A próxima década é de mudança: a mudança de pessoas e ideias entre países que competem à velocidade estonteante da inovação.

Nos últimos dez anos temos observado uma redução de barreiras entre países. Há mudanças a nível da língua, com o inglês em destaque; da cultura, com a globalização de produtos, marcas e tendências; e da moeda, com o forte crescimento do dólar americano e o acesso a métodos de pagamento digitais.

Durante este período, assistimos à especialização de países ou estados que procuram oferecer condições diferenciadoras. A título de exemplo podemos olhar para a Suíça ou Dinamarca, que oferecem elevados níveis de segurança e qualidade de vida; para a Irlanda como centro de atração de empresas tecnológicas através de incentivos fiscais; ou para os próprios Estados Unidos, onde se destacam Nova Iorque, o centro financeiro mundial, e São Francisco, a meca das startups. Tudo indica que esta tendência venha a aumentar. Aliás, é de notar os crescimentos admiráveis do Dubai e do estado de Singapura que criam locais únicos praticamente do zero.

Desta forma, verificamos uma maior flexibilidade para viver em cada um deles com base naquilo que é mais importante para a nossa vida a cada momento. Para melhor entendemos este conceito, lanço uma analogia entre países e restaurantes, onde, cada vez mais, estes se focam em determinadas receitas, preço, e experiências. E isso faz com que acabemos por ter menos apego. Se queremos um determinado tipo de cozinha, escolhemos um restaurante e, dependendo da nossa experiência, deixamos gratificação para contribuir para o serviço. Não gostando, nunca mais voltamos.

Ao passo que antes nascíamos num determinado país e estávamos “presos” a esse território, moeda, língua e cultura, hoje em dia assistimos a uma desagregação destas variáveis e a uma maior liberdade de cada um de nós usufruir do que mais nos beneficia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No meio disto tudo, onde se encontra Portugal?

Os jovens sentem que as melhores oportunidades estão lá fora. Sonham em ir trabalhar para Nova Iorque ou Londres, onde as suas capacidades são mais valorizadas (ou remuneradas). E isto não é novo, já que Portugal é dos países com mais emigrantes, sendo mais de dois milhões a viver no estrangeiro.

A nível empresarial, os portugueses têm recebido alto mediatismo pela criação de diversos unicórnios, mas a realidade é que a maior parte destes está sediada no estrangeiro (onde lhes são oferecidas melhores condições do que no seu próprio país). Numa geração de inovação, o tempo médio de uma empresa no índice das maiores empresas Americanas, S&P500, continua a decrescer para algo entre os dez a quinze anos. No índice Português, PSI-20, mais de metade das empresas têm já mais de quarenta anos. Isto para não falar da diferença notória entre “500” americanas e “20” portuguesas, e que na realidade são apenas 16.

Mas afinal o que falta a Portugal? Não se trata certamente de um problema de rendimento mas antes de falta de aproveitamento. Portugal tem tudo o que precisa e uma oportunidade única para se destacar no mundo atual.

Se não, vejamos: os nossos profissionais são de extrema qualidade, reconhecidos internacionalmente pelas suas capacidades de aprendizagem e excelente execução; temos das melhores faculdades nas áreas de gestão e engenharia; criámos um ecossistema de crescimento de startups, com Lisboa em lugar de destaque no que toca à entrada de pessoas (muitas a trabalhar para empresas estrangeiras) e de onde podem sair os fundadores (Portugueses ou não) dos próximos grandes negócios; reforço os muitos unicórnios de “ADN Português”. E, claro, as inúmeras singularidades de clima, praias, gastronomia, segurança e a nossa facilidade de comunicação em inglês. É imperativo aproveitarmos todas estas oportunidades e para isso aponto três passos fundamentais.

  1. Em primeiro lugar, Portugal precisa de ter uma visão.

Onde queremos estar como país daqui a  dez anos? Como é que nos queremos posicionar, o que queremos oferecer aos que cá vivem e por que coisas queremos ser reconhecidos. Uma vez respondidas estas perguntamos, Portugal será capaz de desenhar um plano que estude a viabilidade de entregarmos o prometido, e que mostre as iniciativas a colocar em prática para realizarmos a nossa visão.

Esta visão e plano são da mais alta importância. As maiores potências mundiais e muitos dos países emergentes estão a jogar xadrez com uma visão a trinta anos ou até a séculos, de forma a atraírem os melhores profissionais e empresas. A questão neste momento para alguém em Portugal deixa de ser o partido político e passa a ser o que um governo poderá oferecer relativamente à Inglaterra, Alemanha ou aos Estados Unidos. Cada uma das decisões que tomamos, desde privatizações como a TAP, ao posicionamento e investimento de um novo aeroporto, deviam ser claras porque facilmente percebemos o seu contributo para a nossa visão de longo prazo. Só assim conseguiremos estar unidos como país e a caminhar numa única direção.

2. Em segundo lugar, devemos encorajar as nossas pessoas.

Devemos mostrar que a oportunidade é algo a perseguir, seja na procura de um novo emprego, na criação de uma ideia, ou até num pequeno investimento. Os psicólogos Kahneman e Tversky sugeriram que os efeitos psicológicos de uma perda são em média duas vezes maiores do que os dos ganhos. No entanto, poderia argumentar que comparando com outras mentalidades, o efeito de uma perda num português é de pelo menos cinco vezes mais.

É necessário desenvolver o conhecimento e a capacidade de investir, gerar valor e aumentar o capital de cada um — e do país como um todo. Defendo que é preciso falarmos dos nossos portugueses que “chegaram lá” e que muitos mais o podem conseguir. Que o “sonho americano” não está só lá fora mas que também pode ser construido aqui.

3. Condições para manter as nossas pessoas e negócios.

E finalmente, aquele que considero ser o terceiro e último passo fundamental para este caminho, passa por construirmos as condições para manter as nossas pessoas e negócios. É imperativo fazer com que seja extremamente rápido criar uma empresa em Portugal e facilitarmos as condições para o fazer. É essencial mantermos os nossos e, idealmente, atrair quem nos possa ajudar a construir o futuro da inovação, elevando Portugal a um patamar onde temos todas as condições para estar.

Simão Cruz é cofundador da Portugal Fintech,, tendo passado antes pelo Banco de Investimento Global. Em 2020 integrou a lista dos “30 under 30” (Europa) da revista Forbes, na área de Finanças. É fundador da Lightshift Capital e membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.