades contributivas e fiscais, entram em concorrência desleal (e ilegal), com as que cumprem. E também é fácil entender que apenas as que recebem “por fora”, podem “pagar por fora”, e assim se eterniza o ciclo de informalidade económica e empresarial. Há setores também sobejamente conhecidos, em que este ciclo é norma.
Resumindo e concluindo, o problema é grave, existe e afeta-nos a todos. E mesmo sabendo que não o vamos erradicar, pelo menos podemos fazer com que se melhore bastante. Mas, para isso, cada um de nós como cidadão, tem de passar a ser participante ativo na resolução deste problema. Não pagando nada sem exigir fatura (até vai para o e-fatura e daí para a dedução no IRS), não arrendando nada sem contrato e recibo, não pagando e nem aceitando receber “por fora”. Em suma, nunca comprar ou pagar nada sem exigir o devido comprovante contributivo ou fiscal.
Se todos fizermos isto desde já, com certeza que podemos todos exigir uma descida da carga fiscal e uma maior justiça na repartição do que é de todos.
Se continuarmos a ter o elefante na sala e o ignorarmos, continuaremos pura e simplesmente a empobrecer.