Especialistas vêm alertando para o aumento dos riscos psicossociais no contexto laboral. A pressão psicológica e o stress laboral atingem níveis “record” e o burnout, não sendo o único ponto importante, tem vindo a ganhar destaque nas preocupações dos gestores, dada a sua proliferação e intensidade. Um destes especialistas, Pedro Afonso, tem publicado diagnósticos e comentários que nos alertam para esta tendência. O desenvolvimento de doenças mentais graves, entre outras consequências, obriga a períodos prolongados de baixa médica ou mesmo à saída das pessoas do seu emprego, e a necessidade de substituições temporárias ou definitivas. Não só “o trabalho está a condicionar as pessoas de serem felizes, como está a colocar em risco a saúde mental”, e acrescem como consequências a diminuição da produtividade e da eficácia das organizações.

A unidade da pessoa humana implica que não se possa olhar para os vários âmbitos (apenas) com uma visão “compartimentalizada”, isto é, como se de compartimentos estanques se tratasse, e que é preciso atuar separadamente. Pelo contrário, é preciso olhar para a saúde mental de forma completa, integral.

Muitas vezes, as causas principais da falta de saúde mental não têm origem nas condições de trabalho, mas nos outros âmbitos do indivíduo e da sua vida: a dificuldade em conciliar trabalho, vida pessoal, vida familiar, vida social, saúde física, suas crenças e seus valores. Se, por um lado, a responsabilidade da organização pode ser limitada às condições de trabalho e às experiências que cada trabalhador tem no âmbito do seu trabalho, pelo outro, a responsabilidade moral (ou pelo menos a preocupação moral) dos líderes deverá ser bastante mais abrangente.

Existe, portanto, uma necessidade de desenvolver estratégias e atuar no sentido de conhecer, entender e procurar ajudar as pessoas e as suas necessidades de bem-estar global. E convém não confundir conceitos: bem-estar não é conforto. Por exemplo, as pessoas precisam de relações fortes (familiares, sociais e laborais) que lhes conferem ao trabalho um significado, uma razão de ser, apesar de muitas vezes acompanhado de contraditório sofrimento. As pessoas precisam de apoio consistente aos seus projetos (tanto profissionais, como de vida), e não tanto de sofás/puffs ou cestos de fruta no local de trabalho. A psicologia positiva tem a sua graça, e valor, mas já se sabe há muito tempo que não é de todo suficiente.

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Outra tendência no mundo das organizações é a escassez de recursos e de competências necessárias. Já acontece hoje, e deverá continuar, uma forte escassez em áreas e funções essenciais. A mão-de-obra deverá começar a faltar e os “cérebros-de-obra”, esses, já há muito que escasseiam. Observa-se em Portugal a continuação de saídas para trabalhar em outros países. Muitas empresas não estão a conseguir recrutar o número suficiente de pessoas com as competências necessárias para cumprir os seus objetivos básicos, o que condiciona as suas possibilidades de crescimento e de alcance inovador.

Aumenta, por isso, a necessidade de ter processos de recrutamento e seleção bem afinados, profissionais, competentes, que consigam ganhar batalhas na guerra pelo talento.

Do ponto de vista da liderança, implica também estar consciente de que nem sempre se vai obter as pessoas “ideais”, com o perfil exatamente ajustado às necessidades. É preciso uma dose de tolerância e flexibilidade para fazer o melhor possível com os recursos disponíveis.

Também ao nível da formação, tende a aumentar o número de empresas que recorre a formar as pessoas após a sua entrada, como forma de colmatar esta carência de competências no mercado de trabalho, mas também relacionado com a tendência seguinte.

Por último, a problemáticas dos entrantes no mercado de trabalho. Evidentemente, há muita variação neste ponto, de acordo com o setor e com a função específica, no entanto, de uma forma geral é comum a crítica de que o sistema educativo não está a melhorar no sentido de entregar ao mercado de trabalho pessoas cada vez mais completas.

Ainda que as especialidades técnicas possam até estar mais apuradas, o reverso da medalha é que, na generalidade, em inúmeros setores profissionais, as pessoas revelam menores níveis em competências básicas (por exemplo ao nível de capacidades de absorção de conhecimentos, de reflexão, de entendimento da realidade abrangente, de comunicação escrita e oral, de relacionamento pessoal).

Estas três questões mencionadas relacionam-se e colocam nas políticas de formação uma complexidade interessante. É necessário pensar na formação “integral” da pessoa, que vai muito para além de aspetos técnicos ou funcionais, e passando muito por aspetos comportamentais.

Além disso, nestas pessoas que entram no mercado de trabalho, um outro aspeto está a evidenciar-se: a falta de compromisso, ou seja, um menor valor atribuído pelas pessoas a terem uma ligação forte com a empresa (e com outras estruturas simultaneamente).

Juntamente com a tendência relacionada com competências essenciais (referido acima), as pessoas estão a atingir graus de maturidade cada vez mais tarde na sua vida, o que tem impacto no seu comportamento profissional. Por exemplo, parece haver uma nova ordem (ou desordem?) nas suas prioridades. Atuam com excessiva preocupação sobre certos assuntos menos importantes para as suas vidas e ignorância sobre outros muito mais impactantes. Não é desprezível relacionar este fator com os anteriores (saúde mental e sistema de educação).

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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