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OBSERVADOR

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Domingos Abrantes em entrevista: "O Portugal democrático tem várias ironias, uma delas é a reciclagem de fascistas"

Domingos Abrantes é o comunista membro do Conselho de Estado, onde também está o antigo ministro do Ultramar, Adriano Moreira. Nesta entrevista fala dessa ironia, mas também do acordo de esquerda.

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Não passava pela cabeça de Domingos Abrantes, resistente comunista que esteve preso 11 anos, vir um dia a sentar-se à mesma mesa de um ministro do antigo regime. 55 anos depois, Abrantes e Adriano Moreira são conselheiros de Estado, daí a frase dita nesta entrevista ao Observador: “Não venham agora com reciclagens”. O histórico dirigente comunista (desde 1956 que está no PCP – que celebrou esta semana os 95 anos de existência) fala desse convívio, de como se chegou ao acordo de esquerda, da querelas antigas com o PS, do BE, das perspetivas comunistas sobre a durabilidade do entendimento à esquerda e do funcionamento interno do partido.

“Eu fui perseguido por um governo do qual ele era ministro”

Que missão leva para o Conselho de Estado?

A defesa dos interesses do nosso país e da independência nacional. Pautarei a minha intervenção pelo que julgo e pelo que o meu partido defende, pelas medidas tendentes ao reforço da democracia portuguesa, pelo interesse do nosso povo. Também me baterei por uma outra questão que é a função do Presidente, mas em que as experiências não são muito animadoras: juram cumprir a Constituição e há muitos aspetos da Constituição que não foram cumpridos.

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Desse ponto de vista, há aspetos do novo Presidente de que desconfia?

Não é desconfiança, a prática é que vai mostrar. O que estou a dizer é que as experiências anteriores não são positivas. A Constituição foi sistematicamente violada, noutros aspetos esquecida. Hoje fala-se com toda a facilidade da perda de soberania nacional como uma questão de lana-caprina, mas esta Constituição ainda lá tem isso como princípio basilar do Estado. Se se começa a criar uma Constituição paralela, isso não contribui para o reforço da democracia portuguesa.

Quando soube que era o escolhido e como geriu o processo?

Soube quase na véspera da eleição. Foi uma enorme surpresa. Era uma coisa que não estava nos meus projetos de atividade. Não me passava pela cabeça, era a última coisa que podia imaginar que me viesse a acontecer.

Vai ter paciência para aquelas reuniões longuíssimas?

Paciência tenho de ter [risos], aliás tenho longa experiência de situações que exigiam muita paciência e a aturar pessoas que muitas vezes não eram as melhores. A batalha política e as exigências da atividade política impõem que se tenha couraça para fazer frente a estas situações.

Este Conselho de Estado tem uma série de curiosidades, uma delas é que terá Adriano Moreira, que era ministro do Utramar quando Domingos Abrantes fugiu da prisão de Caxias em 1961. Alguma vez lhe passou pela cabeça que pudessem estar à mesma mesa?

Não, era muito difícil. O professor Adriano Moreira foi deputado dez anos. No período em que esteve na Assembleia da República, eu também lá estava, mas não me lembro de ter trocado a mais pequena palavra com ele. Interessa naturalmente salientar os paralelos: eu estava preso quando ele era ministro. E não venham agora com reciclagens, porque ele era ministro de um governo fascista e isso é uma coisa incontornável. É um facto que tínhamos estatutos diferentes. Eu fui perseguido por um governo do qual ele era ministro. Isso não é pouco. Passei 11 anos na cadeia. E não foi só isso, ele tomou algumas medidas de enorme gravidade, uma delas foi a assinatura – ele era ministro, podia ter-se recusado – da reabertura do campo do Tarrafal, que era a mais sinistra cadeia fascista. O que é diferente, e não sei se ele tira as ilações disso, é que no período fascista ele era ministro e eu preso político, fui torturado por uma polícia que era dependente do governo a que ele pertencia e, hoje, no Portugal de abril, ele é membro do Conselho de Estado, foi deputado, dirigente de um partido político. O quadro é bastante diferente. O problema é saber se ele tem capacidade de compreender e tirar as ilações da diferença.

Mas como é que gere esta ironia?

O Portugal democrático tem várias ironias, e uma delas é a reciclagem de fascistas. Além do milagre de Fátima, outro enorme milagre foi que a seguir ao 25 de abril, desapareceram os fascistas. Havia milhares, na União Nacional, na polícia, governadores civis. Repentinamente eram todos democratas e isso tem custos, porque os fascistas não desapareceram.

Que custos são esses?

O reavivar de certas tendências antidemocráticas, a tentativa de marginalização dos comunistas, que tiveram um papel enorme na luta pela liberdade, o espezinhar de certos direitos pelos quais se lutou durante anos e que custaram a vida a muita gente. Este quadro não pode deixar de nos preocupar. Se pensamos que o fascismo é uma coisa do passado, cometemos um erro que pode custar muito caro à próxima geração. O fascismo não é um problema de conjuntura, não é um problema do passado. O fascismo está sempre latente e torna-se um perigo quando as classes dominantes não conseguem resolver por meios democráticos a imposição das suas formas de exploração. Aí recorrem às formas mais violentas e antidemocráticas.

Mas constitui um risco ter uma figura desses tempos no Conselho de Estado?

Não, o problema não é esse. Há forças sociais, económicas e políticas que, naturalmente, têm desenvolvido ideias que põem em causa princípios basilares do 25 de abril. Ele tem atividade institucional desde o 25 de abril. Mesmo o CDS, que ele dirigiu e que foi mandado fazer pelo Spínola para agrupar as forças reacionárias do antigo regime, teve uma evolução. Tem gente de gerações diferentes. O quadro geral de política económica é que vai decidir o futuro da nossa democracia.

"Se pensamos que o fascismo é uma coisa do passado, cometemos um erro que pode custar muito caro à próxima geração"

Que ideia tem hoje de Adriano Moreira?

É um pensador, tem um trabalho próprio de investigação na área da política internacional e procura que não se fale do passado… mas nunca vi uma atitude crítica em relação ao passado, o que não lhe ficava mal.

Somos um partido que rejeita a política partidária espetáculo

Por que é que a forma de decisão do PCP continua a ser matéria de reserva? Parece que o PCP ainda tem receio de se mostrar…

Acho que isso é um mito que tem sido propagado e que não corresponde à realidade. Faz parte do arsenal anticomunista, no caso, anti-PCP. Há um baú com algumas arqueologias anti-PCP que se vão buscar. Somos um partido que rejeita a política partidária espetáculo e isso faz toda a diferença. Esse é um dos aspetos da degradação da vida política nacional, em particular da político-partidária. Os partidos não são todos iguais e o PCP não é igual aos outros, pela sua história pelos seus comportamentos. Temos uma forma de funcionamento interno e somos o único em que os militantes participam, estão organizados, exprimem a sua opinião. Nunca ouviu um secretário-geral do PCP a dizer “eu fiz, eu propus, eu escolhi”, isso não acontece, aliás essa é uma forma degradante da vida partidária.

"Não poucas vezes o próprio Álvaro Cunhal ficou em minoria e sujeitou a sua opinião à da maioria"

Mas essa personalização também não ajuda à aproximação aos eleitores?

Não, a personalização deve ser feita através da inserção no trabalho coletivo. Os nossos documentos são sujeitos a discussão e retificação. Jerónimo de Sousa não vai apresentar ao congresso a sua proposta.

Jerónimo de Sousa é líder há mais 10 anos, aliás coisa que acontece no PCP, que tem lideres com grande permanência no cargo. Afinal os líderes não são uma coisa de somenos.

Durante muitos anos no PCP não houve líderes e quando se tratou da eleição do Álvaro Cunhal discutiu-se muito. De 1935 a 61 não houve secretário-geral. É um organismo coletivo e isso teve, em aspetos de clandestinidade, uma enorme importância. Em 61 esse problema colocou-se porque era uma mudança na atividade do partido. Mas o secretário-geral não é um órgão, é o único partido em que o secretário-geral é eleito pelos seus pares e pode ser destituído pelos seus pares. Sujeita-se a decisões coletivas. E posso dizer-lhe que não poucas vezes o próprio Álvaro Cunhal ficou em minoria e sujeitou a sua opinião à da maioria.

Essas divergências raramente são conhecidas. Porque é que isso é assim?

Era impossível que num coletivo com pessoas que têm origem social, cultural e experiência política diversa não houvesse diferenças de opinião.

Por que não existe nunca no exterior a perceção do grau de discussão dentro do Comité Central?

Eu posso dizer que divergi muitas vezes dos meus camaradas e eles de mim. E em momentos de enorme complexidade, é fácil ver como as ideias…

Acha que isso não deve chegar cá fora?

São problemas internos. Sentamo-nos à mesa, discutimos, cada um exprime a sua opinião e a maioria aprova. Os que ficam em minoria ficaram em minoria. Sujeitam-se à vontade da maioria.

"A nossa iniciativa de mostrar que o PS só não formava governo se não quisesse teve uma enorme importância, não só para abrir caminho, mas também para condicionar correntes fortíssimas no PS que estavam abertas ao entendimento com a direita"

Na reunião que decidiu o entendimento com o PS houve divergência?

Tanto quanto sei, naturalmente expressaram-se opiniões diferentes. Não pode deixar de haver interrogações, não só ao nível do partido. Agora, os organismos todos aprovaram as orientações. A certa altura foi posto a correr que a velha guarda estava contra. Isso não tem fundamento nenhum. E por várias razões, a minha geração – que costumo dizer que está em extinção – sempre se bateu por entendimentos com o PS. Ao longo dos anos, eu participei em dezenas de encontros com o PS, com todos os secretários-gerais, para nos entendermos. Não era a velha geração que ia estar em desacordo com isso. E a iniciativa partiu sempre do PCP e não do PS.

Sente-se confortável com esta solução governativa?

Confortável… isto é, sinto-me melhor. É publico e notório que achámos que se devia ir mais longe nas medidas para interromper muitos anos de política da direita. Abre-se aqui, não sei se uma janela, mas uma frincha de esperança. Foram quatro anos muitíssimo complicados, a somar a muitos outros anos de políticas de direita. Vivemos há 40 anos numa política de direita, sempre, sempre, sempre a machadar as conquistas de abril. Sempre na mesma direção. E pela primeira vez há aqui uma perspetiva.

Quando é que começou a achar que esta solução era possível?

Na nossa campanha isso estava claro. Afastar a direita.

Isso é o que dizem desde sempre.

Exatamente. Mas criou-se um conjunto de fatores. Havia forças políticas que achavam que havia partidos menores e nesse aspeto acho que dêmos uma contribuição nada pequena. A primeira foi derrotar a direita, a segunda foi dizer que era no quadro da nova Assembleia da República que se abriria a possibilidade. A nossa iniciativa de mostrar que o PS só não formava governo se não quisesse teve uma enorme importância, não só para abrir caminho, mas também para condicionar correntes fortíssimas no PS que estavam abertas ao entendimento com a direita.

“Se [Costa] fosse um líder como o Francisco Assis não havia de certeza absoluta este entendimento”

Ao Expresso disse que foi uma “decisão de reflexão que não surgiu a 4 de outubro à noite”.

Obviamente, traduz um amadurecimento de uma hipótese que o nosso partido nunca deixou de equacionar.

Mas já tinham contactos anteriores?

Jerónimo disse que havia contactos informais, na campanha. Nunca deixámos de falar.

Mas isso é diferente de dizer “se vocês estiverem nesta situação, nos estávamos disponíveis para desbloquear”.

Sempre colocámos essa hipótese. Claro que tinha havido contactos informais, mais do que isso seria difícil.

A história do PCP e do PS é forte em desentendimentos, houve o famoso comício da Fonte Luminosa, em 1975, que vos colocou em campos opostos. Alguma vez pensou que pudessem dar a volta a isso?

Obviamente que sempre pensei que fosse possível, senão não teríamos participado em dezenas de iniciativas para nos entendermos com o PS. E houve momentos em que estivemos muito avançados nessa perspetiva e não foi só na Câmara de Lisboa. Antes desse entendimento, propusemos ao PS um entendimento para afastar a direita da gestão autárquica e, curiosamente, o PS aceitou desde que nós fossemos como independentes nas listas e isso não é sério. Não era aceitável para um partido como o nosso apagar-se e integrar as listas do PS como independente.

No plano nacional nunca estiveram próximos de um acordo. Porquê?

Houve uma área de conflito, a responsabilidade cabe ao PS, que tinha uma linha estratégica de entendimento à direita. Aliás, como sabe, houve variadíssimos momentos na Assembleia da República em que nós e os socialistas estávamos em maioria e que maioria!

Por isso é que eu pergunto por que é que não aconteceu antes?

Não aconteceu porque havia uma linha estratégica do PS de entendimentos à direita. A razão básica é essa. O PS, até agora, sempre preferiu o entendimento com as forças de direita e isso não significa que não procurássemos ultrapassar essas dificuldades.

O PCP não tem responsabilidade nenhuma? Ainda nesta campanha houve ataques severos ao PS. Era para quê?

Admito que possa ter havido alguns excesso, mas o quadro da democracia portuguesa seria completamente diferente se o PS tivesse sido fiel aos compromissos que teve connosco. Em 1973, no dia 29 de março, houve um encontro ao mais alto nível com o PCP, não sabíamos que ia haver 25 de abril mais cheirava-se. Os dados que tínhamos diziam que o regime se aproximava a grande velocidade do fim, estava na fase de estertor. Nesse encontro estabelecemos uma plataforma pós-derrube do fascismo e foi estabelecido com o PS um programa de nacionalizações, a reforma agrária, a liquidação do estado fascista, dos monopólios e o entendimento dos dois partidos como condição básica para a defesa da democracia e das liberdades. No entanto, logo após o 25 de abril, muito poucos dias depois, o PS começou a rasgar esse acordo. A partir do encontro de Mário Soares com Spínola, a 28 de abril, tudo começou a rolar de forma diferente. A própria viagem de Mário Soares ao estrangeiro, a 2 de maio, concertada com Spínola, já encerra grandes mudanças na orientação do PS. Um dos entendimentos era o reconhecimento democrático dos países socialistas e Mário Soares não visitou uma única embaixada dos países socialistas. Participei num encontro com o PS em maio de 75, que é uma história que anda aí mal contada que não quisemos que Soares falasse…

Está a falar do 1º de maio de 74?

Sim, a história está mal contada, não tem fundamento nenhum. O PS exigiu que o PPD falasse no 1º de maio e isso era admissível para nos e não falou. E mais, definiu que a participação e aliança com o PPD era uma questão estratégica para o PS.

O atual acordo deu-se porque o PS cedeu?

Criaram-se fatores favoráveis. O António Costa já tinha declarado que esta teoria do arco da governação não tinha cabimento. Reuniu-se um conjunto de fatores que abriram a necessidade deste entendimento.

Um líder como António Costa ajudou?

Sem dúvidas, se fosse um líder como o Francisco Assis não havia de certeza absoluta este entendimento.

Que características lhe encontra que tenham sido favoráveis a este desfecho?

Não sei se é uma questão de características, mas de avaliação política. Fez uma avaliação política que era favorável aos interesses do PS. Se o PS continuasse a privilegiar os entendimentos com a direita não sei se isso lhe daria grande futuro.

“Esses nomes, radicais, ortodoxos, conservadores, isso é uma espécie de agarra que é ladrão”

O PCP na sua história teve algumas cisões, saíram os chamados renovadores, precisamente porque queriam abertura e agora o partido junta-se ao PS e dá esse passo. Não é estranho?

Os renovadores não queriam renovar o PCP. Queriam modificar, de certo modo, liquidar este partido tal qual ele é conhecido e a sua história, E se começarmos a ver onde foram parar, mostra-se bem o entendimento que tinham da renovação e abertura.

Mas aplaudem esta solução…

Vamos por partes, depois o que defendiam não era o entendimento com o PS, era a diluição do PCP, o entendimento com o PS a todo o custo. A todo o custo. O PCP não faz entendimentos a todo o custo.

Depois das cisões, ficou sempre a ideia que quem tinha ficado no PCP eram os ortodoxos, os radicais conservadores, os cunhalistas. São rótulos que o incomodam?

Se me incomodasse já tinha ficado pelo caminho há muitos anos. Tenho 80 anos, vivi metade no fascismo e metade em democracia. Os inimigos do PCP, os capitalistas, têm um historial de acusações: traidores, vendilhões da pátria. Venderam o PCP como inimigo principal e único e tinham razões para isso porque os outros deram à sola e nos ficámos cá a defender o barco.

Foi a ortodoxia que manteve o PCP?

Esses nomes, radicais, ortodoxos, conservadores, isso é uma espécie de agarra que é ladrão. São títulos para encobrir uma certa traficância de princípios. E o que devia ser valorizado é a existência de homens e mulheres de enorme abnegação, confiantes, fieis aos seus ideais. O que temos hoje são pessoas que mudam de opinião como de camisa, se começarmos a fazer o histórico de várias criaturas, vemos que têm posições pouco edificantes. Dizer hoje diferente do que disseram ontem, na política portuguesa, é mato.

Já disse que defende a continuidade de Jerónimo de Sousa na liderança. Porquê?

Mostrou qualidades reais, tem prestígio externo e interno, estimado pelos seus camaradas, não vejo razão… aqui o problema… os novos, os novos, os novos. Há a lei da vida, eu saí pelo meu pé… aprendi com o camarada Álvaro Cunhal, que devia ser um exemplo para muitos líderes, que devemos sair no momento em que estamos em condições para nos avaliar. Há momentos em que já não estamos. O que aconteceu com muita gente é julgar que está em condições de se avaliar e depois já não está. Até no meu partido sei disso. Se se deixa passar esse momento torna-se complicado. Se a pessoa tem condições, se se acha com forças, se o provou e o coletivo acha que tem condições, não vejo razão para mudar.

A renovação não é importante?

Mas há algum partido que renove mais do que nós? Desde o 25 de abril que não cometemos esse erro, temos um historial enorme de compaginar a experiência dos velhos com os novos. A seguir ao 25 de abril tomámos uma decisão importantíssima, não havia os antes e os depois. Vieram milhares e milhares de pessoas ao partido depois do 25 de abril, alguns enganaram-se no número da porta, achavam que a gente ia para o poder [ri-se]. E alguns andaram aqui e, depois, mal o PS foi para o poder, foram lá bater-lhes à porta. Enganaram-se no número da porta, viram que isto era um partido sem tachos para distribuir e foi bom terem saído. Havia militantes não dirigentes que achavam que deviam ter estatuto de senadores e isso era muito negativo para o partido.

Qual o vosso problema com o BE?

Não temos nenhum problema com o Bloco de Esquerda, o que temos é de cuidar da atividade política do PCP, alargar a sua influência, das camadas sociais a quem se dirige. Os problemas que houver com o BE ou outros são de orientações concretas.

"Não houve negociação a três isso levaria à aprovação de uma plataforma que responsabilizava os três partidos e não é esse o quadro. Isso não significa que no futuro não possa vir a haver"

Não pergunto isto por acaso. O Nas negociações à esquerda, o PCP frisou que não queria reunir-se com o BE e nem mesmo ser fotografado a três. Porquê?

Uma discussão ou acordo a três implicava uma plataforma negocial. Na declaração conjunta do PS, há um governo e programa do PS, um Orçamento do Estado do PS, no qual negociamos a inclusão de certas questões. Mas não há uma plataforma de entendimento sobre a governação. O PS é responsável pela governação. Era quase absurdo haver negociação a três porque isso implicava uma discussão sobre uma plataforma governativa.

Mas isto não fragiliza a posição conjunta?

Vamos ver como vai evoluir, mas o quadro completo que se criou, não fomos só nós que formulámos, nem o BE. Fomos nós que pusemos o problema de o PS formar governo, isso é irrecusável. A baliza foi colocada por nós. A iniciativa foi colocada por nós, o mérito cabe-nos a nós. Costumo dizer que foi uma proposta criativa. O Álvaro Cunhal tinha uma expressão que era o “consenso verificado”. É uma expressão de enorme importância.

Pode explicá-la?

Não houve votação formal, não houve negociação formal, houve um consenso. Convergimos em certas matérias, chamou-he consenso verificado. Coisas diplomáticas que se encontram para os problemas. O PCP pôs o problema: o PS só não forma governo se não quiser, o que pressupunha apoio. Mas não negociámos com o PS uma plataforma governativa.

Em termos de estabilidade, exigida pelo Presidente por exemplo, não havia vantagem de ter um governo instável nesta fase…

Por que e que se há de exigir ao PCP e ao BE um governo estável face ao historial pós-25 de abril de governos que caíram, dos conflitos que houve entre quem? PS, PSD e CDS. Entre eles. A estabilidade dos governos resulta de políticas concretas Qual a diferença? A diferença é que acham que uns podem ser instáveis e outros não. O que vai determinar a estabilidade dos governos é a política concreta.

Era por isso que era irrelevante haver foto conjunta?

Não houve negociação a três isso levaria à aprovação de uma plataforma que responsabilizava os três partidos e não é esse o quadro. Isso não significa que no futuro não possa vir a haver.

“A geringonça tem um pressuposto de um preconceito político de que há uns que não deviam lá estar”

Que previsão faz de durabilidade do entendimento?

Sou ateu mas já disse que o futuro a Deus pertence. O que está previsto é que é para durar.

"Coisas que ferem certos sentimentos religiosos ou outros não são admissíveis"

Está otimista ou pessimista agora que já vê a gerigonça, como lhe chama Portas, em andamento?

O Paulo Portas não e uma pessoa respeitável, é pouco credível no que diz. Esta geringonça ainda está de pé, a deles caiu várias vezes, partiu os pés, estatelou-se. A geringonça tem um pressuposto de um preconceito político de que há uns que não deviam lá estar. É uma forma de desvalorizar o entendimento. Todos temos razões para estarmos preocupados. Já dissemos que as medidas são insuficientes. Sol na eira e chuva no nabal é uma coisa que não existe, ou se vai responder às exigências e pressões inadmissíveis das instituições europeias, ou se faz frente a isso ou então, se metemos a mão, vai o braço e fica lá o corpo todo. É na resposta a esses problemas que tudo se vai decidir. Naturalmente tudo faremos para que perdure, mas quem toma as decisões não somos nós.

Estão preparados para a pressão eleitoral, estando neste acordo de esquerda que suporta o governo?

Vamos debater-nos nas autárquicas por dois princípios: reforçar o que temos. Qualquer extrapolação de dados das últimas eleições é um abuso. Por exemplo, no dia das eleições presidenciais houve eleições para a Câmara de São João da Madeira, a Marisa Matias teve nas presidenciais mil votos, Edgar Silva 200. Para a Câmara nos tivemos 600 e o Bloco 200. Portanto, de certeza que nos vamos bater para defender e reforçar as nossas posições autárquicas. Acho que temos razões para estar confiantes, ninguém duvida da honestidade e competência do PCP, não nos veem envolvidos em questões de corrupção, até temos gente expulsa por corrupção. Não conheço ninguém que expulse gente por atos de corrupção sem ser o PCP. Temos seriedade e competência, é o nosso trunfo para as próximas eleições.

O que achou do cartaz do BE com a figura de Cristo e aquela frase do “ele também tinha dois pais”?

Coisas que ferem certos sentimentos religiosos ou outros não são admissíveis. Há sempre a criatividade artística e as coisas estéticas, mas isso não e separável do respeito por certos valores.

Houve uma prova de rebeldia do BE?

Não sei, acho que houve imponderação. Sobretudo num país como o nosso, em que as questões religiosas têm um peso enorme. É com esta realidade que temos de viver e há que respeitar o sentimento de um povo em que a igreja tem uma influência, quanto a mim excessiva, mas isso já é outra coisa. Sentimentos tão profundos como esse devem ser respeitados.

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