As últimas décadas mudaram o mundo. A transformação digital e de analíticas trouxe um salto enorme de produtividade, permitindo fazer muito mais com os mesmos recursos. Nos Estados Unidos, o setor tecnológico representa quase 10% do PIB.

Em Portugal, essa transformação é visível em várias áreas. Startups como a Sword, que democratizou o acesso ao tratamento da dor através de saúde digital, ou como a Talkdesk, que usa inteligência artificial para simplificar call centers. Importação de modelos inovadores de ensino, como a Escola 42 e agora a Tumo, que dão autonomia aos alunos e estimulam a descoberta individual, libertando os professores para tarefas de maior valor didático. O Estado ficou para trás.

O SNS, depois de quinze anos de subinvestimento crónico, usa processos e ferramentas digitais obsoletos que lançam confusão nos serviços clínicos e deixam os profissionais frustrados. As ferramentas digitais, como o SClínico, são criadas de raiz, sem qualidade, pela Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, que tenta insensatamente ser uma software house.

A educação pública continua a usar métodos de ensino semelhantes aos de há cinquenta anos, subaproveitando o potencial demonstrado do uso de tecnologia na educação. O ensino superior tem ainda poucas parcerias de fundo com o mundo empresarial, treinando os alunos em bolhas académicas que não terminam de os preparar para o mercado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os investimentos em inovação e tecnologia fazem toda a diferença. Em saúde, o redesenho digital de processos liberta cerca de 30% da capacidade dos profissionais, que pode ser usada para dar resposta à procura crescente da população. No ensino, as novas ferramentas ajudam a melhorar os resultados dos alunos, que têm vindo a cair. Mas as reformas não saem do papel.

No dia 15 de novembro de 2023 o Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, falou na Convenção Nacional da Saúde dizendo ter uma “visão clara” para o Registo de Saúde Eletrónico. Esse mesmo RSE que surge destacado no Orçamento de Estado de 2024 e é uma excelente ideia.

Mas já surgia no Orçamento de Estado de 2023. E no de 2022. E 2021. Até no Orçamento de Estado de 2017: “Aposta no desenvolvimento de sistemas de informação tendo em vista a melhoria do desempenho, a eficiência, a eficácia e a sustentabilidade do SNS, entre os quais se destaca o desenvolvimento do Registo de Saúde Eletrónico (RSE).

A inovação faz-se com três ingredientes fundamentais.

  1.  Investimento. Neste momento temos, no PRR e na folga orçamental, uma oportunidade única para renovar e inovar na prestação de serviços essenciais. No exemplo da saúde, entre o investimento em OE e em PRR temos mais de dois mil milhões de euros disponíveis. Desperdiçar estes recursos é uma ofensa inaceitável às gerações mais novas.
  2. Know-how. A ideologia de quebra radical entre o setor público e o privado causa uma barreira à inovação na prestação de serviços públicos. O Estado tem de ter a humildade de pedir apoio a profissionais experientes que fazem grandes transformações tecnológicas no mundo fora e conseguem concretizar a mudança necessária em Portugal.
  3. Liderança. A designação de membros partidários para lugares de topo na gestão pública traz pessoas sub-qualificadas para posições de enorme responsabilidade. Temos de eliminar a mão política destas designações, pedindo transparência sobre a seleção de líderes.

Com uma dose de competência e capacidade de implementação, Portugal tem todas as condições para ambicionar um serviço público de referência, que ajude os portugueses a melhorar a sua qualidade de vida. Se já temos a “cura”, do que estamos à espera?