Economias cada vez mais alicerçadas em competências, a rápida evolução tecnológica, alterações climáticas em aceleração e sociedades em constante transformação exercem uma pressão crescente sobre os sistemas educativos para assegurar que os indivíduos adquirem os conhecimentos, competências, atitudes e valores para prosperar e moldar o seu futuro em sociedades resilientes, inclusivas e sustentáveis. É neste contexto que, em Dezembro de 2022, a OCDE reuniu os seus ministros da educação para debater o tema Reconstruir uma sociedade inclusiva e equitativa através da educação. Na sua Declaração sobre Construir sociedades equitativas através da educação, os ministros formulam uma nova visão na qual a educação e a formação contribuem para um desempenho económico melhor e mais equitativo, uma coesão social fortalecida e democracias mais funcionais. Este artigo, baseado no documento de reflexão preparado para a reunião ministerial, examina as implicações desta visão para a missão dos sistemas educativos.

Uma primeira missão fundamental dos sistemas educativos é contribuir para sociedades equitativas e inclusivas. Nos últimos 30 anos, constatou-se um aumento da desigualdade de rendimentos em quase todos os países da OCDE. Além disso, alguns trabalhadores – adultos pouco qualificados, trabalhadores mais velhos, aqueles cujos empregos estão em risco elevado de automatização – são mais suscetíveis de serem afetados pelas atuais megatendências que afetam o mundo do trabalho, nomeadamente a evolução tecnológica, a transição ecológica, a globalização e o aumento do trabalho atípico. A educação é um fator determinante neste âmbito. A igualdade de oportunidades no sistema educativo é uma condição prévia essencial para alcançar a equidade na aprendizagem ao longo da vida, para a igualdade entre indivíduos e gerações, e, por conseguinte, para construir sociedades mais equitativas e inclusivas. Apesar da melhoria no acesso à educação e nos níveis de formação nos países da OCDE, a desigualdade educativa continua a ser preocupante. Indivíduos de meios desfavorecidos têm menor acesso à educação, têm desempenho educativo inferior e têm menor motivação para a aprendizagem ao longo da vida. As desigualdades educativas no sistema educativo desencadeiam desigualdades entre diferentes grupos da sociedade nos resultados posteriores ao longo da vida (por exemplo, na aprendizagem, nos rendimentos, na saúde, na participação cívica e no capital social) que persistem ao longo das gerações e lesam a mobilidade social. Um benefício importante do investimento na equidade do sistema educativo é poder fomentar a equidade ao longo da vida.

Na educação pré-terciária, políticas eficazes para melhorar a oportunidade educativa envolvem tipicamente um alinhamento dos recursos com as necessidades dos alunos, privilegiando os mais vulneráveis; a colocação dos professores mais experientes nas escolas com menor desempenho; o reforço da formação para responder às necessidades individuais dos alunos; e intervenções pedagógicas específicas para alunos com dificuldades de aprendizagem. Uma educação pré-escolar de qualidade proporciona também uma vasta gama de benefícios às crianças – especialmente às mais desfavorecidas, incluindo o apoio ao bem-estar social e emocional, a redução dos riscos de abandono escolar e até melhores resultados de aprendizagem e laborais numa fase posterior da vida. O ensino e a formação profissional podem também proporcionar alternativas atrativas para aqueles que não estão interessados em aprendizagens mais académicas. Além disso, os países têm vindo a dar mais atenção às necessidades sociais e emocionais dos alunos como estratégia para criar ambientes de aprendizagem mais inclusivos que considerem as necessidades de desenvolvimento de um indivíduo no seu todo. No ensino terciário, os esforços centram-se no desenvolvimento de regimes de bolsas e de empréstimos e na aplicação de critérios de seleção mais amplos para reduzir as desigualdades de acesso. Na educação de adultos, as políticas mais comuns envolvem a oferta de formações relevantes para adultos pouco qualificados, a par de uma orientação profissional de qualidade; o reconhecimento das competências adquiridas através da experiência profissional; a oferta de oportunidades de aprendizagem modulares; a prestação de apoio financeiro específico para cobrir os custos da formação; e a regulação de períodos dedicados a ações de formação.

Uma segunda missão essencial dos sistemas educativos é consolidar sociedades democráticas. As nossas sociedades são cada vez mais diversas e mais polarizadas em termos económicos, políticos, geopolíticos e culturais. Neste contexto, os sistemas educativos procuram cada vez mais proporcionar aos indivíduos as competências necessárias para o compromisso cívico e a participação democrática de forma a interagirem de maneira respeitosa com os outros. A investigação mostra que uma educação de qualidade é importante para a qualidade da democracia e o bom funcionamento das instituições. Os sistemas educativos incutem valores cívicos e democráticos nos alunos, apoiando a formação de cidadãos empenhados e bem informados que contribuem para as suas comunidades e são capazes e estão dispostos a tomar medidas para o desenvolvimento sustentável e o bem-estar coletivo. Mais e melhor educação tende a traduzir-se num maior empenho dos eleitores e num maior interesse por informação política (por exemplo, acompanhamento de campanhas políticas e assuntos de interesse público). Além disso, a educação é um indicador importante de capital social, incluindo de relações e redes sociais, e de normas de confiança e reciprocidade que facilitam a cooperação entre indivíduos. A educação pode também apoiar a formação de indivíduos mais tolerantes e com abertura de espírito e, através deles, de sociedades mais coesas.

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Em consequência, como parte da articulação explícita das atitudes e valores nos objetivos de aprendizagem, a promoção da educação para a cidadania é cada vez mais importante para fomentar a inclusão, a coesão e a sustentabilidade das nossas sociedades. Um currículo que privilegie as competências cívicas é mais suscetível de promover a participação cívica, como o voto e o voluntariado, contribuindo para sociedades mais seguras e mais coesas. Nas sociedades democráticas, a educação para a cidadania ajuda os alunos a tornarem-se cidadãos ativos, informados e responsáveis, dispostos e capazes de assumir a responsabilidade por si próprios e pelas suas comunidades. Outra prioridade crescente é a necessidade de reforçar a literacia mediática dos alunos para que aprendam a navegar as várias formas de desinformação do ambiente digital. Através de técnicas de debate sobre a representação dos meios de comunicação social, as estruturas de poder, as motivações e as fontes, os professores podem desenvolver as competências de que os alunos necessitam para reconhecer conteúdos digitais falsos e enganadores.

Uma terceira missão crucial para os sistemas educativos é contribuir para a transição ecológica. As alterações climáticas, a par de outras condições ambientais adversas, ameaçam a saúde humana, a prosperidade económica e a coesão social. Além disso, os efeitos da degradação ambiental – na saúde, nos rendimentos, na segurança, no trabalho e na qualidade dos empregos – concentram-se em certos grupos vulneráveis. A redução do ritmo das alterações climáticas exigirá uma transição para uma economia sem emissões de carbono, com profundas implicações para o mercado laboral e a sociedade. Por conseguinte, a produção e a distribuição de bens e serviços e os padrões de consumo terão de ser radicalmente alterados. Juntamente com outras políticas, as políticas educativas e de formação podem não só melhorar a cadência da transição ecológica – reduzindo a escassez de competências – mas também reduzir as desigualdades resultantes das alterações no mercado laboral. Surgirão novos tipos de emprego em alguns setores, quer para substituir atividades poluentes por atividades mais limpas, quer para prestar serviços ambientais. Outros tipos de emprego desaparecerão, principalmente em setores com utilização intensiva de carbono. A transição ecológica conduzirá, por conseguinte, a uma mudança substancial na procura de competências laborais, bem como a novas exigências impostas a todos os indivíduos enquanto potenciais consumidores. Particularmente preocupante é a possibilidade de a interação entre as transições ecológica e digital ter efeitos que não se farão sentir de forma igual na sociedade.

Será fundamental ajustar o sistema educativo e de formação para criar o capital humano necessário para uma transição ecológica bem-sucedida e equitativa. Tal implica assegurar que os jovens adquirem competências para a transição ecológica; formar para novos empregos ecológicos; atualizar competências e requalificar (upskilling e reskilling) no âmbito dos empregos existentes; e apoiar os trabalhadores, em especial os menos qualificados, a darem o salto entre setores em declínio e setores emergentes. Os sistemas educativos terão de fomentar nos indivíduos as atitudes e os comportamentos necessários para uma cultura de sustentabilidade rumo a sociedades e economias mais ecológicas. Terão de surgir novos programas educativos para preparar os alunos para empregos ecológicos (por exemplo, cientistas das alterações climáticas, analistas do comércio de carbono) e ofertas educativas flexíveis (por exemplo, microcredenciais) serão cruciais para a atualização de competências e a requalificação dos trabalhadores (por exemplo, para gestores de construção). Para tal, é necessário desenvolver a capacidade dos educadores para que proporcionem uma formação prática sobre o desenvolvimento sustentável.

Uma quarta missão crítica para os sistemas educativos é contribuir para a transformação digital, de forma a aproveitar as suas oportunidades e mitigar os seus riscos. O progresso tecnológico está a transformar as sociedades, as economias e a vida das pessoas. A forma como aprendemos, trabalhamos, comunicamos e consumimos está a ser profundamente alterada pela digitalização. Além disso, as capacidades da inteligência artificial (IA) têm vindo a avançar rapidamente nos últimos anos, com implicações importantes para a educação e o trabalho, uma vez que nos próximos anos algumas competências humanas podem tornar-se obsoletas e outras podem tornar-se mais importantes. O desafio para os sistemas educativos é múltiplo: integrar as tecnologias digitais (incluindo a IA) no ensino e na aprendizagem; proporcionar a todos os indivíduos oportunidades e incentivos para expandirem as suas competências digitais; e reformar os sistemas educativos de modo que os indivíduos estejam preparados para as exigências do futuro e sejam valorizados no mercado laboral pelas tarefas que os seres humanos fazem melhor.

As tecnologias digitais oferecem múltiplas formas de melhorar a relevância, a equidade e a inclusão na educação. Permitem novas formas de aprendizagem; proporcionam o acesso a recursos de aprendizagem mais interativos e adaptáveis; facilitam diferentes formas de aprendizagem colaborativa e a integração da aprendizagem e da avaliação; e melhoram a comunicação entre alunos, educadores e famílias. Podem também contribuir para uma educação mais inclusiva através da personalização da aprendizagem. Por exemplo, a análise de aprendizagem adaptativa baseada em IA, tal como realizada em sistemas de tutoria inteligentes, pode monitorizar o progresso dos alunos, identificar os alunos em risco de abandono escolar e determinar onde os alunos precisam de ajuda e onde se destacam. Do mesmo modo, aplicações baseadas em IA como a conversão de voz em texto e a legendagem automática podem apoiar os alunos com deficiência visual ou auditiva nas atividades letivas. Além disso, a digitalização amplia o acesso à educação para alunos não tradicionais e para alunos em zonas remotas através de diversas formas de ensino à distância e em linha e de recursos educativos abertos, e proporciona novas ferramentas para o reconhecimento e a acreditação da aprendizagem, tais como credenciais flexíveis e empilháveis, interligando a aprendizagem formal, não formal e informal. No entanto, a utilização de tecnologias digitais na educação também comporta riscos. Estes podem incluir o aumento das desigualdades resultantes de um acesso desigual às tecnologias digitais; dificuldades em garantir a qualidade dos recursos digitais utilizados; e disparidades na capacidade de educadores e alunos para utilizar plenamente o seu potencial. Existem também preocupações quanto à confidencialidade das informações pessoais dos alunos e à exposição excessiva aos ecrãs, especialmente no caso das crianças de tenra idade. A resposta a estes riscos exige um esforço coordenado entre diferentes áreas de política educativa, desde o investimento em infraestruturas e equipamentos digitais, passando pelas competências digitais dos educadores e currículos que integrem tecnologias digitais até ao desenvolvimento de regulamentação que trate questões como a cibersegurança, a proteção de dados e a privacidade, e a garantia da qualidade. Os sistemas educativos também desempenham um papel essencial no apoio a todos os alunos, incluindo os mais desfavorecidos, no acesso ao ambiente digital, no desenvolvimento de competências digitais e, de forma crítica, na formação de cidadãos digitais. Uma prioridade importante é assegurar que todos os alunos possuem competências adequadas para tirar pleno partido das oportunidades digitais e para se protegerem dos riscos digitais. Isto implica assegurar que os professores e educadores dispõem dos conhecimentos, competências e recursos necessários para utilizarem as ferramentas digitais de forma eficaz e para apoiarem os alunos na utilização dessas ferramentas.

Por último, as mudanças constantes no mundo do trabalho e na sociedade aumentam a importância da aprendizagem ao longo da vida para que os indivíduos se adaptem continuamente e prosperem. Os adultos precisam de atualizar as suas competências para acompanhar a evolução dos empregos existentes e de se requalificarem para lograr transições para novos empregos. Para tal, são necessários sistemas educativos que garantam que os indivíduos desenvolvem, desde cedo, atitudes de aprendizagem positivas, as mantenham e se apoiem nelas para participar de forma ativa nas oportunidades de aprendizagem que surgem nas diferentes fases da vida. Além disso, num espírito de equidade e inclusão, podem ser desenvolvidas políticas de aprendizagem ao longo da vida especificamente para proteger os trabalhadores mais vulneráveis à evolução da procura de competências (por exemplo, os que têm baixas qualificações, os desempregados de longa duração), especialmente à luz dos seus baixos níveis de participação. As autoridades educativas, os empregadores e os sindicatos têm de trabalhar em conjunto para desenvolver oportunidades de formação flexível no local de trabalho, melhorar o acesso dos adultos à educação formal flexível, dar apoio específico aos trabalhadores pouco qualificados e aos trabalhadores mais velhos, oferecer apoio financeiro à formação, reforçar a capacidade dos empregadores para apoiar a formação dos trabalhadores e facilitar formações em paralelo com a atividade laboral. Um desenvolvimento relevante neste âmbito é a emergência de credenciais alternativas, tais como as microcredenciais, que oferecem maior flexibilidade aos indivíduos para adaptarem os percursos de aprendizagem às suas necessidades, promovendo a inclusão e a empregabilidade e apoiando as transições de emprego.

Chefe da Divisão de conselho e implementação de políticas educativas da OCDE

(As opiniões aqui expressas e os argumentos aqui utilizados não refletem necessariamente as opiniões oficiais dos países membros da OCDE.)

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.