As sociedades primitivas podem ter abandonado a poligamia como forma de evitar a disseminação de doenças sexualmente transmitidas (DST), conclui um estudo publicado na revista Nature Communications.
Chris Bauch, investigador da Universidade de Waterloo no Canadá e Richard McElreath do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, construíram um modelo de computador para analisar de que forma as infeções bacterianas sexualmente transmissíveis, como a clamídia, a gonorreia e a sífilis, que podem causar infertilidade, afetaram grupos de população de diferentes dimensões.
Chris Bauch @UWaterloo uses math to test complex and coupled impact of our choices on future https://t.co/lbu6RttY2M pic.twitter.com/AoFKPweXpl
— Research2Reality (@r2rnow) March 14, 2016
Os autores analisaram desde populações de pequenos grupos de caçadores recoletores de cerca de 30 pessoas a populações agrícolas até 300 indivíduos, através de 2 mil simulações que abrangeram um período de 30 mil anos.
A transformação de sociedades poligâmicas – onde os homens tinham várias parceiras, mas as mulheres apenas um – para sociedades monogâmicas pode estar relacionada com o impacto na fertilidade das doenças sexualmente transmissíveis em comunidades que se sedentarizaram e dedicaram à agricultura.
Nas comunidades poligâmicas mais pequenas, os investigadores descobriram que os surtos de DST eram mais curtos o que permitia que essas populações recuperassem efetivos. A análise do impacto das DST em sociedades polígamas maiores revela que doenças como a clamídia e gonorreia se tornavam endémicas e causavam a diminuição rápida da população.
Segundo os investigadores, os monógamos “puniam” os polígamos com o ostracismo social ou mesmo multas. Os resultados da investigação apontam para o facto de que as DST podem ter desempenhado um papel importante no desenvolvimento da imposição social da monogamia, o que coincidiu com a ascensão de grandes comunidades que giravam em torno da agricultura.
STIs may have driven ancient humans to monogamy, study says https://t.co/e9slt4OyX2
— The Guardian (@guardian) April 12, 2016
No entanto, as reações aos resultados do estudo não são unânimes. Outros investigadores ressalvam que existem poucos dados acerca da prevalência de DST tanto em populações de caçadores coletores como em comunidades agrícolas primitivas.
“A teoria pode estar correta, mas não existem provas de se baseie nas premissas certas”, afirmou Kit Opie da Universidade College, em Londres. Segundo Kit Opie, as sociedades primitivas não eram suscetíveis de ser polígamas. “Se olharmos para os grupos de caçadores recoletores modernos, que podem fornecer algum tipo de modelo para as sociedades pré-agrícolas, ou seja, para qualquer sociedade humana há cerca de 10 mil anos, a poligamia nessas sociedades é muito rara. Nesses grupos, o casamento é um conceito mais flexível e a poligamia até pode ser permitida, mas muito raramente é realmente praticada.”
Os próprios autores reconhecem que outros fatores podem ter influenciado a tendência para a monogamia e a pesquisa destaca um aspeto frequentemente esquecido do comportamento humano. “Muitas das formas através das quais nos comportarmos com os outros e muitas das regras da interação social também têm origem no meio ambiente que nos rodeia”, disse Bauch em declarações ao The Guardian. O modelo matemático assume que as populações tendem a copiar o modelo que provou ser bem-sucedido em termos evolutivos, explicou o professor do Departamento de Matemática Aplicada da Universidade de Waterloo, no Canadá em entrevista à estação neozelandesa Radio New Zeland.
Os autores frisam que é necessário continuar a aprofundar as investigações e que é necessário distinguir entre o “casamento” e o “acasalamento” para trazer novas perspetivas à investigação. Mas para Chris Bauch o estudo revela o poder das simulações matemáticas: “A nossa pesquisa mostra como os modelos matemáticos podem ser utilizados não apenas para prever o futuro, mas também para compreender o passado”.