Durante os incêndios que fustigaram o Funchal em agosto, o fogo desceu à cidade e pelo caminho destruiu por completo o orquidário da Madeira, com uma coleção de 43 mil plantas, provocando um prejuízo de 1,5 milhões de euros.

“Foi um dia negro”, conta, com desalento, Adolfo Schon, o diretor técnico do espaço, apontando para o cenário de destruição deixado pelo fogo que atingiu por duas vezes, a 8 e 9 de agosto, o orquidário, situado na Quinta dos Saltos, onde está instalada a Fundação Martha Gertrud Schon.

Ali, antes dos incêndios, existia um jardim onde, além de árvores bicentenárias e uma tricentenária, estavam espalhadas milhares de orquídeas de diferentes espécies, algumas únicas, como a denominada ‘orquídea negra’, e exemplares de Madagáscar, Butão e Japão.

Agora, a beleza das flores permanece apenas nas fotografias arquivadas numa capa que o responsável vai folheando lentamente.

“De todo o mundo tropical havia aqui alguma representação e é uma grande pena que a região tenha perdido isto tudo”, declara à Lusa, segurando entre as mãos um dos vasos suspensos, completamente deformado, para mostrar uma das plantas mortas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Adolfo Schon aponta também para as marcas deixadas pelas chamas nas pipas de Vinho Madeira que ornamentavam o espaço, com uma área de 2.000 metros quadrados.

Totalmente destruídos ficaram igualmente os vários imóveis do orquidário, entre os quais o laboratório — no qual eram desenvolvidos plantas e projetos destinados à reflorestação da Madeira –, as estufas e uma biblioteca com cerca de 20 mil volumes que ficou “irrecuperável”.

O responsável recorda que na noite de 9 de agosto estava a trabalhar no interior do edifício quando se apercebeu do fogo em algumas divisões e saiu para o jardim. Os cães não responderam ao seu chamado, ouviu “a arara pedir socorro, na gaiola” e estava a tentar libertá-la, já “meio queimada”, quando a polícia chegou e o retirou da quinta, levando-o para a escola nas imediações.

“Aguardámos que os bombeiros chegassem. O fogo começou pelas 20 horas mas, coitados, não tinham mãos a medir e chegaram pouco antes das 23 horas. Já nada havia a fazer”, recorda.

Adolfo Schon considera que “este fogo foi tão intenso e teve uma origem suplementar”, porque “veio do terreno contíguo à fundação, onde estão depositados restos de uma antiga obra da escola”. O “enorme braseiro” acabou por se projetar para a zona histórica de São Pedro, no centro do Funchal.

O botânico também lamenta que “junto com os bombeiros” tenha entrado no local “uma multidão de gente que se dedicou a levar pertences, incluindo umas aves que tinham escapado aos incêndios, como ‘souvenir'”.

“Isto foi uma calamidade! Não foi só perder a área da fundação, como de habitação, o trabalho. E não temos sequer possibilidades de continuar porque não há uma única instalação que tenha sido poupada ao fogo. É esse o nosso grande dilema”, reforça.

O espólio da fundação é património do Estado, mas, segundo Adolfo Schon, as responsabilidades não estão a ser assumidas: “Nenhuma autoridade se dignou em vir cá, o que é lamentável”, e também os contactos com o executivo da Madeira têm sido “muito fracos”.

Apenas decorreu uma reunião com o diretor das Florestas, que mostrou algum interesse no problema, refere.

Por isso, os responsáveis da fundação estão “um bocado céticos” quanto à recuperação do orquidário e temem que possa ser “o fim da fundação e de todos os programas científicos desenvolvidos com instituições e universidades de fora”, visando o reflorestamento da floresta endémica Madeira, a Laurissilva.

Adolfo Schon estima que, numa primeira fase, um apoio entre 150 e 200 mil euros “não seria uma importância descabida”, para dar “um primeiro passo”, e “em dois anos seria possível tentar criar instalações para trabalharem e recuperarem o orquidário”, continuando a levar à região cientistas.

“Mas a gente precisa de ajuda de alguém. Até agora ninguém se manifestou para nos ajudar e só se o Governo se predispuser a nos ajudar”, insistiu.

O orquidário da Madeira foi fundado em 1953 por uma botânica alemã, Martha Gertrud Schon, que chegou à Madeira em 1920 e criou uma coleção de orquídeas de espécies raras.

Em 1997, decidiu doar este espólio a uma fundação com o seu nome, sem fins comerciais, tendo como um dos objetivos principais trabalhar para a preservação da floresta Laurissilva.