A actividade mineira é um marco identitário de Portugal, facto que se poderá afirmar não ser óbvio para parte significativa da população, sobretudo a mais urbana e mais nova.
Cheia de simbolismos, é um submundo de heroísmo, coragem, valentia, trabalho árduo, honra e orgulho que marca o tom da consciência colectiva de comunidades existentes em torno de operações. Basta falar com mineiros ou mineiras no activo ao dia de hoje ou com antigos funcionários de minas já desactivadas para, aos poucos, perceber a noção de dignidade para que nos transportam.
Esta realidade nunca fez, até hoje, com que operações mineiras deixassem de contar com a contestação mais ou menos veemente, tanto pelos impactos causados durante a operação, como por encerramentos inadequados, irresponsáveis e desinformados. De resto, é relativamente recente a inclinação internacional – graças à tendência de investimento responsável a que os mercados vão dando resposta – de grandes empresas mineiras passarem a ter no topo das preocupações de gestão de risco a sua pegada ambiental e a sua performance social. De facto, tal como Carlos Drummond de Andrade nos deixou, ao longo de décadas, o grito recorrente sobre a sua Itabira e o esventrar do icónico pico do Cauê, há bem pouco tempo assistimos a desgraças como as de Mariana (2015), Brumadinho (2019) e ontem em Pedro Alexandre. Por cá, não faltam encerramentos pesados e lastro de passivos ambientais e sociais que nos deveriam envergonhar.
Há hoje, felizmente, um escrutínio, além do contexto regulatório, absolutamente implacável e bem menos silencioso que antes, que põe em cima da mesa o impacto ambiental, o carácter devorador de paisagens, de biodiversidade, de ecossistemas e de água, de silencio e de ar respirável, que os contextos mais ou menos remotos de uma mina já não aceitam – e bem.
Dito isto, importa referir que esta indústria é uma peça decisiva para a transição energética considerada urgente e que continuará a ser essencial para cumprir os modelos de desenvolvimento de que hoje não queremos prescindir, e que estabelecem os padrões de qualidade de vida a que nos habituámos. Do mesmo modo, como refere Mário Guedes no Público de 5 de Julho de 2019, são inquestionáveis os benefícios económicos da actividade mineira para as economias locais e nacional, existindo, em Portugal, exemplo de profícua e apaziguada coabitação de empresa, comunidade, associações de protecção da natureza, interesses do poder local e central.
Não tendo o Estado de ser um agente activo na preservação da reputação da indústria mineira, certo é que pode e deve ser cauteloso quando o assunto é a atribuição de direitos de exploração. Tal não deve ser um acaso ou um mero “cumprir de requisitos”, como recentemente se ouviu. Importa verificar que garantias dão os investidores sobre a performance ambiental e social de que serão capazes. Num contexto em que Portugal surge em relatórios internacionais como uma potência cimeira em termos de riqueza geológica, deverá ser estratégico não deixar que investidores responsáveis e com provas dadas no relacionamento com as comunidades das geografias onde operam, nos orçamentos que têm disponíveis para investir no bem-estar e capacitação das populações, procurando mitigar a dependência em relação a esta actividade económica, e na implementação de boas práticas ambientais durante e depois da vida útil da mina, optem por desistir de aqui investir.
Às empresas, nomeadamente multinacionais com responsabilidades perante accionistas e mercados cada vez mais rigorosos na avaliação de factores ESG (Environment, Social and Governance), cabe também uma parte fundamental: entender que é necessário investir no relacionamento de proximidade, na representação legitima da empresa no contexto local desde muito cedo, com todo o tipo de parceiro, com a aposta crucial na informação fidedigna da comunidade, no seu envolvimento no projecto e na negociação de compromissos para as diferentes fases da vida da mina. Na Irlanda, por exemplo, há casos de reabilitação da paisagem original, onde actualmente pastam animais e outrora estiveram depositados os chamados rejeitos.
A licença social para operar, um conceito que foi evoluindo desde que apareceu no seio da indústria mineira no fim da década de 1990, mas que genericamente se refere à aceitação da empresa por parte de empregados, comunidades envolventes e público em geral e à confiança gerada pela conduta responsável e sustentável da organização, não se obtém apenas por via das velhas “boutiques” de lobby que trabalham os gabinetes de Lisboa. É necessário chegar às pessoas directamente, de forma aberta e clara. Esta prática não é tradição em Portugal, mas é o que inúmeros agentes desta indústria estão a fazer em muitas partes do mundo, comprometidos que estão com desenvolver um negócio responsável, com o social cada vez mais a acompanhar as questões ambientais e sem ficar para trás, como há dias propôs Nuno Moreira da Cruz. São precisas pessoas? Sim, mas sem cair no erro de pôr consultores internacionais a mediar as relações com as comunidades no terreno.
António Matos é consultor na área de Responsabilidade Social