Há um desígnio para o país? É uma pergunta que ressoa ultimamente cuja a resposta não tem sido clara. Seria importante iniciar este debate numa altura em que a instabilidade social e política vivida afeta em larga medida o quotidiano dos portugueses. Tal, incute uma sensação de incerteza que culmina numa ausência de projeção no futuro e confiança nas instituições, interferindo com a qualidade de vida e produtividade. Seria de esperar que estas condições politicas não interferissem com a saúde das populações, mas efetivamente não. Os determinantes sociais têm relevância quando se fala em sociedades saudáveis e produtivas. Vejamos, a Organização Mundial de Saúde define-os como as condições em que um cidadão vive e trabalha. E, se as mesmas se revestem em ansiedade, ausência de rumo e falta de reconhecimento, por exemplo, estamos perante populações vulneráveis, com maior propensão à deterioração da sua saúde. Por conseguinte, o aumento do absentismo, diminuição da rentabilidade e parco crescimento económico. Estudos recentes indicam esta ligação entre a incerteza politica e aumento da incidência de perturbações mentais comuns. A OCDE afirma que na europa ”uma em duas pessoas ter uma doença mental na vida, com consequências negativas nas perspetivas de emprego, produtividade e salários”. [1]
Efetivamente, a perceção de expectativas negativas relativamente às políticas promove este crescimento de insegurança, aliado a uma ideia crescente do distanciamento dos políticos da vida comum, do cidadão, das reais necessidades quotidianas. E, por conseguinte o aumento do voto de protesto, nefasto para dinamização da democracia. É importante mudar este paradigma e alterar a tendência dos ciclos legislativos onde observamos com dificuldade a introdução de políticas públicas consistentes e sustentáveis.
Há pois um espelho da falta de confiança do cidadão nos sistemas partidários, em parte dado pelo crescente absentismo eleitoral. Uma das formas possíveis de colmatar, fundamental num estado democrático, seria fomentar o envolvimento cívico. Isto é, que as políticas propostas no limite tenham um real impacto na vida quotidiana a curto-prazo, mas que sejam sustentáveis a longo. Que as instituições públicas a que recorrem funcionem; que reconheçam pessoas de referência onde projetam confiança; e, que identifiquem uma visão estratégica para o país que perdure. Isso elevará os níveis de satisfação e por conseguinte baixa a ansiedade social sentida que se traduzirá numa sociedade mais saudável, motivada e como menos prevalência de doença mental.
Para tal, proponho o fomentar o aumento da literacia política na população através de sessões de proximidade na comunidade (que a mesma não seja restringida aos aparelhos partidários); proponho a criação através dos órgãos partidários de um movimento cívico de pessoas e quadros técnicos para debate de novas ideias e preparar alternativas técnicas às políticas existentes; proponho a transparência de abertamente explicar o racional das políticas aos cidadãos e perceber que as reformas necessárias não se restringem a um ciclo eleitoral, para assim aumentar adesão face as dificuldades de implementação que surgirem; proponho a reflexão aos partidos da necessidade de escolhas difíceis e impopulares subjacentes que não devem ser ignoradas.
Estamos numa fase crucial para a mudança. Tem de haver uma concertação agregadora dos partidos para uma mudança sustentada nas políticas governativas a longo prazo e, consequentemente no país, nos cidadãos. Sabemos que quatro anos é insuficiente para algo tão estrutural. Assim, esta situação única de governo minoritário poderá ser um impulsionador para as reformas necessárias. Cabe a promoção de diálogo transparente mas, também a aceitação do mesmo por todos os agentes partidários. Isto é, reconhecer que há objetivos transversais a todos (saúde, educação e justiça) e, embora se possa divergir “do como chegar,” se houver concertação entre todos os agentes para a mudança num compromisso de traçar um propósito para o país, que vá para além de ciclos legislativos, acredito que poderá ter sucesso. Porque tal será o necessário para iniciar o esbater da incerteza que assola o quotidiano, que como vimos, condiciona o crescimento, produtividade e aumento de sintomatologia. É importante os cidadãos reverem-se nos nossos agentes políticos, reverem uma vontade conjunta de melhoria global e, não apenas a implementação ideológica.
[1] OECD/European Union (2020), [internet] Health at a Glance: Europe 2020: State of Health in the EU Cycle, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/82129230-en.
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
Uma parceria com:
Com a colaboração de: