O setor da hospitalidade é um dos maiores e mais crescentes setores da economia global (International Labour Organization, 2015). O setor tem crescido continuamente, sem contar com a recessão provocada pela pandemia COVID-19, continuando a ser um contribuinte fundamental para a recuperação económica e criando milhões de postos de trabalho de acordo com o ex secretário geral da UNWTO.
Por outro lado, este mesmo setor detêm uma alta conotação negativa a nível internacional, no que toca às condições laborais. Apesar do seu tremendo crescimento, o setor enfrenta problemas estruturais, que se têm acumulado com o passar dos anos: baixos salários, alta rotatividade, elevada carga horária e falta de motivação.
Este artigo de opinião visa explorar as maiores preocupações/desafios atuais, tanto para os colaboradores em cargos de chefia, como para aqueles nas bases da hierarquia empresarial. Irá ser abordado em particular, o impacto da formação dos colaboradores na indústria hoteleira, baseado em vários estudos científicos, sobre a formação de colaboradores no setor da hotelaria e restauração.
O Departamento de Recursos Humanos
Considerando a constante evolução das necessidades dos clientes, a crescente personalização dos serviços e produtos na hotelaria e até mesmo as preocupações em implementar mais práticas sustentáveis, nenhum destes desafios se pode comparar, com o grau de preocupação dos executivos e diretores gerais, com a área dos recursos humanos.
Um estudo conduzido pela Cornell University, mostra que já desde 2009, a gestão de recursos humanos é um dos problemas centrais da indústria hoteleira (CATHY A., 2009). Este estudo internacional, confirma-nos que o problema da mão de obra, é um problema que não tem fronteiras e que afeta qualquer unidade hoteleira na indústria.
Cerca de 64% dos colaboradores em cargos de chefia na indústria hoteleira, revelam que as suas principais preocupações residem na área dos recursos humanos. Mais especificamente, em quatro fatores: atração, retenção, formação e motivação (CATHY A., 2009).
A criação de novas soluções neste departamento e a adaptação das unidades hoteleiras ao mercado internacional, é premente. A forma de melhorar a falta de empenhamento e motivação, combater a rotatividade e até mesmo reduzir os custos das unidades hoteleiras a médio longo prazo, é por meio da formação dos colaboradores. Este fator, que será o ponto central deste artigo, parece ser transversal a vários estudos internacionais sobre hotelaria, que procuram encontrar novas soluções para a atual situação precária do departamento dos recursos humanos.
A falta de motivação e o compromisso organizacional
Quase 40% dos colaboradores no setor da hotelaria e restauração, confessam que o setor só seria atrativo com uma formação adequada (Eurofirms Group, 2022). Este desafio encontra-se refletido na falta de motivação e empenho dos colaboradores, como também, na incapacidade de retenção de mão de obra qualificada.
É importante notar que a formação/treino dos colaboradores não só afeta positivamente as competências/soft skills, (como aprender a receber clientes, a utilizar cartões de desconto, fazer cobranças…) mas também afeta atitudes e comportamentos a um nível mais pessoal (Waqanimaravu & Arasanmi, 2020).
A evidência empírica, tem demonstrado que as convicções dos colaboradores sobre os benefícios da formação, influenciam o seu compromisso organizacional (Al Emadi & Marquardt, 2007) e estão significativamente relacionadas à retenção de mão de obra (Memon, Salleh, & Baharom, 2016).
Até mesmo, a própria perceção ao acesso, ou não acesso a formação, é um importante fator motivacional, que estimula à participação dos colaboradores em atividades de aprendizagem (Waqanimaravu & Arasanmi, 2020). Estudos indicam-nos, que os colaboradores percecionam essas oportunidades de aprendizagem como um investimento na equipa, um voto de confiança, que é retribuído com níveis mais altos de empenhamento e motivação (Waqanimaravu & Arasanmi, 2020). O inverso também se verifica. A falta de oportunidades de formação, conjugado com o ceticismo aos seus benefícios, pode desmotivar os colaboradores e retirar-lhes o interesse em formações voluntárias.
Podemos verificar desta forma a duplicidade dos benefícios da formação, contando não só com o seu contributo no know-how, mas também com efeitos diretos no aumento do grau de empenho e envolvimento na empresa.
A rotatividade e os custos
Cerca de 60% das pessoas em idade laboral, que trabalham no setor da hotelaria e restauração, não se vêm a trabalhar no setor daqui a 5 anos (Eurofirms Group, 2022). Um dos grandes desafios da hotelaria moderna, reside neste problema central, que são os altos níveis de rotatividade. É um problema que afeta drasticamente os gastos operacionais e sobre tudo a qualidade do serviço prestado ao cliente.
Qualquer unidade hoteleira procura manter consistentes os seus standards operacionais. Estes “são uma ferramenta fundamental de gestão de desempenho, comunicação com staff, homogeneização de práticas e processos de trabalho, que se traduzem numa experiência coerente para o cliente” – (INESP – Hotelaria e Turismo, 2019). Os cumprimentos dos standards operacionais podem ser prejudicados ou até mesmo impossibilitados, pela alta rotatividade dos postos de trabalho. Esta elevado grau de rotatividade que define o setor, encontra-se retratado na quantidade de contratos temporários, que em 2022 correspondiam a cerca de 61% a nível nacional (Eurofirms Group, 2022). A indústria da hospitalidade e em particular os hotéis no segmento de luxo, não podem suportar estes níveis de rotatividade. Uma elevada rotatividade não só aumenta os gastos operacionais, exigindo um reinvestimento na procura e formação de novos colaboradores, como também se traduz numa experiência menos coerente (Iverson & Deery, 1997).
Um estudo conduzido por académicos da Victoria University of Technology e University of Melbourne, revela a importância de construir relações laborais saudáveis e sentido de união, no combate à rotatividade laboral (Iverson & Deery, 1997). Uma das formas que uma empresa dispõe para aumentar a moral e o grau de envolvimento na empresa, é através de eventos sociais e até mesmo por meio de formações num ambiente mais relaxado e informal. É importante realçar a importância de formações em equipa, incentivando a aprendizagem com dinâmicas de grupo.
Esta maneira de formar colaboradores, fornece uma ótima oportunidade para que a equipa se conheça melhor e possa até trocar ideias em relação ao aprimoramento das práticas laborais.
Desta maneira, a formação ajuda a criar colaboradores integrados e leais à empresa, que não só têm uma maior disposição para realizar o seu trabalho com brio, como também ajuda a reduzir os gastos a médio longo prazo e reduzir a rotatividade laboral.
Baixos salários e ineficiências das estruturas hierárquicas
Um outro problema, que continua a perpetuar-se na indústria e que se apresenta como um dos fatores que mais desmotiva possíveis colaboradores a ingressar na área, são as políticas dos salários baixos. Em 2022, cerca de 73% dos funcionários que trabalhavam no setor da hotelaria e restauração, receberam um salário mensal inferior a 1.000€ (Eurofirms Group, 2022).
O que se tende também a verificar na indústria, especialmente no departamento de F&B (Food and Beverage), são críticas à falta de colaboradores. Mais especificamente, à falta de colaboradores qualificados (Revista Comunidade, 2022), que aliviem a carga de trabalho da equipa e que tornem o serviço mais dinâmico e facilitador para todos. Estes dois fatores: política de salários baixos e a falta de colaboradores qualificados, encontram-se relacionados e condicionados pela mesma estrutura hierárquica.
A totalidade dos contributos que a formação disponibiliza, só poderão ser usufruídos se a empresa dispuser de uma hierarquia que possibilite a polivalência e a autonomia dos colaboradores. Para tal é necessário promover estruturas hierárquicas mais planas e menos piramidais, assentes na polivalência e não na especialização, que promova o empoderamento dos colaboradores, por meio do ganho de conhecimentos e competências. Esta visão, permite agilizar as pirâmides hierárquicas tradicionais, dando preferência a uma equipa mais compacta de colaboradores qualificados, que consequentemente, crie uma oportunidade para aumentar os salários dos colaboradores.
Por meio desta restruturação, que prioriza a qualidade à quantidade, não só somos capazes de utilizar os mesmos recursos financeiros, para retribuir os nossos colaboradores com salários mais elevados, como também tornamos mais eficientes a aplicação desses mesmos recursos. A um nível administrativo, este investimento na formação significa que, em vez de pagar quatro salários precários, a quatro colaboradores sem formação, pagamos três salários superiores, a três colaboradores qualificados.
Este artigo não defende a redução das verbas direcionadas para este departamento, nem tão pouco, o aumento do stress e da carga horária do staff, por meio de reduções desmedidas no número de funcionários. Este artigo apela a uma gestão de recursos diferente, direcionada para o investimento na formação dos colaboradores e assente na polivalência.
Para além de criar uma equipa dinâmica, capaz de cumprir os standards operacionais com mais coerência e proporcionar ao cliente uma experiência mais memorável, esta restruturação hierárquica permite retribuir os nossos colaboradores, com o enriquecimento das suas competências e conhecimentos e uma remuneração superior.
Um investimento, não um gasto
Em resumo, a formação é um pilar chave para a excelência em qualquer unidade hoteleira e também uma forma de combater muitos dos desafios, que hoje enfrentamos no setor da hotelaria e restauração. Como referido pelo presidente da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal (AHDP), Raúl Ribeiro Ferreira: “numa indústria de pessoas para pessoas, o potencial humano faz toda a diferença na qualidade do serviço e do produto hoteleiro”.
A tomada de soluções paliativas, que apelam à rotatividade dos postos de trabalho, só continuará a prolongar os desafios que enfrentamos atualmente na indústria hoteleira. Já que o atual Código do Trabalho, não prevê uma formação constante a todos os colaboradores da empresa (Diário da República, 2009), cabe aos privados tomarem a iniciativa de investir nas suas próprias equipas.
A formação, ao contrário do que muitos possam pensar, não é um gasto, é um investimento e será um caminho incontornável, para continuar a fazer crescer tanto quantitativa como qualitativamente a indústria que tanto contribui para a economia global.