Os Portugueses votam aos seus políticos um grande desprezo, com excepção talvez dos comunistas porque esses, ao menos, “são sérios”.
Comentadores de todos os sectores do espectro, listando os nomes da primeira Assembleia, e os das seguintes duas décadas do regime, e comparando-os com os actuais, declaram com os abraços abertos de desalento, o cenho franzido e a voz cava, que há uma evidente degradação da qualidade. Porque é que é assim em geral não explicam.
Não explicam porque os que conheceram as luminárias da política nacional de há 30 ou mais anos estão velhos e tudo, não apenas os políticos, lhes parecia melhor no antigamente. Houve uma Revolução, com vencedores e vencidos, uma longa batalha para empurrar os militares para os quartéis, outras para ir podando a Constituição do seu terceiro-mundismo ideológico (uma tarefa ainda não concluída), uma troca de partes da independência nacional por subsídios e a garantia de normalidade democrática, e vários momentos para ir demolindo o PREC na economia. Nestes últimos se distinguiu Cavaco, que terá sido talvez, até ao aparecimento de Ventura mas com grande diferença de grau, o último político a excitar amores acrisolados e ódios virulentos.
Já não há tempestades como antigamente, diziam dantes filosoficamente os velhos quando o vento uivava, árvores tombavam pelo pé e o mar entrava pelas praias adentro. Hoje não dizem porque a “ciência” os convenceu de que o clima vai ter cada vez mais excessos, mas têm a mesma atitude face ao resto. Eu também. Lembro quando tinha mais cabelo, menos achaques, mais esperança, menos realismo, e mais admiração pelos heróis do dia e menos cinismo.
Houve um tempo asado para heróis e hoje é o tempo de gestores do que está. Isto não pode entusiasmar até ao dia em que o que está seja suficientemente irrespirável para regressarmos aos heróis improváveis, como sucedeu agora nos EUA com Trump.
A aversão aos políticos não é exclusivamente portuguesa: Desde que o Estado se vem ingerindo em todos os interstícios da vida, regulando, proibindo, multando, prodigalizando benefícios, fundando instituições e serviços, é dele crescentemente que vem a chuva e o bom tempo, este último para todos os grupos barulhentos com capacidade reivindicativa ou suficientemente numerosos para garantirem o resultado das eleições. E como não é possível dar a uns sem tirar a outros, e o que é dado nunca é suficiente, os descontentes vão crescendo.
Acontece que houve uma votação na AR para eliminar um corte de 5% dos vencimentos dos políticos, que permanecia desde 2011. As circunstâncias que lhe deram origem há muito se extinguiram mas permanecia por mera cobardia – o partido que isso propusesse não ganharia um voto e é provável que perdesse alguns.
Ladrões, já não lhes chega o que roubam e agora querem aumentos!, dizem os reformados no meu café. Se porém tivesse sido uma outra categoria de cidadãos a ser objecto daquela medida austeritária não apenas teriam há muito visto com bons olhos a anulação do corte como exigiriam compensação.
Ciente deste parti-pris antipolíticos, o líder Ventura resolveu surfar a onda da indignação popular e escolheu prantar uns pendões nas janelas do Parlamento protestando contra o “aumento”. O presidente da AR ficou piurso mas o próprio Ventura ajudou a retirá-los perante o olhar, imagina-se que divertido, dos bombeiros que numa grua iam proceder a essa operação.
No regime de separação de poderes os tribunais são independentes na aplicação das leis, mas não as fazem; o Governo tem competências próprias mas depende da AR; e o próprio presidente da República, em homenagem à sua eleição directa, pode em certas circunstâncias abanar a barraca, mas até para ir para o estrangeiro (seja, como o actual, para arejar banalidades, seja para alguma deslocação de mérito) precisa de autorização da AR.
É pacífico: A AR, tenha a composição que tiver, e qualquer que seja a personalidade concreta dos deputados que a compõem, é o pináculo do regime democrático. Daí que o respeito dos procedimentos, o civismo no trato, até mesmo as convenções no vestuário, façam parte de um quadro de convivência civilizada. Não é que desmandos não sucedam por esse mundo fora em parlamentos democráticos, é que não temos de importar disparates – já basta a produção própria.
Em 230 deputados não é possível garantir que nenhum tire macacos do nariz; nem impedir que alguns levem a modernidade a ponto de se apresentarem praticamente de pijama, ou que, no calor das discussões, recorram à retórica do insulto.
Há porém limites: não se espera que as senhoras deputadas, no Verão e caso o ar condicionado esteja avariado, se apresentem de bikini (mesmo que, em casos raros, isso pudesse atrair maior interesse nos debates parlamentares); que deputados se tratem reciprocamente de “bestas” ou “imbecis”, ainda que nem sempre estivessem a faltar à verdade; e o pedir a palavra fosse substituído por punhadas furiosas na bancada.
Não se espera nada disso. Nem que as manifestações de rua, os pendões, as palavras de ordem, sejam transportadas para aquele lugar. O direito à manifestação é, na AR, apenas o direito à manifestação civilizada de opiniões, o resto tem o seu lugar – na rua.
Seria este o momento de dizer que André Ventura conspurcou a instituição que tem obrigação de respeitar. Hesito porque tem atenuantes: Não há muito tempo o Palácio de S. Bento foi iluminado com as cores da Bandeira LGBTurbo, isto é, de grupos ultra-minoritários que se inserem no vasto movimento de autovitimização de categorias de cidadãos que têm diferenças que deveriam ser irrelevantes mas servem de matéria prima para marxistas actualizados que precisam de hostes de protegidos para combater os inimigos de sempre.
Entre os pendões de Ventura e a iluminação furta-cores não há diferença nenhuma: o edifício serve de pretexto para propagandear uma ideia, nos dois casos errada.
Mas nem que estivesse certa.
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não refletem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.