O Dia Mundial do Cérebro celebrou-se este mês! Tantos dias mundiais que é difícil lembrarmo-nos de todos eles, entendo.
Mas o meu papel hoje é tentar desafiar-vos a parar cinco minutos para lerem este texto e ajudarem-me numa tarefa – varrer a má fama da Doença Mental. Será uma espécie de triunfo se conseguir que vão além destas primeiras palavras.
A Doença Mental é uma doença do cérebro no papel e nos nossos livros (os de Medicina, digo) mas é uma doença da alma e do espírito nas conversas de café. E o que é do espírito depende da nossa motivação e da nossa vontade.
Precisamos de falar sobre Doença Mental. Precisamos de falar sobre antidepressivos. Precisamos, ainda precisamos. Precisamos, precisamos de novo.
O doente? Tem falta de fibra, não se esforça o suficiente para ultrapassar um mau momento. Já tive imensos problema na vida e ultrapassei-os a todos, ouve-se dizer alto. Custou, mas ultrapassei. Quem se vai abaixo é só quem pode, asseguram-nos. Eu não tenho tempo para isso, tenho muita coisa para fazer. Preguiçosos, irresponsáveis, de fraco carácter. Não são confiáveis.
O Psiquiatra? É um velho. Estranho, bizarro, tem barba, cabelo demasiado comprido e despenteado. Faz e diz não se sabe bem o quê. Os próprios colegas (médicos) desconfiam dele. Os psicólogos (o seu braço direito), por vezes, também. Receita muitos medicamentos, sempre. É tão ou mais maluco que o doente.
Os medicamentos? Uma vez que tomas, ficas agarrado para sempre. Tem cuidado. As pessoas que tomam medicamentos para a cabeça deixam de funcionar, não conseguem trabalhar. Mudam a pessoa. São medicamentos que engordam e deixam qualquer um a dormir o dia todo. Toda a gente sabe.
O medo da Psiquiatria persiste. O estigma espreita em cada esquina, em bate-bocas e rixas banais à mesa da sala de jantar.
Dizemo-nos modernos. Depois do COVID, fala-se mais disso. O mundo está diferente. É uma nova era. A doença mental existe e deve ser tratada. Todos concordamos. As empresas reconhecem a importância de cuidar da saúde mental dos colaboradores; queremos ajudar a amiga que passou a ter ataques de pânico depois da pandemia; reconhecemos que a nossa mãe, que diz que a vida já não lhe interessa e perdeu muito peso, talvez precise de ajuda.
Mas contra factos não há argumentos. Apenas 7 em cada 10 portugueses tomavam um antidepressivo se este lhes fosse prescrito e tanto quanto 7 em cada 10 portugueses associa a sonolência e a dependência como os efeitos secundários mais comuns dos antidepressivos. Os antidepressivos ainda têm rótulos errados.
Então, hoje venho contar-vos o meu lado.
A Doença? A Doença Mental existe, é comum, está perto de nós. Tudo o que acontece no nosso corpo é administrado por um centro de comando: o nosso cérebro. Os neurotransmissores são os mensageiros do nosso cérebro, passando a informação de neurónio em neurónio ao nível das sinapses (as junções críticas, onde a informação se pode “perder”). Assim, entende-se facilmente que um desequilíbrio nos níveis dos neurotransmissores, os responsáveis por esta façanha, vá provocar erros nas mensagens que são formadas e provocar sintomas. A Doença Mental é uma doença do cérebro. E tem tratamento
O doente? Pode ser a nossa melhor amiga, a nossa mãe, o colega com quem almoçamos no trabalho. Podemos ser nós. Tudo começa com indícios subtis. Uma perda de interesse, uma desmotivação, perdas de memória difíceis de explicar, tremores e dor no peito que surgem em alturas inusitadas, uma insónia que dura há vários dias. É mais difícil estar no trabalho ou estudar. A doença mental aparece sobre as mais variadas formas – estas e outras.
O Psiquiatra? Não é um ser assim tão bizarro (espero eu). O Psiquiatra é um médico. Não usa uma bola de cristal, usa livros, muitos livros. Precisa de colher uma história clínica detalhada como qualquer outro médico. Não usa o estetoscópio, mas faz um exame do estado mental por meio da observação cuidadosa de vários aspectos durante a consulta. E às vezes precisa de pedir exames para tirar dúvidas. Não medica sempre, medica às vezes. Qualquer tratamento é sempre discutido com o doente. Trabalha em conjunto com o Psicólogo.
E os medicamentos? Os antidepressivos não dão dependência (não têm essa capacidade). A maioria dos antidepressivos que prescrevemos, hoje em dia, são ativadores pelo que a sonolência não é de todo um efeito secundário comum. Muitas pessoas entram no consultório e pedem “Não quero ficar zombie, quero conseguir funcionar”. Costumo dizer que se fosse medicar alguém para ficar pior estaria a trabalhar muito mal.
O cérebro é o órgão mais complexo do corpo humano. Ele é responsável por controlar todos os nossos pensamentos, emoções, movimentos e sensações. Sem o cérebro não temos memória sobre as palavras que acabamos de ler ou sobre quem somos.
Este dia Dia Mundial do Cérebro tem como objectivo sublinhar a importância do cérebro e promover o nosso alerta para as doenças do cérebro. Não queremos que a Doença Mental fique arrumada numa prateleira por pertencer a outro domínio – qual? Ainda não sabemos bem.
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
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