Foi aprovada na Assembleia Municipal de Lisboa a proposta de Carlos Moedas para a implementação dos transportes sem custo para alguns utilizadores.

Todos os partidos votaram a favor excepto a Iniciativa Liberal que se absteve.

São várias razões que justificam esta abstenção.

Desde logo o facto de ser uma proposta socialmente injusta, por muito que pareça o contrário. A gratuidade é determinada em função da idade, abrangendo pessoas com mais de 65 anos e jovens até aos 18 anos, ou até aos 23 se forem estudantes. Requisito comum a todos: serem residentes no Concelho de Lisboa, o que faz sentido dado ser a autarquia de Lisboa a suportar este custo (sim há um custo, não são gratuitos).

Aqui surge o primeiro problema. A subsidiação por parte de entidades públicas deveria ter como princípio base a necessidade e não a idade. Esta proposta, pela forma como foi desenhada, abre a porta a situações tão caricatas quanto socialmente injustas.

Imaginemos 2 jovens de 22 anos e residentes em Lisboa. O jovem A estuda na Universidade e tem a sorte de ter uma vida folgada e sem dificuldades. Pois bem, ainda que não precise, o jovem A vai ter o seu passe navegante subsidiado pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), isto é pelos contribuintes.

Já o jovem B não teve essa sorte e nasceu no seio de uma família que vive com dificuldades, onde os rendimentos do agregado familiar dificilmente duram até ao fim do mês. Por essa razão, o jovem B não prosseguiu os seus estudos na universidade e arranjou um trabalho para ajudar a compôr o nível de vida da sua família. Não sendo estudante mas trabalhador, a este jovem a CML não “oferece” o passe.

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Mas no segmento das pessoas mais velhas, também se podem verificar situações profundamente injustas. A senhora C tem 67 anos e está reformada. Teve uma carreira de sucesso e consequentemente tem uma reforma muito acima da média. Ainda assim, a CML irá custear o seu passe mensal, não que ela precise, mas pelo facto de ter mais de 65 anos.

Já a senhora D tem 64 anos e ainda trabalha, ganhando um salário baixo, que até lhe dá direito a um desconto social no passe. Pois bem, com esta proposta, continuará a trabalhar, a pagar o seu passe e a fazer contas para ver como se vai governar com os parcos rendimentos que tem. Pelo simples facto de não ter 65 anos ou mais, a Câmara de Lisboa deixou-a de fora dos seus apoios.

Servem estes exemplos para demonstrar objectivamente, com situações concretas e bastante plausíveis, a injustiça de uma mera discriminação em função da idade que irá brevemente ser praticada em Lisboa.

Por outro lado, como compreender que uma proposta deste género deixe de fora desempregados, pessoas beneficiárias do Rendimento Social de Inserção ou pessoas com deficiência motora, física ou orgânica, de grau igual ou superior a 60%? Pior. A própria proposta prevê o eventual alargamento a estes grupos em função da execução financeira da medida e das disponibilidades do município. Isto é, primeiro apoiam-se todos, os que precisam e os que não precisam, em função da idade. Depois, se sobrar ou se houver dinheiro, apoiam-se determinados grupos mais vulneráveis e necessitados. Desculpem, mas isto não faz qualquer sentido.

Para além dos aspectos sociais, do ponto de vista da mobilidade, a medida desenhada pela CML peca por ter uma lógica errada. É hoje uma evidência para todos que as questões de mobilidade nas áreas metropolitanas tem forçosamente de ter subjacente uma lógica a essa escala e não uma lógica municipal, pois só assim produzirão efeitos e terão impacto. Foi assim com o Programa de Apoio à Redução Tarifária lançado em 2019, e terá de ser assim com outras medidas. É sabido que o grande problema do trânsito em Lisboa resulta dos 3 em cada 4 carros que vêm de fora do concelho e que circulam diariamente na cidade. Não deixa também de ser digno de nota que uma medida que, segundo a CML, custará 14,9 milhões de euros por ano não defina um único objectivo quantitativo quanto às suas metas em matéria de redução de carros ou de diminuição da poluição.

Por fim, no lote de razões que levaram o Grupo Municipal da Iniciativa Liberal a optar pela abstenção, encontra-se ainda uma falta de informação, de rigor e de transparência relativamente aos custos previstos com a proposta.

Estima a CML uma despesa anual de 14,9 milhões de euros para os anos de 2023 a 2025 sem dar no entanto qualquer justificação ou explicação de como apurou esse montante. Curiosamente, nos anexos da proposta remetida, na parte respeitante à “estimativa orçamental anual”, não há um único número, explanando-se apenas um conjunto de factores sem que nenhum esteja devidamente quantificado. Nem o custo por segmento (jovens ou mais de 65) é apresentado. Ou seja toda a lógica financeira de construção da proposta e de cálculo da estimativa do seu custo anual não foi disponibilizada a quem, por lei, tem a competência para aprovar essa despesa, os deputados municipais. E quando vários partidos, a começar pela Iniciativa Liberal, pediram acesso a esses dados e que lhes fosse feita uma apresentação dos pressupostos e das contas, os partidos que suportam a Câmara alegaram uma enorme urgência na aprovação desta medida, remetendo qualquer explicação para momento posterior. É a lógica do “aprovas primeiro e perguntas depois”, mais fazendo lembrar velhos do que novos tempos.

Perante todas estas questões, e não tendo sido possível a sua discussão e esclarecimento em sede de Assembleia Municipal, não podia a Iniciativa Liberal corresponder ao apelo do Presidente Carlos Moedas para que votasse favoravelmente esta proposta.

Apesar de haver países com políticas liberais a optar por este tipo de medidas, os respectivos modelos não conduzem a situações injustas como as que acontecerão em Lisboa. Apesar de poderem existir alguns aspectos e efeitos positivos resultantes desta medida, são várias as dúvidas que ainda subsistem e que nos levaram a optar pela abstenção.