O governo anunciou que a partir de 1 de agosto de 2023 entra em vigor o passe nacional ferroviário, contudo, analisando as condições do referido passe, creio que é mais correto designá-lo passe poucochinho ferroviário.
Na minha opinião, um verdadeiro passe nacional ferroviário é uma excelente medida, desde logo porque a sua existência significa um reforço da aposta no ferroviário e o incentivo à sua utilização em detrimento do transporte rodoviário, mas, também, porque seria um passe a abranger todo o território nacional, com um preço fixo mensal – onde os 49 euros anunciados me parecem um preço adequado – e viagens ilimitadas, conferindo, assim, um aumento de mobilidade da população.
A minha discórdia face ao passe anunciado pelo governo assenta nos serviços abrangidos pelo mesmo, uma vez que a ferrovia se encontra dividida em várias categorias de comboios e este passe vai abranger apenas os comboios regionais, excluindo todos os restantes, onde estão incluídos os comboios mais utilizados pelos portugueses, nomeadamente os comboios urbanos.
Consultando o mapa de serviço dos comboios regionais, disponibilizado pela Comboios de Portugal, percebemos rapidamente que este passe vai deixar excluído da sua rede de serviços, por exemplo, uma grande parte da região Norte, onde a rede regional está localizada apenas no litoral e ao longo do rio Douro, como, também, da região do Alentejo onde a rede apresenta uma oferta de destinos muito reduzida.
Neste sentido percecionamos a existência de um segundo problema que se baseia na falta de ligação da rede ferroviária nacional a determinadas áreas do país e, focando especificamente na região Norte, esse problema é evidente quando existe um diferendo público entre os autarcas e o governo, onde os autarcas pretendem a ferrovia de alta velocidade para aumentar a atratividade e dinamização económica dos seus municípios, contudo o governo deixou esse território na ignorância relativamente a este tema.
É, ainda, particularmente importante dar conta do resultado de algumas simulações de viagem com recurso apenas aos comboios regionais. Considerando, por exemplo, uma partida da estação de São Bento no Porto com destino a Aveiro, percebemos que, nos resultados obtidos, existe apenas uma referência ao serviço regional durante todo o dia, num horário tardio e com uma duração de viagem superior a duas horas.
Ainda assim, em sentido contrário, considerando sair de Aveiro em direção a Coimbra, encontramos finalmente uma viagem que pode ser feita com sucesso por via dos comboios regionais, verificando-se várias opções ao longo do dia.
Concluindo, um passe ferroviário nacional deve ser um passe com capacidade de estimular as diferentes regiões do país e permitir uma mobilidade da população entre elas, contudo o passe apresentado pelo governo é redutor na acessibilidade a determinadas regiões e limitador na mobilidade, pois possibilita aceder apenas aos serviços regionais.
Um passe apresentado desta forma acaba por ser um passe que não serve a população portuguesa, uma vez que a utilização pendular do ferroviário está dependente da sua acessibilidade, rapidez, preço e comodidade.
A minha sugestão para um bom serviço público passa pela existência do passe ferroviário nacional com um preço que pode ser igual ao anunciado, garantindo as viagens ilimitadas, contudo abrangente dos serviços regionais e urbanos, pois só assim podemos garantir que o ferroviário pode ser o transporte de referência nos movimentos pendulares da população, até porque normalmente verificamos que a rede ferroviária nacional já apresenta os serviços urbano e regional como serviços complementares, não fazendo, assim, sentido excluir qualquer um deles do passe nacional.
Ou seja, a excluir algum serviço deste passe nacional devem ser excluídos apenas os serviços de maior velocidade, garantindo a atratividade do passe pelo seu preço competitivo e pela sua maior abrangência de rede e oferta de composições.