Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça considerou nula a sanção disciplinar de suspensão aplicada a um trabalhador de uma conhecida cadeia de supermercados portuguesa que, alegadamente, ter-se-ia apropriado de um saco de plástico da empresa, quando se preparava para sair do trabalho.

O saco de plástico teria, para a empresa, um custo de dois cêntimos. Após a realização do processo disciplinar, a empresa terá decidido pela aplicação de uma sanção disciplinar de suspensão por 15 dias, com perda de retribuição e antiguidade.

Tendo em conta que o trabalhador receberia o salário mínimo nacional à data da aplicação da sanção disciplinar, segundo foi noticiado, a perda de retribuição implicaria a perda de €367,50.

Não são relevantes para o presente os detalhes específicos deste caso, mas o facto de que este pode representar um ponto de partida para uma reflexão importante – devemos repensar a forma como as empresas portuguesas gerem os seus trabalhadores?

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Os processos disciplinares são frequentes em Portugal – tanto mais quanto maior for a dimensão da empresa – e fazem parte do dia-a-dia dos departamentos de recursos humanos das empresas e dos advogados que as assessoram.

Estes processos representam também o âmago do direito do trabalho – em que tentamos equilibrar regras processuais, documentação profusa e cadeias de decisão com pessoas que têm sentimentos, famílias e histórias.

Subtrair bens da empresa é – claro – uma infração disciplinar muito grave, qualquer que seja o valor do bem. Mas em qualquer processo disciplinar é decisivo que o empregador pondere o impacto da infração para a empresa e as consequências da infração disciplinar para aquele trabalhador em concreto. Uma suspensão que poderá ser irrelevante para um determinado trabalhador poderá implicar, para outro, consequências graves a nível financeiro e pessoal.

Esteve bem o Supremo Tribunal de Justiça quando decidiu que a sanção aplicada a este trabalhador tinha sido “desproporcional”. Com efeito, as empresas têm o direito de controlar a sua organização – mas não o podem fazer sem regras nem limites. Um desses limites é, precisamente, o de que a “sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator”.

O poder disciplinar é um mecanismo essencial para qualquer organização. Mas as empresas e, principalmente, as direções de recursos humanos, devem saber distinguir o que merece ou não ser punido.

Estamos na década da ESG (leia-se, Environment, Social & Governance). Por todo o mundo, as empresas demonstram uma preocupação cada vez maior com a sustentabilidade social da sua atividade, procurando gerir os seus trabalhadores de acordo com padrões éticos adequados à realidade atual.

Fruto da difusão das notícias online e das redes sociais, e após superarmos em conjunto uma pandemia, vivemos hoje numa sociedade mais atenta e observadora. A população e, consequentemente, os consumidores, viram o seu olhar não apenas para os produtos vendidos por determinada empresa, mas para o que esta representa e os valores que demonstra – incluindo na gestão dos seus trabalhadores. É imprescindível que as empresas mudem o foco da “gestão de recursos humanos” para a coordenação de pessoas, com a valorização e crescimento mútuos.

O tecido empresarial português deve refletir sobre o papel que quer ter na evolução da nossa sociedade. Só desta forma garantirá o contínuo aumento da eficiência e produtividade, garantindo a sustentabilidade e a prosperidade não apenas das organizações, mas das comunidades.

Podemos estudar em profundidade a legislação laboral, as decisões dos tribunais e as opiniões de autores, mas quando estamos a gerir pessoas, existem pelo menos dois parâmetros que devemos ter em conta, seja qual for o setor de atividade – sensibilidade e bom senso.