A Turma 7 era muito diversa e desafiante. A maioria dos alunos eram jovens institucionalizados, que não deixavam nada por dizer: “Que seca, vamos ter aulas! Queria estar de férias!”, “eu não quero estar aqui”, “eu não vou falar inglês”. O nosso entusiasmo era o oposto do enfado com que aqueles alunos e alunas chegavam numa segunda-feira de manhã.

Na Academia Teach For Portugal, a formação inicial teórica e prática que prepara os Mentores para o trabalho na escola que iniciam agora em Setembro, um conjunto de crianças e jovens juntou-se a estes para experimentar, falhar, crescer e, sobretudo, acreditar que é possível concretizar sonhos. Esta é a história da Turma 7, os jovens que em 3 semanas conseguiram superar-se. Para os futuros Mentores Teach For Portugal, após duas semanas muito intensas de formação teórica, a refletirmos sobre a nossa identidade e background, desigualdade educativa em Portugal, a aprendermos estratégias pedagógicas e compreender o co-teaching, chegava o momento de passar à prática, dando aulas de verão a alunos. É segunda-feira e um nervosismo entusiasmado misturava-se com um pânico controlado nos Mentores.

Eram altas as expectativas para os alunos da turma do secundário. A primeira aula foi um grande desafio. A princípio havia calma misturada com uma inquietação silenciosa. Cada um deu-se a conhecer de uma forma simples e informal, mas rapidamente percebemos que os alunos não sentiam o entusiasmo, motivação ou curiosidade pela Academia que julgávamos. A partir desse momento, o objetivo tornou-se bem claro: criar momentos de confiança, aprendizagem e diversão com eles.

Durante toda a manhã, dávamos voz aos alunos para serem eles a ajudarem-nos a conduzir aquelas três semanas. Com isso em mente, nós – Mentores – discutíamos ao almoço, ao jantar, ou na pausa para um café, os objetivos comuns e como promover algumas competências do PASEO (Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória) como o bem-estar, o pensamento criativo e crítico, a colaboração, a agência e a comunicação, de maneiras criativas.

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Todos os alunos desta turma eram conscientes dos seus destinos: uns queriam ser cozinheiros, outros mecânicos ou trabalhadores da construção civil. Poucos almejavam o ensino superior. Ainda menos os que nos diziam que gostavam de estudar. Tudo era – até determinado momento – um martírio por não perceberem porque estavam ali e qual a importância daqueles momentos. Foi a meio desta jornada alucinante, que as mentoras de Matemática sugeriram dar todas as condições para que uma ideia dos próprios alunos pudesse ser concretizada: um festival de talentos organizado pela turma para o último dia. A partir daí, os objetivos tornaram-se ainda mais claros e todas as aulas confluíam para o mesmo. O foco era trabalhar as competências necessárias para realizarem com sucesso o festival de talentos.

Construiu-se um sentimento de pertença muito forte a partir do momento em que os alunos compreenderam que tudo o que trabalhavam tinha um objetivo real. A motivação emergiu como uma chama ao sabor do vento. O cansaço dava lugar ao entusiasmo: finalmente eles queriam estar ali.

Era muito claro: estavam a preparar-se para organizar um festival de talentos para todos os 135 alunos da Academia e, para isso, precisavam de perceber como podiam fazê-lo. O tempo passou a correr. O culminar do trabalho feito durante as três semanas chegou logo. O Festival Tropical, um festival de talentos organizado totalmente pelos alunos e alunas da Turma 7, ganha nova dimensão.

Foi como um incêndio. O corpo é invadido pela emoção de ver um conjunto de jovens, outrora entediados e com anticorpos àquela Academia e à Escola no geral, a sentirem a responsabilidade de preparar um momento único de partilha com toda a comunidade. Com crachás a dizer staff ao peito, experimentaram o sucesso através da responsabilização: uns cozinheiros, outros apresentadores, outros dj’s, outros artistas: todos tinham lugar no palco criado por eles.

  • A importância de errar e experimentar fez ainda mais sentido quando foi necessário adaptar, à última da hora, o “guião da festa”;
  • as entrevistas que foram realizadas em sala de aula, foram mesmo “publicadas” num jornal sobre a importância de concretizar os sonhos;
  • aqueles dias a construir cartazes, flyers e outros elementos de marketing em Inglês fizeram mesmo parte da comunicação do evento;
  • aquele bolo decidido em conjunto (limão com calda de açúcar) e convertido nas unidades de medida desejadas, na aula de matemática, foi mesmo feito na cozinha da escola e partilhado com toda a comunidade;
  • a escola pode mesmo ser um espaço seguro onde é possível ser vulnerável perante um conjunto de pessoas e mostrarmos os nossos talentos escondidos.

No final do festival, quem olhasse para a plateia via um quadro digno de expor num museu: um incêndio de lágrimas de orgulho e já saudade, sorrisos de felicidade, abraços cheios de empatia. Se é certo que no início, no Termómetro da Matemática, estavam gelados, no fim de três semanas já sentiam que, afinal, os números não são um bicho de sete cabeças. Em cima do palco, a Turma 7 aos pulos de alegria e comunhão, não estava certamente igual. Mostravam-nos que estavam a permitir-se sonhar, a compreender a importância da Escola e da comunidade, e – sobretudo – com a capacidade de acreditarem neles próprios.

Fica a certeza que é possível uma escola inclusiva, em que toda a comunidade escolar tem voz, onde os alunos têm responsabilidade de falar, ser ouvidos e trabalhar por uma sociedade mais diversa e justa. Agora que iniciamos mais um ano letivo, e os jornais e a televisão apresentam os problemas que o sistema educativo enfrenta, importa também vermos as possibilidades que temos à nossa frente com os meios de que dispomos.

As mochilas estão preparadas: algumas pesadas, outras mais leves, outras em descoberta constante. Se é possível, em três semanas, dar a 15 rapazes e raparigas um destino diferente daquilo que eles tinham julgado possível para eles próprios, entramos na Escola convictos de que o ano letivo que se avizinha será certamente transformador para muitas crianças e jovens, de norte a sul do país.

E, no futuro, vamos conseguir que o contexto de uma criança ou jovem não limite, à partida, o seu sucesso académico e profissional.

Mentor Teach for Portugal

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.