Ao longo destes 50 anos de Democracia o Direito à Habitação foi sendo tratado como um direito fundamental, mas de segunda linha. Principalmente se excluirmos o esforço da erradicação das barracas, poucos exemplos encontraremos da tentativa de efetivar este direito em Portugal.
A habitação, por todo o país, mas particularmente nas áreas urbanas, é a maior crise do país e a solução estrutural para a resolver é tão clara como demorada: Só a construção de um parque público de dimensão relevante permitirá controlar o mercado e garantir acesso efetivo à habitação para todos, a preços que as famílias possam pagar e assim uma verdadeira liberdade.
Este é o caminho para garantir a base de construção de uma vida segura a todas as famílias e tem de ser uma linha mestra do nosso estado social. Enquanto comunidade, devemos reconhecer o Direito à Habitação como primeiro direito, assim como o papel que o estado tem na sua concretização. Esta construção de parque público, mesmo que fosse unânime como construção politica (lá iremos..), levaria sempre o tempo necessário à construção física, impossível de contornar.
Por isso, reconhecendo as falhas dos últimos 8 anos, reconhecendo que não podemos continuar a assumir que os custos de transição serão sustentados pelas famílias, temos também de reconhecer o pacote Mais Habitação como o primeiro exercício global de criação de uma política de habitação. Num mercado mais liberal que o dos países habitualmente rotulados de liberais, este pacote procurava lançar as bases de uma regulação equilibrada do mercado habitacional.
Deveria ter ido mais longe? Sim. Precisamos de um mercado regulado, que proteja a parte fraca e garanta a efetiva utilização do património habitacional. Mas temos de reconhecer que seria difícil construir maiorias sociais e políticas que o permitissem. Foi um passo importante e o país precisa de mais Mais Habitação.
Infelizmente, os sinais que temos dos governos da direita são o oposto. Em Lisboa, temos assistido a uma visão de uma cidade para uns e uma cidade para outros, com redução de densidade nas zonas mais ricas e concentração e exclusão da resposta pública de habitação. Não é uma cidade a duas velocidades, é a defesa de duas cidades, paralelas e segregadas. Uma cidade de exclusão, que ignora a diversidade e inclusão como maior riqueza destes territórios.
Mas assistimos também, no novo Governo da República, à perda de centralidade política da habitação, com esta pasta a ser sacrificada num exercício de redução de ministérios, agravando a maior crise nacional para ganhar uma linha insignificante de jornal.
Não, isto não é um detalhe, é o regresso a uma visão histórica errada. O Mais Habitação é o resultado de um reforço da centralidade, do papel empoderado de uma ministra criativa e corajosa, que não teria a mesma força, abrangência e calendário sem esse reconhecimento garantido na lei orgânica do governo. Não há centralidade em temas geridos por secretarias de estado.
A nova arrumação do governo vem reforçar os sinais dados pelo programa eleitoral da AD que tratava a Habitação como não mais que a parte final do plano económico. Uma visão de exclusão e não de inclusão, de fé num mercado que tudo resolverá, que já sabemos não resolver.
No fundo, ainda antes de analisar o programa de governo decalcado do programa eleitoral da AD, mantendo todos os erros e fragilidades, é já evidente pelas opções da lei orgânica do governo uma escolha, não teremos mais Mais Habitação e isso só poderá resultar no oposto, Menos Habitação para todos.