Volvidos cinco meses após o seu chumbo, o Orçamento do Estado 2022 regressa à Assembleia da República já sob alçada do novo Ministro das Finanças. Considerando a maioria absoluta do Partido Socialista, as novidades são poucas, incidindo pontualmente em adaptações devidas pelo efeito da guerra na Europa.

Uma das medidas que, do ponto de vista fiscal, mais tinta fez correr e foi presença assídua nas conferências e debates entre fiscalistas, foi a proposta de adição de um novo número 14 ao artigo 72.º do Código do IRS, estipulando o englobamento obrigatório do saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultantes das operações de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, detidos por um período inferior a 365 dias. Esta medida será aplicada aos contribuintes que auferiram, anualmente, um rendimento coletável igual ou superior ao do último escalão (rendimentos superiores a € 75.009,00).

Neste aspeto, a norma coloca em causa, num primeiro momento, a progressividade do IRS e consequentemente o princípio de proporcionalidade do imposto, previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP).

Assim, as razões que levaram, inicialmente, o legislador a prever na CRP a progressividade do imposto, são agora postas em causa com a “aparente progressividade” que se pretende introduzir na tributação das mais-valias incluída na proposta do OE para 2022.

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Mas, para além das questões constitucionais, sempre mais profundas, importa perceber qual o universo de contribuintes que poderá ser abrangido por esta medida. Por um lado, teremos aqueles que, sendo trabalhadores dependentes ou pensionistas, encontram nos investimentos financeiros uma forma de incrementar o seu rendimento anual. Por outro lado, encontramos os Residentes Não Habituais (RNH) e os contribuintes com um perfil puramente investidor, que utilizam os mercados financeiros estrangeiros como forma de manter os seus ativos rentáveis, obtendo, deste modo, uma parte significativa dos seus rendimentos anuais.

Neste âmbito, poderá a presente proposta ser um primeiro e efetivo ataque aos RNH, já que as mais valias, de produtos financeiros, são dos poucos rendimentos que estes contribuintes tributam às taxas de IRS nacionais, uma vez que a maioria dos Acordos para evitar a Dupla Tributação assinados por Portugal atraem para o país da residência a tributação.

Confrontados com uma potencial tributação acima de 50%, os RNH, cuja razão da fixação em Portugal, na sua maioria, teve por base um regime fiscal vantajoso que lhes era proporcionado, irão agora, seguramente, revisitar os pressupostos da sua mudança de residência fiscal. Assim, e tal como acontecerá com os residentes, cuja fonte de rendimento não esteja dependente da permanência em Portugal, teremos muitos RNH que muito brevemente irão repensar a sua permanência em Portugal, perdendo assim o país, toda a credibilidade, amplamente reconhecida, que este regime conseguiu ganhar, pela estabilidade que conseguiu oferecer.

No final, esta medida, tal como a maioria das que foram tomadas na última década, ao nível do IRS, terá como alvo os mesmos de sempre, ou seja, trabalhadores dependentes e pensionistas, pois todos os restantes terão, como sempre tiveram, a liberdade de poderem escolher a jurisdição que lhes ofereça uma fiscalidade estável e justa.

Não há dúvida que Portugal, com esta medida, passará para o exterior, a tão recorrente imagem de instabilidade fiscal, que até à data o regime tinha conseguido salvaguardar, correndo um sério risco de ver reduzida a competitividade deste regime.

Resta assim saber se esta proposta, com a introdução de um novo n.º 14 ao artigo 72.º do Código do IRS, empurra apenas os restantes números do artigo, ou se, também os RNH para fora de Portugal. Cabe ao Governo ponderar se vale a pena correr o risco.