Num momento em que se completa o primeiro ano de vida daquela que representa uma das mais densas reformas legislativas em matéria laboral, é tempo de despertar o novo Executivo para algumas das fragilidades que carrega a pasta do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

A conhecida “Agenda do Trabalho Digno”, traçada por vincados propósitos de combate à precariedade e melhoria das condições dos trabalhadores, representa, indiscutivelmente, um assinalável progresso em determinadas matérias da nossa legislação laboral. No entanto, não podemos ignorar que expetativas existem que saíram goradas deste longo processo legislativo. Estamos, parece-nos, perante uma Agenda que, apesar de corpulenta (incorporando mais de 150 alterações), falhou no cumprimento de alguns propósitos elementares.

Perdeu-se, até então, a oportunidade para rever alguns institutos que não têm qualquer expressão prática no nosso ordenamento jurídico ou que há muito requerem atenção do nosso legislador. Permanecendo, outrossim, por explorar um conjunto de temas que, consabidamente, têm vindo a preocupar a nova geração de trabalhadores.

Pensamos em matérias como a regulamentação do procedimento disciplinar (melhor dizendo, a – incompreensível – falta dela) ou o despedimento por inadaptação (figura que, pela forma obscura como está definida e estruturada, permanece, desde o seu nascimento, em estado vegetativo no ordenamento jurídico laboral português).

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Reconhecendo-se aquelas que são, hoje, as prioridades das novas gerações, oportuno seria também repensar regimes como o banco de horas, fazendo-se, quiçá, ressuscitar nas mãos do empregador e do trabalhador a desejável possibilidade de, individualmente, acordarem na flexibilização da organização da prestação de trabalho.

Numa outra perspetiva, e apesar de, uma vez mais, reconhecermos a virtualidade de muitas das alterações recentemente introduzidas, não se ignora que, na prática, algumas delas, além de serem aptas a fomentar o conflito judicial, representam um desproporcional atropelo aos ditames constitucionais.

Referimo-nos, por exemplo, a medidas como a proibição da remissão abdicativa de créditos laborais, que, colocando o empregador numa injustificada e perpetuada posição de incerteza, mais não tem representado do que um autêntico trampolim para os litígios judiciais. Assim como a proibição do recurso ao outsourcing na sequência de um despedimento coletivo ou por extinção de posto de trabalho, que, a par dos demais problemas que suscita, materializa uma desproporcionada restrição à liberdade de gestão empresarial (conforme, aliás, se espera que venha a reconhecer o Tribunal Constitucional).

Numa sinóptica e muito incompleta análise do atual estado de coisas, parece-nos certa a seguinte conclusão: era já tempo de perceber que a precariedade se combate na esfera da economia, e não através da legislação laboral. A história já nos demonstrou, aliás, que legislações designadas “protecionistas” não conseguiram contrariar elevadas taxas de desemprego e fenómenos de precariedade.

A legislação laboral deve, sim, servir como instrumento de equilíbrio, potenciador de paz social. Mas acreditar que podemos fazer dela um instrumento de combate ou de implementação de uma linha ideológica é um erro que a realidade prontamente se ocupa de clarificar.

Por tudo isto, e mais, convida-se a Sra. Ministra do Trabalho – sobre quem, em virtude dos reconhecidos predicados técnicos e pessoais, deposito muita esperança – a refletir sobre a trajetória que agora lhe caberá percorrer. Sendo que certo que, no caminho para a evolução, mais importante que testar velocidades será definir direções.