Rui Pedro Lizardo Roque apresentou esta terça-feira a demissão de adjunto do primeiro-ministro, “que foi aceite”, informou uma fonte oficial de São Bento. O assessor, que nunca fez a licenciatura que consta no seu despacho de nomeação, apenas completou quatro cadeiras do curso de Engenharia Eletrotécnica na Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC). Segundo apurou o Observador, Rui Roque terá concluído apenas as cadeiras de Programação de Computadores, Física I, Estatística e Métodos Numéricos, e Desenho e Métodos Gráficos. A primeira disciplina foi feita em 1998 e a última data de 2002. Estas cadeiras são do primeiro ciclo do plano de estudos pré-Bolonha do curso de Engenharia Eletrotécnica (uma das cadeiras poderá ter sido feita em Engenharia Física, o curso em que esteve inicialmente matriculado um ano).
Estes dados sugerem que Rui Roque apresentou falsas declarações quando foi dado como licenciado a trabalhar no gabinete do primeiro-ministro (numa função que não tem como pressuposto a obrigação de ter qualquer grau académico). Da mesma forma, qualquer documento que tenha apresentado como prova de que tinha a licenciatura só pode ser considerado falso à luz das informações recolhidas pelo Observador. O antigo militante da Juventude Socialista terá mostrado a digitalização de um documento alegadamente passado pela universidade no gabinete do primeiro-ministro — que tinha inclusive uma média das suas notas –, mas não foi possível apurar se esse documento tinha o objetivo de tentar comprovar a licenciatura. Apesar da insistência do Observador, não houve ao longo desta terça-feira qualquer reação de São Bento. Também não foi possível voltar a contactar Rui Roque.
Em silêncio há mais de uma semana
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O primeiro contacto feito pelo Observador com o gabinete do primeiro-ministro sobre o assunto foi na segunda-feira, dia 17 de outubro, primeiro por mensagem escrita, depois por e-mail. Seguiram-se sucessivos contactos telefónicos e também mensagens escritas, que não resultaram em nenhuma resposta formal até à saída da primeira notícia a 25 de outubro. Nesta terça-feira, 25 de outubro, voltaram a ser feitos contactos telefónicos e também por e-mail, mas que ficaram igualmente sem resposta. Até às 22h30, quando o gabinete comunicou que Rui Roque apresentou a demissão.
Nas declarações que prestou ao Observador na segunda-feira, depois de uma semana de insistência junto do gabinete do primeiro-ministro, Rui Roque disse que os dados que constam na sua nota curricular de nomeação “baseiam-se nas informações prestadas pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra datadas de outubro de 2009”. Ou seja, o adjunto de António Costa passou para a instituição o ónus da sua situação académica. Mais: deu a entender que ficou surpreendido com as perguntas do Observador: “Quando confrontado pelas vossas questões, eu próprio solicitei mais esclarecimentos da mesma instituição. Como ainda não obtive resposta, nada mais tenho a acrescentar.”
Responsável pelas idas de António Costa ao terreno
No gabinete do primeiro-ministro Rui Roque é adjunto para os Assuntos Regionais e responsável por fazer as chamadas “preparatórias” em Portugal. A sua função é, no fundo, preparar as idas ao terreno antes das deslocações do primeiro-ministro, um trabalho similar ao que fez na campanha de António Costa nas legislativas de 2015, em que funcionou como um dos operacionais no terreno. Durante a campanha, o socialista era um dos membros da organização da comitiva que ajudava a proteger o primeiro-ministro com um cordão humano, que é habitual em arruadas e normalmente feito por elementos das “jotas”.
Três meses após as legislativas, António Costa acabou por nomear Rui Roque seu adjunto em janeiro de 2016. O socialista tem 37 anos e cresceu na Granja do Ulmeiro (concelho de Soure, distrito de Coimbra), vila onde é autarca eleito pelo PS, como membro da Assembleia de Freguesia.
Rui Roque já era da Juventude Socialista quando ocupou diversos cargos durante a sua vida académica. Foi presidente do Núcleo de Estudantes de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e coordenador-geral dos Núcleos e Pedagogia da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra.
Na segunda-feira, após ser contactado pelo Observador e antes de sair a notícia, eliminou várias fotos e referências que eram públicas no seu perfil no Facebook. Além de apagar diversas fotos e informações, Rui Roque substituiu a foto de capa da página por uma em branco. Antes, a citação de Mark Twain que o adjunto do primeiro-ministro exibia na página, poderia agora levar a interpretações pouco abonatórias:
É mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que elas foram enganadas.”
Tal como o Observador já noticiou, esta questão é, para já, no entender de juristas, mais do domínio ético do que legal. Um dos especialistas contactados — que não se quis identificar por estar a comentar um caso específico — explicou que “como não é um cargo que exija licenciatura, trata-se de um problema de natureza ética e de falsidade nas declarações” e levanta a questão: “Será que alguém que mentiu, mesmo sem precisar de mentir, tem legitimidade para continuar num cargo público dessa responsabilidade?”.
O mesmo especialista diz que o mesmo caso “coloca em causa quem assinou o despacho, que também pode ter sido enganado, o que põe em xeque a relação política e de responsabilidade política”. O mesmo jurista explica que “só existirá matéria criminal se a declaração de licenciatura estiver acompanhada de um documento a comprová-la. Se não houver licenciatura e houver documento, há matéria criminal”. Ou seja: se Rui Roque apresentou qualquer documento, este terá sido falsificado e, aí, a questão passa a ser do foro criminal.