Facilitar o acesso à habitação pressupõe o conhecimento das realidades concretas, dos obstáculos e das melhores soluções exequíveis. Com base na experiência dos notários nos procedimentos de transmissão e arrendamento de imóveis apresentámos um conjunto de propostas no âmbito da discussão pública da política de habitação. O objetivo foi contribuir para estar do lado das soluções para a construção de um quadro jurídico, político e económico mais justo e equitativo

Entre as propostas está a urgente simplificação administrativa que eliminaria atos inúteis e incumprimentos resultantes da complexidade associada aos procedimentos.  A disponibilização dos documentos em formato digital, de forma regulada, permitiria também simplificar todo o processo e evitar deslocações desnecessárias aos cidadãos.

O Governo devia, aliás, aproveitar esta oportunidade para atuar de forma corajosa, harmonizar e simplificar os documentos referentes a procedimentos urbanísticos ao nível nacional, colocando um ponto final nas disparidades e na complexidade associada aos diferentes formatos e requisitos que empurram os cidadãos, as empresas e as instituições para um inusitado labirinto administrativo. Neste sentido, sugerimos a criação de um balcão único nacional digital para a prática de todos os atos a ser implementado em todos municípios.

Ainda no que respeita aos construtores os quais nunca sabem quanto tempo pode demorar a aprovação de um projeto e muito menos quando poderão ter as licenças para realizar as vendas é necessário acabar de vez com a sua via sacra e penalizar fortemente o incumprimento dos prazos pela entidade licenciadora.

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A política de habitação tem de atuar, simultaneamente, no aumento da oferta de imóveis disponíveis para este fim e na redução dos entraves que se colocam aos cidadãos para a sua aquisição e para a construção.

Para aumentar a oferta é necessário colocar no mercado os imóveis devolutos do Estado e permitir a alteração do uso de imóveis para habitação de forma simplificada, sem depender da autorização dos demais condóminos. Se isso chega, não. Nenhuma medida isolada irá resolver de forma significativa este problema.

Podemos ainda fazer, o que já se faz em muitos países, como na Alemanha, França ou Inglaterra, que, em zonas de pressão urbanística, impõem aos fundos imobiliários a consagração de parte dos fogos para aquisição e arrendamento a custos controlados. A par disso, podem ser criadas linhas de financiamento para o apoio à construção e reconstrução de edifícios para venda com custos controlados, com cláusulas de inalienabilidade nos dez anos subsequentes à primeira aquisição para evitar a especulação imobiliária e também a cedência do direito de superfície de terrenos públicos para a construção em regime cooperativo, como se fez no passado.

O país tem uma margem económica importante para atuar nas políticas de habitação. Recorde-se ainda que, em 2022, foi batido o recorde de receita de IMT, com um aumento de 26,3%, face ao ano anterior, atingindo o valor de 1.698 milhões de euros. Deveria, por isso, designadamente, apoiar a autoconstrução, através da diminuição dos impostos sobre a aquisição de terrenos para construção que neste momento representam 7,3% do custo. Ou seja, atualmente, a compra de um terreno pelo valor de 100.000€, tem um imposto de 7.300€.

O que se esperava seria um debate sobre medidas tecnicamente viáveis e exequíveis face às reais condições do nosso país. Ao invés, a discussão sobre as soluções para os problemas da habitação está excessivamente polarizada ao centrar-se nos interesses dos senhorios, dos fundos imobiliários, dos proprietários de alojamento local, dos investidores versus arrendatários, dos condóminos e de outros; e alguns partidos políticos apenas aproveitam para dizer, o que interessa, aos seus potenciais eleitores.

O foco nos interesses em presença, com uma visão uniforme de um país com realidades diversas, com bloqueios burocráticos evidenciados pela experiência, constitui-se em parte do problema. Ser parte do problema é o primeiro passo para não conseguir construir soluções focadas no interesse geral das pessoas e dos territórios. As propostas dos notários são parte da solução, como outras, sensatas e exequíveis.

É decidir, concretizar e fazer, sob pena de, por este andar, se demorar mais anos a tornar mais equitativo o acesso à habitação. É preciso começar a construir, soluções e habitação.