Os números são confirmados pela diretora do Museu do Fado: estão já inventariados mais de 30 mil repertórios gravados, cujo som será disponibilizado online no novo Arquivo Digital Sonoro, em funcionamento a partir de sexta-feira, dia 17. Sara Pereira lembra que este arquivo “resulta do programa apresentado à UNESCO [para a candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade, campanha vencedora e reconhecida em 2011] e é um dos eixos estratégicos do plano que apresentámos.”

Acessíveis na internet vão estar “milhares de fados gravados desde o início do século passado”, para consulta pública e livre. “Pensamos que este é o primeiro arquivo online no nosso país feito a partir de um acervo discográfico, o primeiro arquivo de som com esta dimensão”. É um “momento histórico”, diz-nos Sara Pereira, mas ainda é um “work in progress”, um trabalho que vai continuar, numa parceria entre o Museu do Fado e o Instituto de Etnomusicologia da Universidade Nova de Lisboa.

[assim será a home page do Arquivo Sonoro Digital]

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Discos gravados em Lisboa e no Porto mas também em Paris, em Berlim ou no Rio de Janeiro, que “circularam em Portugal na primeira metade do século, entre 1900 e 1950, e que foram por cá comercializados”. A diretora do Museu do Fado assegura que este é “um arquivo riquíssimo”, que permite mesmo “descobrir intérpretes pouco conhecidos até dos investigadores”.

Restauro e digitalização

Apesar de já haver um início de coleção pronta a ser ouvida no site que vai estar operacional na sexta-feira, novas (mas antigas) gravações são tratadas diariamente num departamento inteiramente dedicado a este processo, instalado no Museu do Fado. É um trabalho de “restauro e digitalização”, afirma Sara Pereira.

Neste momento, é possível consultar mais de três mil discos, que representam 529 intérpretes, um total de 948 envolvidos, entre compositores, músicos, autores, maestros. Metade gravada acusticamente, antes de 1927, a outra metade já com gravação elétrica”, esclarece a responsável do Museu.

A prioridade, nestes primeiros trabalhos de digitalização, esteve com “os acervos mais antigos e mais frágeis”. “É um material que exige cuidado, tratam-se de discos de 78 rotações em bom estado de conservação mas feitos de um material especialmente perecível, que pode degradar-se ao ser tocado apenas uma vez.” Discos que passaram décadas e décadas sem serem tratados têm agora toda a atenção, antes que possam ficar irremediavelmente inacessíveis.

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  • O Arquivo Sonoro Digital disponibiliza cerca de 3000 discos que circularam em Portugal entre 1900 e 1950;
  • Estes discos representam 529 interpretes e 948 envolvidos (entre compositores, instrumentistas, letristas, orquestras, maestros, etc.)
  • Entre eles os mais gravados terão sido os atores Duarte Silva (633), Isabel Costa (484), Jorge Bastos (316), Avelino Baptista (193), Rodrigues Vieira (196) e Reinaldo Varela (150), intérpretes que regularmente se cruzaram em duetos.
  • Na coleção há também 62 repertórios interpretados por Júlia Mendes e 12 faixas de Maria Vitória,vários discos da Júlia Florista ou de Manassés de Lacerda, além de gravações de importantes guitarristas como Petroline, Carmo Dias, Armandinho ou Artur Paredes.
  • Os discos que agora se disponibilizam online foram publicados por 43 companhias fonográficas, sendo o maior catálogo o da alemã Odeon (974) seguido da inglesa Columbia (964).
  • Cerca de 1531 discos foram gravados acusticamente (isto é, anteriores a 1927) e 1217 em gravações elétricas (posteriores a 1927)
  • Foram gravados em locais como Paris, Berlin ou Rio de Janeiro, além de Lisboa e Porto

A primeira base de trabalho na construção do Arquivo Sonoro Digital é a mais óbvia: a coleção do Museu do Fado. Sara Pereira recorda que este é um acervo “constituído por doações, não só de discos mas também de instrumentos, de publicações e até de vestuário”. A juntar a estes registos há “discos em regime de copropriedade com o Ministério da Cultura”. Destes fazem parte os discos que o Estado português adquiriu em 2009 ao colecionador inglês Bruce Bastin.

Mesmo antes da candidatura do fado à UNESCO, o Museu do Fado fez também um trabalho de inventário “em todas as instituições com acervo relevante para o estudo deste género musical”. Museu do Teatro, a RTP e alguns colecionadores privados entraram neste processo. “A ideia é que este arquivo possa gradualmente vir a reunir toda essa informação, todo esse som gravado e guardado”, assegura Sara Pereira.

Museu do Fado Discos

Mas a descoberta de intérpretes e compositores pouco conhecidos não fica pelo passado. “Foi justamente a pensar nessa descoberta que começámos a lançar a questão ‘daqui a cem anos como vamos saber quem toca, canta e grava hoje?’. Como é que ficará para a história o legado de quem não acede às editoras?” Sara Pereira explica que muitos desses artistas serão gravados pelo próprio Museu. “Vamos gravá-los aqui. Vamos lançar a label Museu do Fado Discos, que se estreia agora com chave de ouro através do José Manuel Neto, um guitarrista virtuoso que é uma figura consensual na comunidade artística, que acompanha nomes de diferentes gerações.”

O propósito maior desta etiqueta vai estar sobretudo com os novos valores, com a produção contemporânea. Mas “sem fechar a porta, obviamente, a outras gerações”, afirma a diretora do Museu do Fado.

“Queremos ajudar os artistas a ter o seu próprio cartão de visita. Temos artistas de muito grande qualidade mas que não conseguem gravar um disco. Decidimos ajudá-los.” Para isso, a Museu do Fado Discos quer editar “um mínimo de quatro discos por ano”. Mas além de novos nomes, esta quer ser a etiqueta de “projetos inéditos”. “Já temos alguns na calha, bastante originais, evocações de um tipo de repertório específico ou reedições históricos de vários estilos.” Sara Pereira avança um exemplo: “Manuel João Vieira a cantar repertório histórico de fados humorísticos. Este é um dos trabalhos que temos em mãos. Será, por isso, uma editora que não ficará presa a formatos previsíveis e que vai contar com a preciosa colaboração das lojas Fnac na distribuição”.