Em Setembro de 2022, um lobo matou o pónei de estimação da Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no estado federal alemão da Baixa Saxónia. Um tribunal local emitiu uma autorização de caça (temporária) após análises de ADN mostrarem que o mesmo animal havia morto outras doze ovelhas e vacas. A licença caducou antes que o lobo fosse capturado ou abatido, pelo que o animal continua vivo.

Os princípios de proteção das espécies com estatuto de conservação estritamente protegido não impedem a captura ou o abate de animais descritos como destemidos. O animal destemido é aquele que perdeu o temor, ou seja, que se aproxima das populações humanas e das explorações agrícolas, independentemente das medidas preventivas. Um lobo que tenha perdido o medo de atacar um rebanho ou uma manada protegidos é, efetivamente, um risco económico para os produtores da região.

Os ataques do lobo ao gado têm sido usados pela Comissão Europeia para justificar a proposta que apresentou recentemente ao Conselho Europeu, de requisitar à Convenção de Berna a redução do estatuto de conservação do lobo de “estritamente protegido” para simplesmente “protegido” (algo que Portugal aprovou para a UE, mesmo rejeitando reduzir a proteção do lobo ibérico). A sugestão da alteração é puramente política e vai explicitamente contra a opinião da maioria da comunidade científica, que marca veementemente que para não se inverterem os resultados positivos dos últimos anos, é necessário que continue a haver a proteção desta espécie. Será que Ursula von der Leyen sabe mais de ecologia e do estatuto de conservação da espécie do que as pessoas que a isso dedicam a vida?

Certa vez, a presidente da Comissão Europeia chegou a mencionar um “perigo” para os seres humanos, apesar de um relatório da própria Comissão, em 2023, reconhecer que o último ataque de um lobo a um ser humano ocorreu há mais de quarenta anos.

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Mas o que não nos conta von der Leyen sobre os número dos ataques dos lobos a gado na Europa? Parece não contar que, nos estados alemães onde as populações de lobos são maiores, os incidentes têm vindo a diminuir ao longo dos anos. Parece não contar que os números são muito mais baixos em locais onde as populações selvagens nunca desapareceram. Parece não contar que a burocracia, a eterna inimiga da União Europeia, dificulta o acesso a licenças que permitam remover animais destemidos e perigosos.

O que nos contam estas informações de que a Comissão não fala? Que a coexistência é possível, com programas preventivos e apoios acessíveis aos produtores. Que as comunidades aprendem a viver com o lobo, que os cães mastiff e o investimento em infraestrutura dão resultados.

Os números de ataques aumentaram? Pois claro que sim, sendo que muitas comunidades ainda estão a aprender a viver com o lobo, nem seria de esperar outra coisa! É agora que o apoio da UE aos seus programas de conservação ambiental e de proteção da pecuária extensiva, crucial para a gestão do património florestal, são cruciais! É agora que a União Europeia deve estar presente, estando ao lados dos produtores e das comunidades, dando-lhes as ferramentas para viverem em harmonia com o mundo selvagem e combatendo a burocracia que sufoca a sua ação em caso de necessidade e os seus acessos a apoios. A Comissão Europeia reconheceu (bem) que as comunidades precisam de maior flexibilidade para lidar com esta nova realidade, mas diminuir a proteção de uma espécie ecologicamente chave e que faz parte do património ecológico europeu, não é a solução!

A proteção dos predadores de topo é crucial do ponto de vista de manutenção da saúde dos ecossistemas, sendo indispensável na prevenção de doenças em ungulados selvagens (como veados ou cabras) que se podem transmitir ao gado domesticado. O seu abate não só traria consequências ecológicas como, alguns especialistas avisam, poderia vir a aumentar o número de ataques devido à dispersão das alcateias. É por isso que em assuntos de elevada tecnicidade, a tradição política europeia aconselha a que se ouçam os especialistas.

A União Europeia é um dos maiores blocos políticos e económicos do mundo. Se não conseguir resistir à pressão de lobbies e interesses particulares que vão contra a verdade e a ciência e são danosos a longo prazo, então quem conseguirá?