Vamos ter de novo eleições, e nesta altura os principais partidos, os que podem liderar um futuro governo, estão na fase de recolha de sugestões para os seus programas, o que é uma ótima ideia e uma forma de participação que é de enaltecer.

De facto, temos hoje um défice de participação política que é muito grave, pois os nossos melhores estão de costas voltadas para as causas públicas, situação que precisa de ser revertida com toda a urgência, pois se não tivermos a causa pública entregue a gente competente tudo falha a jusante.

Assim, mais do que criticar e desperdiçar tempo a traçar conjeturas de coligações possíveis para o pós 10 de Março, este é o tempo para debater ideias e propostas para os próximos anos.

As áreas são muitas, e cada um de nós deveria pensar, na área que domina, no que é que deveria ser feito para melhorar a situação presente, e muitas vezes, pequenas alterações, algumas sem custos, podem fazer toda a diferença.

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Ora pelos compromissos de redução de emissões poluentes a que o estado português se obrigou, pela melhoria da qualidade de vida dos nossos condidadãos e também pelo impacto que as deslocações têm nos nossos orçamentos, repensar a mobilidade é um desígnio estratégico, aliás reconhecido pelos programas eleitorais quer do PS quer do PSD nas últimas eleições de 2022.

Do lado do PS, houve o compromisso em “estimular a mobilidade partilhada e o uso de transportes públicos, a elaboração de enquadramentos regulatórios que permitam novos negócios relacionados com a mobilidade inteligente, bem como a adoção de novos modelos de prestação de serviços incentivadores de uma maior utilização e integração com o sistema de transportes públicos coletivos“.

Já o PSD, em 2022, comprometeu-se em “melhorar a atratividade dos transportes públicos e a experiência dos utilizadores, promovendo a digitalização de serviços ligados à mobilidade, a sua integração e a sua complementaridade com outros serviços, o desenvolvimento de plataformas de informação que permitam soluções de smart mobility e a implementação de novos canais de comunicação, pagamento e informação ao público“, falando também na „elaboração de enquadramentos regulatórios que permitam novos negócios relacionados com a mobilidade inteligente, abrindo o mercado a novos players“.

Traduzido por miúdos, ambos os partidos se comprometeram em apostar nos transportes públicos, complementados por novas soluções de mobilidade. Assim, transportes públicos já sabemos o que são, e ninguém nega a necessidade de os melhorar, a questão prende-se com o que querem PS e PSD dizer com as novas soluções de mobilidade.

Sem querer arriscar ser tradutor de considerações generalistas, existe aqui o reconhecimento implícito de que a mobilidade que se pretende é impossível de alcançar só com o recurso aos transportes públicos, que requerem investimentos astronómicos e levam muito tempo a implementar, existindo outras possibilidades que se podem explorar, possibilidades essas que só são possíveis por via da tecnologia, que agora começa a existir mas que antes não existia.

Em traços gerais, para além da necessidade de integração com o transporte público, os partidos falam em mobilidade partilhada e inteligente, de novos modelos de prestação de serviço de mobilidade, na necessidade de enquadramento regulatório e em novos canais de comunicação e pagamento.

Sem nunca o referirem, ambos os partidos estão a antever a existência de um novo tipo de mobilidade que ainda não existe (por isso carece de um novo quadro regulatório), mobilidade essa que deve ser partilhada e que é suportada por plataformas digitais que permitem por exemplo geolocalização e pagamento.

Essa nova forma de mobilidade consegue-se com Veículos Autónomos Partilhados, ou seja, veículos com níveis 4 ou 5 de autonomia, não necessitando por isso de condutor, a serem explorados de uma forma partilhada, socorrendo-se de plataformas digitais do tipo Uber ou Bolt.

Em 2017, a International Transportation Forum, que é uma organização da OCDE, elaborou um estudo tendo por base a cidade de Lisboa, onde testou o impacto da substituição dos automóveis precisamente por veículos autónomos partilhados, chegando a resultados surpreendentes: só seriam necessários 10% dos automóveis na altura existentes, todo o estacionamento à superfície seria eliminado e haveria uma redução em cerca de 1/3 das emissões poluentes.

Tal significa que os dois referidos partidos estão a perceber bem o que temos pela frente, o que é uma boa notícia. De facto, é preciso alterar o quadro regulatório, dotando-o da possibilidade de veículos autónomos poderem circular nas nossas ruas e estradas, e depois pensar nas várias pré-condições que têm de existir de modo a que veículos autónomos partilhados possam circular, já que para existir um serviço de carros autónomos partilhados têm de haver por exemplo seguros adaptados e locais para testes iniciais sem um fluxo de trânsito demasiado grande, já para não falar em empresas que se proponham explorar um tal serviço, conforme antevisto no programa do PSD.

Numa economia como a nossa, o Estado não é promotor, quem deve arriscar em operações comerciais são as empresas privadas, mas o Estado pode e deve ser um catalisador da mudança, e é isso que se pede para os novos programas eleitorais para as eleições de 10 de Março. Os benefícios em perspectiva são enormes, é uma disrupção pela positiva que vai beneficiar em muito as nossas áreas urbanas, mas para lá chegarmos são precisas boas intenções (programas eleitorais), e acima de tudo capacidade para implementar essas boas intenções.

Assim, no que a esta área diz respeito, é precisamente a capacidade de implementação das soluções que está em causa, repetindo nos programas de 2024 os princípios gerais de 2022, é essa perceção de capacidade de implementação que deve estar na base do sentido de voto.