Partilho convosco uma reflexão que surge no que considero ser um espaço temporal crítico, onde proponho usarmos a “massa cinzenta” nos nossos cérebros para criar uma tese individual sobre quem somos, o que queremos e para onde vamos. Não pretendo de forma alguma restringir o público-alvo; esta é uma partilha simples, honesta e desprovida de qualquer conotação política ou restrição etária, claro que dentro da parcialidade inconsciente derivada do meu ser, mas coloco o véu de ignorância de Rawls ao descrever os meus pensamentos.
Este excerto é certamente para todos os portugueses, mas especialmente para a minha geração, os futuros líderes de amanhã.
Na sua obra The Epic of America, em 1931, James Trulow Adams descreve o sonho americano como um sonho em que os indivíduos “podem atingir o estatuto máximo de que são inerentemente capazes e ser reconhecidos pelos outros por aquilo que são, independentemente das circunstâncias fortuitas do seu nascimento ou posição”. Enfatizado ao longo dos anos e concebido como um modo de vida, acredita-se que esse sonho tenha começado com os Founding Fathers quando declararam independência de Inglaterra, baseados na crença que as pessoas possuíam inerentemente os direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade.
O direito a que os americanos se creem intitulados difere consideravelmente do que nós, portugueses, admitimos ter.
O nosso sonho é diferente; ao contrário de Trulow, também no século XIX, Rafael Bordalo Pinheiro criou o “Seu Zé Povinho”, um símbolo satírico do povo português, caracterizado pela tributação, carga fiscal e a espoliação pela classe política.
O que é que difere entre as duas perspetivas?
A convicção da nossa permissão à liberdade, a nossa esperança e a nossa vontade de lutar pelo sucesso em qualquer área a que nos proponhamos.
Pessoa disse que “o sonho comanda a vida”, por isso pergunto: O que é que tem comandado os portugueses?
Nascido no início do século XXI, o meu sonho, como o de qualquer outro rapaz da minha idade, desprovido de qualquer reflexão, girava em torno da carreira de astronauta, polícia, ou inspirado pelo maior fenómeno do nosso tempo, qualquer um sonhava ser Cristiano Ronaldo e enveredar por uma carreira desportiva. A consciência e a maturidade levam-nos muitas vezes a reposicionar os nossos objetivos, onde o fracasso dos dribles e dos remates com o pé direito nos levam a acreditar que talvez tenhamos de ser outra coisa. O quê? Não sabemos, ninguém sabe. Mas o sonho que definimos para nós próprios não é apenas influenciado pelo “bichinho” a que alguns chamam ambição, mas por uma conjetura de experiências, conselhos e exemplos que vivemos ao longo da vida.
Corrupção, impostos elevados, emigração, oposição ao progresso, mentalidade fechada, falta de ligação ao patriotismo, precariedade educativa, envelhecimento…
Mesmo tendo vivido sem entender, estas questões ditaram o que víamos para nós, o que víamos para o nosso futuro.
E assim se vai formando o nosso sonho, o sonho português e, transversalmente às classes sociais e às habilitações literárias, deixámos de acreditar, como os americanos, que a liberdade de ser próspero tinha lugar na nossa terra e assumimos que a concretização das nossas metas estava além.
Seja para atingir objetivos financeiros, seja para exploração cultural ou espiritual, seja por que motivo for, a realidade é que, em 2024, as Nações Unidas colocaram Portugal em 26.º lugar no ranking dos países com mais emigrantes; um em cada três jovens nascidos em Portugal vive fora do país e 70% dos estudantes da mais antiga universidade do país querem emigrar.
Os portugueses sempre foram cidadãos do mundo, ávidos de explorar, de se darem a conhecer e com uma capacidade ímpar de se adaptar a novas realidades, quer no século XIV com o início dos Descobrimentos, quer agora emigrando para um país estrangeiro.
O que me perturba é a distinção entre sonhar em partir com a confiança de que, como português, posso conquistar o mundo com a palma da minha mão, e se sou português, vivo num país com problemas na economia, na saúde, na educação, na habitação, e só a emigração me pode salvar.
Elias Canetti, no livro Massa e Poder, indica o dinheiro como o símbolo da América. Eu acredito que o símbolo de Portugal pode ser muito mais do que isso, pode ser aquilo que cada um de nós acredita sinceramente que nos pode aproximar do nosso compromisso com a nossa felicidade.
Trata-se de olhar para dentro e perguntar o que queremos para as nossas vidas? Será que somos felizes? Questionarmo-nos sem medo e ter a coragem de mudar se necessário.
A ambição deve ser a liberdade, a liberdade de sermos o que quisermos ser, no país que nos trouxe à vida. Num ano em que celebramos os 50 anos de abril, um marco histórico de vitória contra a ditadura, e onde o rumo da história nacional foi alterado para sempre, proponho que sejamos também capitães do nosso destino e que demonstremos aquilo que acreditamos ser o melhor para o nosso país. Todos, da esquerda à direita, que nos desloquemos às urnas para votar, só assim poderemos fazer a diferença!
Tal como disse um dos meus escritores favoritos de infância, Roald Dahl: “Algures dentro de cada um de nós está o poder de mudar o mundo.”
Por isso, pergunto, porque não começar por mudar Portugal?