A final dos 400 metros nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, terminou com um pódio só de americanos. O melhor, à frente de Jeremy Wariner e David Neville, foi LeShawn Merritt. E a confirmação veio no ano seguinte, nos Mundiais de Berlim: além de repetir o triunfo nos 4×400, conseguiu o ouro nos 400 metros. Aos 23 anos, parecia estar a nascer uma era de domínio que foi travada em 2010 por um controlo positivo de DHA, um esteroide anabolizante. Levou dois anos de suspensão – reduzidos para 21 meses –, não contestou e justificou o sucedido: o uso de um produto para aumentar o pénis que teria essa substância. “Foi um erro egoísta, imaturo e egocêntrico, qualquer que seja a penalização que receba não vai apagar o embaraço e humilhação que senti”, disse.
Qualquer desportista que seja apanhado num controlo positivo de doping tem direito à sua defesa e a justificar o sucedido e foi isso que aconteceu já com Chris Froome, o inglês nascido no Quénia que venceu quatro vezes o Tour e que se estreou este ano a ganhar a Vuelta (onde teve o tal teste).
“Conheço as regras e os limites, nunca superei isso. Da forma como estão as coisas, vou concentrar-me no processo tentando ajudar as autoridades em tudo. É triste ver os argumentos erróneos sobre o uso de salbutamol por atletas asmáticos. O meu legado não está manchado porque não tomei mais do que a quantidade permitida e estou seguro de que a verdade vai aparecer. Este é um caso diferente porque não se trata de um teste que tenha dado positivo”, disse numa entrevista à BBC.
Para Vincenzo Nibali, segundo da Vuelta e também asmático, a justificação não “cola”. “Recordo-me que nesse dia choveu, parece-me estranho. Tenho o mesmo problema, mas quando chove o pólen deixa de incomodar e não é preciso recorrer ao inalador”, destacou ao Tuttobiciweb.
Já Tony Martin revelou-se indignado contra “um escândalo”: “É um caso de dois pesos e duas medidas. Os outros atletas são imediatamente suspensos após um teste positivo, ao Chris Froome e à sua equipa a UCI deu tempo para explicações. Ficamos com a impressão de que nos bastidores há uma conivência e a procura de uma forma de sair deste caso. É incoerente, não transparente, pouco profissional e injusto”.
A investigação vai agora decorrer, mas uma coisa é certa: toda esta justificação de Froome é percetível porque existe esse problema da asma. Mas há desculpas bem mais caricatas para testes positivos. E algumas até já chegaram a dar absolvição, como aconteceu com a antiga maratonista espanhola Mónica Pont, que nos anos 90 acusou excesso de cafeína e declarou ter bebido duas taças de café em Portugal que, a nível de concentração, equivaleriam a 35 taças de café espanhol. “O exame faz chegar à conclusão que um habitual e diário ato quotidiano como beber duas canecas de café junto com fatores como falta de hidratação, humidade ou pouco peso pode ter consequências imprevisíveis”, defendeu a Federação Espanhola de Atletismo, citada pelo El País.
Recuando aos finais da década de 80, Ben Johnson, na altura o homem mais rápido do mundo, acusou estanozolol após a final dos 100 metros dos Jogos Olímpicos de Seul; 23 anos depois, o canadiano escreveu num livro que tinha sido sabotado pelo agente de Carl Lewis, Andre Jackson, que entrara na sala do controlo para colocar comprimidos na cerveja que estava a beber para acelerar o exame.
Ainda no atletismo, houve o caso de Dennis Mitchell, o velocista americano que em 1998 justificou os níveis elevados de testosterona por ter feito o exame após uma noite de excessos onde bebeu cinco garrafas de cerveja e teve sexo pelo menos quatro vezes com a mulher (“Era o aniversário dela, merecia”, disse mesmo na argumentação). Um primeiro Comité americano ainda aceitou a resposta, mas a Federação Internacional de Atletismo aplicou-lhe uma suspensão de dois anos. Já com a saltadora brasileira Maurren Maggi, o problema terá sido uma pomada aplicada após as sessões de depilação a laser: apanhou dois anos de suspensão, falhou os Jogos de 2004, foi mãe, continuou a trabalhar e conseguiu mesmo sagrar-se campeã olímpica quatro anos depois, em Pequim.
No ténis, uma modalidade que nem costuma ter muitos casos de doping, houve um pouco de tudo: em 2005, Guillermo Cañas acusou um diurético durante um torneio de Acapulco (que por si só não melhora a performance mas que pode despistar a presença de outras substâncias) e apontou o dedo à organização, que lhe tinha receitado um medicamento com esse componente para uma constipação (viria a conseguir reduzir os dois anos de pena no Tribunal Arbitral de Desporto); no mesmo ano, Mariano Puerta, que já tinha estado nove meses suspenso, acusou um estimulante cardíaco que lhe valeu um castigo de oito anos, mais tarde reduzido para dois face à explicação de que teria bebido sem querer do copo da mulher que andava a tomar um medicamento proibido aos desportistas.
Mas houve mais: Richard Gasquet esteve dois meses suspenso antes de ser ilibado da acusação de ter consumido cocaína (explicou que tinha beijado uma stripper num espaço noturno nos Estados Unidos, o que se confirmou até pelos vestígios ínfimos que terão passado de forma inadvertida); Maria Sharapova, que acusou meldonium, assumiu que se tratou de um erro porque não sabia que se tinha tornado uma substância proibida em 2016, ficando 15 meses fora dos courts; e Petr Korda, que acusou clembuterol, justificou-se com uma carne que teria consumido durante o torneio de Wimbledon em 1998. Problema? Mesmo que a carne estivesse contaminada, o checo teria de comer 40 vitelas por dia durante 20 anos para atingir aqueles valores (foi suspenso 12 meses).
O ciclista espanhol Alberto Contador acusou o mesmo em 2010, mas o facto de apenas um animal entre 83.203 testados na União Europeia entre 2008 e 2009 estar contaminado (e não era em Espanha) tirou força à defesa. Mais recentemente, o futebolista peruano Paolo Guerrero apelou da suspensão de um ano por considerar que os vestígios de cocaína encontrados numa análise sua vieram de uma taça mal lavada onde bebeu chá num hotel. Romário e Maradona, que acusaram anabolizantes em controlos, atiraram as culpas para um produto capilar.