Um casal apaixonado. Um beijo nos lábios. Uma atitude natural. Certo? Errado, dizem três antropólogos: segundo o estudo que publicaram na revista American Anthropologist, beijar os lábios da pessoa amada não é um comportamento universal nem sequer intrínseco ao comportamento humano.

Verdade que é mais comum nas sociedades mais complexas e industrializadas, mas é uma demonstração de amor presente em apenas 46% das 168 culturas estudadas em todos os continentes. Essa história de colocar duas bocas em contacto por amor é mais comum no Médio Oriente, na Ásia e na Europa, mas nem tanto na América central e do sul.

Então de onde vem esse hábito que alguns povos desenvolveram para demonstrar carinho por terceiros? Em 1872, Darwin deu uma explicação: disse o evolucionasta que no início das civilizações, ninguém beijava os lábios dos outros. Para expressar amor, friccionavam-se partes do corpo, como braços, peito, barriga, mãos ou o rosto. Mas nunca os lábios. Só que, a certa altura, esses comportamentos evoluíram e toda a gente abandonou o beijo esquimó para se entregar ao beijo na boca.

Para alguns cientistas e psicólogos, beijar na boca é uma forma mais eficaz de testar a compatibilidade entre dois seres que se podem cruzar para reprodução. Por outras palavras, beijar alguém nos lábios ajuda a entender se aquela é a pessoa certa para ser o pai ou mãe dos seus filhos. De alguma forma, um beijo dá pistas sobre a compatibilidade genética com terceiros e evita erros de percurso.

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Mas para outros homens da ciência, os beijos na boca não fazem parte da equação da evolução humana: são apenas um comportamento previsto pela cultura em que as pessoas se inserem. As crianças veem os adultos a beijar-se na boca, percebem que é algo normal e hão de repeti-lo em circunstâncias semelhantes. E não têm sequer relação com a qualidade na reprodução: o antropólogo Donald Marshall falou de uma povoação do Pacífico onde os homens têm em média 21 orgasmos por semana e não dão um único beijo.

De resto, os beijos na boca não são usados em mais metade das culturas mundiais. Mas se expandirmos a definição de “beijo”, a história é diferente. Ao Guardian, a antropóloga Helen Fischer afirma que “em todo o lado se podem ver pessoas que beliscam, mordem, sugam, sopram e esfregam a pessoa amada para demonstrar sentimentos”. Lábios, isso é que não.

A origem do beijo na boca como o ocidente o conhece ainda não foi descoberta, mas os primeiros relatos são da Índia: no Sânscrito – alguns dos documentos mais antigos do hinduísmo – podem ler-se casos de pessoas que “bebiam a mistura dos lábios”.

De qualquer modo, o ato de beijar – mesmo que sem tensão sexual – não é algo estranho na natureza, realça o site Anthropology: os pássaros beijam-se para transferir comida de um bico para o outro, os chimpanzés beijam-se para acabar com uma discussão e muitos animais beijam as crias para demonstrar carinho. Apesar de ser uma forma de expressar sentimentos que parece acompanhar a evolução animal, nem todos os seres humanos beijam: 10% da população mundial não beija de forma nenhuma.

A química do beijo é o segredo para a tendência que temos para repetir a experiência. O io9 explica que os lábios estão repletos de terminações nervosas muito sensíveis, por isso a resposta que o cérebro dá perante um beijo é tão prazerosa: os neurónios enviam respostas químicas para todo o corpo, provocando a aceleração do coração, rubor na pele e aumento da temperatura corporal. Mas os beijos encerram pormenores algo perturbadores: num beijo são transferidas 250 bactérias através da saliva alheia, que permanece na sua boca durante três dias. Nada romântico!

Texto editado por David Dinis