Caminhamos para uma década do transporte invividual de passageiros em veículo descaracterizado (TVDE) em Portugal.
Antes disso, só existiam os táxis comuns, onde era perfeitamente possível depararmo-nos com motoristas a fumar, às vezes desagradáveis, rádios a debitar ruidosos relatos de futebol, um estado de limpeza das viaturas muito questionável, velocidades por vezes contra as regras do trânsito e do bom senso, uma total imprevisibilidade de custos e problemas crónicos com os trocos.
Os TVDE entraram no mercado e rapidamente ganharam uma presença importante. De repente, os motoristas não fumavam e eram agradáveis, perguntando-nos se nos importávamos com o volume da música, por vezes até ofereciam água e rebuçados, cumpriam as regras do trânsito e no final pagávamos o que a plataforma nos dizia, nem mais um cêntimo, a não ser que o quisessemos voluntariamente fazer, sempre via plataforma. E ainda por cima, eram mais baratos, por vezes bem mais baratos do que os táxis.
As vantagens foram inquestionáveis, mas com o tempo a distância entre a qualidade de serviço dos táxis tradicionais e os TVDE foi-se reduzindo, porque os táxis melhoraram (bendita concorrência) e porque os TVDS pioraram.
É justo reconhecer que houve um esforço por parte dos táxis no que diz respeito à melhoria do serviço. De facto, já existem plataformas online para pedido de táxis, que se apresentam hoje com um cuidado e com uma apresentação que antes era difícil encontrar.
Em sentido inverso, nos TVDE o serviço piorou drasticamente. Hoje em dia, é fácil apanhar motoristas que muitas vezes não falam português, nem o mais elementar, essencial para esclarecimentos básicos, o que antes era uma música clássica de fundo transformou-se em música alta, os veículos standard são de gama muito baixa, e as artimanhas na plataforma para incumprir com viagens menos vantajosas são as mais variadas e criativas.
E porquê? A razão tem que ver com o modelo de negócio baseado no preço, que requer veículos baratos e motoristas mal remunerados, que nem são reconhecidos como trabalhadores das plataformas. Todos gostamos de pagar pouco, mas pelos vistos tal só é possível com recurso maioritário a mão-de-obra imigrante barata, que só consegue viver nas grandes cidades em precárias condições.
De facto, quando compramos uma camisola por um preço insignificante, existe alguém no outro lado do mundo a produzi-la com uma remuneração fora dos nossos padrões de vida, mas como não vemos, não ligamos. Aqui, o serviço de TVDE que compramos está à vista, e a pessoa que presta o serviço convive no mesmo espaço confinado connosco durante alguns minutos, pelo que ou fechamos os olhos, ou então teremos de reconhecer que algo está errado.
Uma solução será pagarmos mais, e aí temos a opção dos táxis tradicionais, a outra solução passa pela tecnologia.
De facto, a tecnologia de veículos autónomos partilhados (robotaxis) em meio urbano é já algo que começa a ser possível em locais como Phoenix, São Francisco, Pequim, Shenzhem ou Whuan, e à semelhança dos veículos tipo TVDE, cuja utilização se generalizou em pouco tempo, podem vir a constituir uma solução de transporte urbano barata e segura.
Ora para ter este tipo de veículos autónomos não basta importá-los e pô-los a circular nas ruas de Lisboa ou do Porto, é preciso antes criar as condições para que tal seja possível, e tais condições não são fáceis de criar, caso contrário a tecnologia de carros autónomos, que já tem uns anos, já se teria generalizado.
No entanto, é possível começar a criar as bases para que possamos ter no futuro este tipo de oferta nas nossas cidades. E que bases são essas?
Para começar, é necessário criar um quadro legislativo adequado, pois o atual baseia-se na existência de um condutor em cada carro.
É preciso um promotor deste tipo de mobilidade, sem haver quem arrisque empresarialmente esta nova solução, os carros autónomos não vão passar do papel.
Este promotor pode trazer ou comprar a tecnologia de carros autónomos, o que envolve toda a gama de sensores tipo Lidar, câmaras, microfones, radar e GPS para equipar os carros, uma plataforma computacional com inteligência artificial, software para gerir a condução autónoma com dados simulados ou reais de outras paragens, e uma aplicação para disponibilizar aos clientes.
Será fundamental mapear com rigor os locais de operação, pois as decisões dos veículos serão tomadas na comparação entre o que o carro detecta e o que está mapeado.
Depois, é preciso que existam seguros dedicados, com o risco a ser assumido pela empresa promotora dos veículos autónomos.
É imprescindível ainda que exista uma infraestrutura de suporte dedicada a tratar dos carros autónomos, que precisam de ser limpos, carregados e mantidos numa base diária.
As condições descritas, que são só as principais, são barreiras significativas para a criação de soluções de mobilidade autónoma partilhada nas cidades, mas não são intransponíveis, assim haja vontade por parte dos agentes que nela vão participar, a começar pelo Estado, que pode começar por dar os primeiros passos legislativos.
O que há a ganhar é bastante, uma vez que mais conceitos de partilha podem significar a mesma mobilidade com menos carros a circular, e com menos carros a circular os que circulam serão mais eficientes, tudo isto com ganhos económicos e ambientais para todos.