O “sonho comanda a vida”, revelou-nos António Gedeão, na Pedra Filosofal, tão cantada por Manuel Freire. Infelizmente, Portugal perdeu os sonhos. O crescimento dos últimos vinte anos e as perspetivas do futuro deixam pouca margem para sonhar.

Portugal é crónico no desempenho menor, em comparação com os outros países da OCDE e da União Europeia. Temos divergido, não temos convergido. Os números dizem-nos que, nos últimos vinte anos, crescemos, em média, menos de 1%, abaixo dos 2% da média da OCDE e da UE.

Entretanto, envelhecemos. Em 2004, 17% da nossa população tinha mais de 65 anos. Hoje, são 24%. Adicionalmente, o nosso PIB per capita é 56% da média da OCDE e 65% da média da UE, com uma das maiores cargas fiscais do mundo (22% do PIB em comparação com 16% da OCDE).

Somos um país pobre, decorrente de baixos níveis de produtividade que se traduzem em salários medíocres. Temos feito um esforço para subir o salário mínimo, mas o nosso salário médio continua a ser de 1500 euros brutos por mês. Chegámos a um ponto em que formamos os nossos jovens mais qualificados para emigrarem rapidamente e quem fica, por regra, tem poucas perspetivas de crescimento pessoal e profissional.

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Devemos reagir a esta situação, procurar um destino com ambição. Devemos querer poder sonhar com um 2034 marcado pelo crescimento e pelo desenvolvimento. E, para isso, partilho quatro ideias fundamentais.

  1. Precisamos de uma reforma da administração pública.

Temos um Estado demasiado grande e ineficiente em comparação com os nossos congéneres da OCDE. Pior, ineficaz. Em que os cuidados de saúde não chegam a todos de forma adequada, em que a justiça é demasiado lenta e, por isso, cada vez mais descredibilizada. Com uma descoordenação relevante entre poderes central e local em que, talvez, o resultado mais evidente seja a enorme falta de oferta na habitação. Tudo isto com a dívida pública a precisar de uma gestão muito atenta dados os níveis absolutos elevados que ainda tem (100% do PIB) e num contexto em que dois orçamentos terão inevitavelmente de ser reforçados: (i) o da defesa, dado o insustentável subinvestimento da União Europeia e dos países europeus da Nato perante o atual panorama geopolítico e; (ii) o do apoio/integração de migrantes visto que a Europa (e Portugal, claro) não vão poder “parar o vento com as mãos” de todos aqueles que nos procuram para fugirem de condições de vida sub-humanas e de atrocidades que não conhecemos. Sem a reforma da administração pública, não vamos conseguir endereçar os desafios que temos pela frente, em que o papel do Estado será fundamental e em que a complexidade só tenderá a aumentar para quem desempenha cargos de responsabilidade pública. E sem essa reforma, não vamos certamente conseguir concretizar o que identifico nas linhas seguintes.

2. Precisamos de incentivo à atividade empreendedora.

A geração de riqueza tem na sua base a tomada de risco do empreendedor, do inovador, do gestor, que procura e concretiza oportunidades de criação de valor. Podemos discutir até à exaustão a distribuição da riqueza, mas essa discussão é completamente irrelevante se não criarmos riqueza. Para tal, as empresas são sempre a peça central em todas as economias com elevados níveis de desenvolvimento e de crescimento. Entre outras medidas, é fundamental a diminuição de custos de contexto (vide primeiro bloco da reforma da administração pública); a redução da carga fiscal (e a não punição do processo de crescimento das empresas); e políticas de promoção à internacionalização (fundamentais num mercado pequeno como o nosso). Tudo isto enquadrado por um Estado forte, regulador eficaz, que assegure o bom funcionamento das instituições e crie as condições de base (através de financiamento público, privado ou misto) que permitam a existência de infraestruturas e recursos potenciadores desta criação de riqueza. Nessas infraestruturas e recursos saliento a importância de darmos prioridade à gestão estratégica da água pois será um bloqueador do nosso crescimento se não atuarmos desde já.

3. Precisamos de preparar o país para o envelhecimento e criar incentivos à renovação demográfica.

Este assunto é tão crítico para a nossa agenda de crescimento que merece ser tratado individualmente. Economia é demografia produtiva, sem esquecer os óbvios deveres de solidariedade geracional para com os nossos ascendentes e a ativação de mecanismos de apoio social através do Estado para assegurar bons níveis de inclusão social. É urgente inverter a tendência de envelhecimento da nossa pirâmide etária, com maiores benefícios laborais, habitacionais, educacionais e fiscais para casais que tenham mais filhos. Mas não chega. Os fluxos migratórios em direção à Europa não vão parar e devemos aproveitá-los. Com critério, assegurando boas condições de acolhimento e de integração, Portugal tem muito a ganhar com a chegada de imigrantes, tipicamente mais jovens. Cabe-nos também garantir uma transformação gradual da estrutura produtiva, para que esta incorporação demográfica seja para emprego numa economia mais intensiva na produção de bens transacionáveis e menos dominante na prestação de serviços de baixo valor acrescentado.

4. Finalmente, precisamos de renovar o ensino público, do pré-escolar até ao 12º ano.

No século XXI, o bom desempenho de uma equipa, de uma organização, de um país, tem sempre na base boas pessoas com bons índices de educação, dominando a língua materna, a língua inglesa e as disciplinas de âmbito STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics). É verdade que formamos excelentes jovens todos os anos. Temos universidades muito boas que nos orgulham a nível internacional. Mas estamos a falar de uma franja pequena, de uma “elite” com oportunidades, que consegue estudar nas poucas escolas públicas em que as greves constantes ou falta de professores não são a norma ou que têm condições económicas para estudarem em escolas privadas. Muitas vezes, para fugirem ao ensino público, com bastantes sacrifícios dos pais e, não poucas vezes, com comparticipações financeiras dos avós para que estas oportunidades se mantenham vivas. Mas há muitas crianças e muitos jovens esquecidos, sem oportunidades, sem verem o elevador social a funcionar. Sem sonhos e sem ambição. Entretidos com a gratificação instantânea das redes sociais em vez de livros ou conversas incentivadoras. Com baixo espírito crítico, condenados a uma mediocridade com impacto direto e duradouro na fraca produtividade e no reduzido crescimento da nossa economia. É assim prioritário um novo sistema de ensino público, com uma forte combinação académica, artística e desportiva, desde o início da manhã até ao meio da tarde. Que mantenha a atual vertente académica e a técnico-profissional, mas reforçando a valorização desta última opção, hoje tão desacreditada. Que recompense dignamente o trabalho dos professores, pilares fundamentais do funcionamento de um país. Sem atuarmos profundamente na generalidade da nossa educação, recuperando estes milhares de crianças e de jovens cronicamente esquecidos, podemos pensar em todas as medidas para o futuro do país, mas não vamos concretizar nenhuma.

Construir o sonho implica escolhas e opções políticas que exigem uma base social de apoio alargada. Para identificar o bem comum, baseado em valores partilhados e resistir às tentações dos vários populismos. Precisamos de uma estratégia que transcenda ciclos eleitorais. É muito difícil, bem sei. Mas tenho essa esperança.

Porque tudo isto vai demorar. Dez anos é pouco tempo para concretizar estas mudanças. Outros países, como a Irlanda, demoraram vinte a trinta anos a corrigir o caminho. Mas dez anos de bom trabalho, consistente e consequente, podem criar bases sólidas para recuperarmos a ambição de crescimento e a capacidade de sonhar. Para, então sim, se cumprir a canção.

Eduardo Ramos é CEO da Via Verde e membro do Conselho de Administração da Brisa. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.