A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2024 prevê o fim do regime fiscal dos Residentes Não Habituais (RNH) em sede de IRS, e a sua substituição por um regime ineficaz.

Criado em 2009, o regime do RNH aplica-se a todas as pessoas que, tornando-se fiscalmente residentes, não tenham sido residentes em Portugal nos cinco anos anteriores.  Ou seja, abrange tanto os portugueses emigrados no estrangeiro, como os estrangeiros.

A borla fiscal que muitos criticam é válida por 10 anos consecutivos, e assenta na concessão de benefícios fiscais que se dividem, entre os rendimentos de fonte portuguesa, tributados à taxa de 20% (mas apenas quanto aos rendimentos do trabalho dependente e independente), e os rendimentos de fonte estrangeira em que o “menu” vai desde uma isenção de IRS, até à aplicação de taxas reduzidas de 10% (pensões) ou de 20% (em certos casos de rendimentos do trabalho dependente). Ainda assim, são vários os rendimentos passivos que são sempre tributados às taxas gerais ou às taxas agravadas de 35%.

Além do mais, o regime de RNH não se aplica aos demais impostos como o IVA, IMT, IS, IMI, AIMI, IUC, Segurança Social, e demais taxas e taxinhas.

Assinalam, também, os críticos, a crescente despesa fiscal dos RNHs (EUR 1.360M em 2022).  Esquecendo que essa despesa é virtual, e que nunca se quantificou a receita fiscal e o contributo do regime para a economia.

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Estamos, por isso, a definir a política fiscal com base num “achómetro”.

São inúmeras as razões que justificam que se olhe para o regime de forma desapaixonada.

Desde logo, existem na Europa 28 regimes fiscais especiais mais ou menos semelhantes ao português. A maioria é operada por Estados-membros da União Europeia que concorrem com Portugal.  Espanha e a Itália “esfregam” as mãos de contentes com o anúncio do fim do regime português.

Por outro lado, e num exercício de merceeiro, estima-se que a receita fiscal anual dos RNH ronde os EUR 1.470 M.  Superior por isso à despesa virtual assinalada.

Abdicar de tamanha receita numa altura de enorme incerteza quanto à evolução da conjuntura económica mundial – agudizada pelo conflito israelo-palestiniano –, é no mínimo uma decisão temerária. E contrária à prudência orçamental que caracteriza o Orçamento de 2024. Alguém pagará a fatura.

Note-se que parte da referida receita é das Autarquias, o que afetará o desenvolvimento das políticas de Habitação. Não é a Habitação um dos objetivos prioritários?

Já que falamos da Habitação, é completamente falacioso afirmar que os RNHs contribuem para o problema. Ao longo de 14 anos do regime terão sido concretizadas por RNHs cerca de 40.000 operações de compra ou arrendamento de imóveis. Quando se vendem entre 180.000 a 200.000 imóveis por ano.

O fim abrupto do regime do RNH vai ainda agravar o arrefecimento da economia portuguesa, com implicações na captação do investimento, no consumo privado e por reflexo nos atuais níveis do emprego.

As palavras do ex-ministro das Finanças João Leão ao ECO são aqui certeiras: “Portugal teve um sucesso enorme na provisão de serviços na área da tecnologia, na área de serviços, de “backoffice” na área financeira e da contabilidade. Fornecemos para toda a Europa estes serviços, e são as empresas que vão buscar também parte dos seus profissionais ao estrangeiro.”.  É isto que vamos perder. Ou que pelo menos se tornará mais difícil de atrair e fixar ao país.  Por via do fim do RNH, Portugal arrisca acelerar a exportação do talento e do futuro das novas gerações.

Não pode, também, desvalorizar-se o desafio demográfico e a sustentabilidade do sistema social. Continuar a atrair profissionais qualificados, e as suas famílias, é crucial.

Além do mais os RNH, pela sua capacidade económica, não sobrecarregam o SNS.

Finalmente, é imprudente terminar de forma radical com o regime do RNH face aos atrasos na regularização da imigração.   São dezenas de milhar aqueles que desesperam pela emissão das autorizações de residência, sem as quais não podem registar-se como residentes fiscais e obter o estatuto de RNH.   O problema vai agravar-se com o desmantelamento do SEF.  É perfeitamente kafkiana a oportunidade que é dada na Proposta agora conhecida de permitir regularizar a situação fiscal, quando é consabido que essa regularização é impossível em tempo útil.

Fast forward: é perfeitamente legítimo rever os benefícios fiscais e atender ao sentimento de injustiça do regime do RNH.  Não pode é aceitar-se que a decisão de terminar com o regime do RNH, pela importância para o país, seja tomada abruptamente e sem a realização prévia de um estudo que permita entender os seus efeitos. É essa responsabilidade que se pede.