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A três (ou mais) somos mais felizes
Ninguém avança sem acordo prévio. Nem Maria* nem o companheiro de há oito anos, com quem tem dois filhos gémeos. Ambos frequentam clubes de swing e ambos têm em conjunto relações sexuais com mulheres. “O único homem que pode participar é o meu marido, eu não estou com outros homens”, conta a mulher de 31 anos que garante que a iniciativa de procurar sexo fora da relação foi sobretudo sua. Aventura e adrenalina parecem ser os ingredientes para a felicidade do casal, materializada em sexo casual e consentido. “A nossa relação é mais forte por haver essa liberdade sexual”, atira.
À partida pode parecer estranho alguém escolher estar envolvido com mais do que um parceiro, partilhar aspetos da vida privada e/ou aventuras sexuais, sobretudo numa sociedade onde a monogamia é um conceito consensual. Fugir a essa realidade é tentar encontrar respostas para perguntas como estas: será possível amar mais do que uma pessoa ao mesmo tempo ou, então, será que podemos amar realmente uma pessoa e ainda assim sentir atração sexual por outra?
A não-monogamia está associada à liberdade sexual que, para alguns, pode ser sinónimo de satisfação na própria relação. Expliquemo-nos. A segunda fase de um estudo feito por investigadores do Instituto Universitário de Lisboa e da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra tem como principal conclusão a seguinte ideia: as pessoas numa relação aberta, em que existe sexo casual e consentido fora da união, sentem-se mais satisfeitas na relação amorosa do que pessoas que fazem sexo sem o consentimento do parceiro.
Os números do Second Love
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O site Second Love é originário da Holanda e celebra seis anos em Portugal no próximo mês de abril. Até ao momento tem 235 mil utilizadores, sendo que 75% são homens e 25% são mulheres — a faixa etária compreende pessoas entre os 30 e 49 anos. A Grande Lisboa, o Grande Porto e Setúbal são as zonas geográficas onde se registam um maior número de utilizadores.
A investigação em causa teve por base 329 pessoas heterossexuais, com idades compreendidas entre os 18 e os 68 anos, registadas no site de encontros Second Love — orientado para indivíduos comprometidos e interessados em ter encontros sexuais ou virtuais com desconhecidos. Dessa amostra, 66 por cento eram homens e 122 pessoas estavam numa relação não-monogâmica, em que apenas era permitido ter sexo casual e consentido com outras pessoas (o que difere de uma relação poliamor, mas já lá vamos). Os resultados derivam de um questionário feito online e anonimamente, sendo que os dados foram recolhidos ainda em 2015 e analisados no princípio deste ano.
“Dessas 122 pessoas [inseridas em relações abertas] houve uma tendência para que a maioria se mostrasse mais satisfeita na própria relação”, explica ao Observador o psicólogo David Rodrigues, que encabeça a investigação de pós-doutoramento. Rodrigues não é o único a pensar assim. Outro estudo, divulgado pelo jornal britânico The Guardian em julho deste ano, deu conta de resultados semelhantes, embora entre casais homossexuais: relações não-monogâmicas podem levar a uma relação mais gratificante. “A minha impressão é que eles [homens em relações homossexuais abertas] não parecem menos satisfeitos, e talvez a comunicação entre eles seja melhor do que aquela em casais monogâmicos porque têm de negociar detalhes específicos”, chegou a dizer o investigador Christopher Stults.
“Em termos societais, a infidelidade é sempre vista de forma negativa, moralmente errada. Achamos à partida que as pessoas em relações não-monogâmicas são promíscuas, que são piores pessoas e que não têm valores morais”, continua o português David Rodrigues. “O que vejo através dos meus estudos é que é preciso pensar melhor o que são relações amorosas e como é que as pessoas se sentem nelas. As relações não são todas iguais.”
Já a psicóloga Cláudia Morais diz que no seu tempo de experiência profissional, quase a chegar aos 20 anos de carreira, sempre se cruzou com casais em relações abertas, embora não possa dizer que este tipo de união esteja numa espiral ascendente. É com base na experiência em consultório, mas também nos estudos a que teve acesso, que afirma que “os níveis de satisfação na relação ou a título pessoal nem sempre correspondem ao que é verbalizado”. Quer a psicóloga dizer que numa primeira abordagem, quando se entrevista um casal numa união deste tipo, tanto os problemas como as dificuldades parecem ser inferiores às reais dimensões. “Quando esmiuçamos, quando acedemos à intimidade emocional daquelas pessoas, damos conta, de um modo geral, de dificuldades mais sérias.”
E os ciúmes, para onde vão?
Para Cláudia Morais, falar de uma relação aberta é falar também de uma relação com mais riscos: ao estar com mais do que uma pessoa, seja íntima ou sexualmente, está-se a introduzir uma nova dinâmica ou desafio — se quisermos a imagem, mais uma bola com a qual fazer malabarismo. “Tem que ver com confiança e lealdade. Quando introduzimos terceiras pessoas torna-se mais difícil de gerir essa matéria”, assegura.
“Claro que já senti ciúmes. Há sempre ciúmes”, confessa Maria num tom descontraído. “No princípio é pior porque é um choque grande, mas depois há o fazer amor e há o fazer sexo”, continua. Aos 31 anos, a mãe de dois gémeos encara as coisas com naturalidade: é capaz de ter relações sexuais com o companheiro e mais mulheres com outros a ver, tal como é permitido nos clubes de swing, mas admite que, às vezes, um olhar ou uma empatia mais profunda do marido para um terceiro elemento é coisa de mexer com ela. “É tudo uma questão de maturidade na nossa relação. Temos de saber dizer não em determinado ponto”, diz, recordando-se da vez em que o companheiro avançou na direção de uma mulher de mais idade. “Já aconteceu ele querer indicar uma pessoa que não me dizia nada e eu não quis.”
De maneira diferente pensa Madalena*, que há oito meses está numa relação aberta contra os seus princípios. Foi o amor que a fez (e faz) ficar, à espera do dia em que o namorado dê um passo atrás na decisão que não deixa de ser de mútuo acordo. “Nunca fui apologista deste tipo de relações. Antes de o conhecer era algo completamente impensável. Não era esse o modelo que eu tinha na minha família. Achava que duas pessoas que gostam uma da outra podem bastar-se uma à outra sem que esse compromisso envolva uma dependência, uma perda de identidade”, conta. Até hoje Madalena recusa-se a saber com que pessoas ele esteve ou está, realidade que a assusta até pela questão das doenças sexualmente transmissíveis: “É como se estivesse a ir para a cama com uma realidade que não conheço. A verdade é que não há dia em que, depois de estar com ele, não pense nisso.”
“Muitas vezes há o esforço de controlar os ciúmes, mas eles acabam por ser instintivos porque não são mais do que o medo da perda, mesmo que haja uma definição clara dos limites. Não temos uma regra e um esquadro para definir o que é entrega emocional e o que não é”, defende a psicóloga. De um modo geral, Cláudia Morais diz que nas relações abertas raramente vê igualdade de circunstâncias. “São de um modo geral os homens a desejar esta alternativa e são de um modo geral as mulheres a ceder.” Ainda assim, a profissional faz a ressalva: em causa não está uma questão de anulação, mas uma vontade de ir ao encontro do outro.
Morais fala ainda do que diz ser a falta de compromissos numa relação deste género, ainda que explique de antemão que os casais a que teve acesso foram sempre em contexto de consultório, isto é, todos eles tinham questões por resolver. “Há um compromisso formal, apesar da abertura, mas na prática as pessoas queixam-se de não estarem tão amparadas quanto seria expectável.” Outra ressalva é a ideia de que as relações abertas não são exclusivas ao namoro de meses, até porque podem ser protagonistas em idade adulta, em cenários de casamento e/ou com filhos à mistura, tal como acontece com Maria.
Relações abertas ou fechadas. E poliamorosas?
São três relações, todas elas à distância. Dois companheiros e uma companheira, de há oito, quatro e um ano, respetivamente. Há muito que Joana* está habituada a ter mais do que uma pessoa na sua vida amorosa e garante que todas elas são importantes, que não há qualquer hierarquia. O que difere é o tipo de relacionamento, isto é, duas das relações têm carácter sexual, a outra nem por isso. Todos sabem da existência de uns e de outros, e todos podem ter outros parceiros, desde que sejam claros nas escolhas que fazem. A estudante de 26 anos também é feliz assim: “Não é fácil conjugar tudo, mas tenho mais pessoas à minha volta, a cuidarem de mim e eu delas”.
Joana está numa relação poliamorosa aberta. Confuso/a? Mais uma vez, expliquemo-nos: “A definição mais lata de poliamor é a existência de um relacionamento em que pode existir a possibilidade de outros relacionamentos afetivos e/ou sexuais com o consentimento de toda a gente”, começa por dizer Daniel Cardoso, professor universitário na Lusófona e investigador de temas relacionados com as questões de género, sexualidade e relações não-monogâmias. Dentro deste chapéu podem existir muitas realidades diferentes — desde a hipótese de três pessoas estarem numa relação fechada, no sentido em que só se relacionam entre si, ou o cenário em que uma pessoa está com alguém que, por sinal, tem um relacionamento com mais uma ou duas pessoas, o que configura uma relação poliamorosa aberta.
“Podem haver relações poliamorosas fechadas e abertas, e podem haver relações abertas que não são poliamorosas”, continua Daniel Cardoso. Para que não restem dúvidas: o caso de Maria, que pratica swing com o companheiro, diz respeito a uma relação aberta mas não poliamorosa, enquanto a história de Joana entra na categoria de relação poliamorosa aberta. Qualquer que seja a variante, a base é só uma: a do consentimento informado.
Relações abertas aos olhos da sociedade
Joana diz não ter problemas em falar sobre a sua vida amorosa, mas isso depende sempre das pessoas a quem se está a dirigir. A conversa só pende para esse tópico mais íntimo quando diante dela estão pessoas de confiança. Caso contrário, esse é assunto da esfera privada. Nesse aspeto, Maria é bem mais descontraída e admite falar sobre o assunto com os amigos — alguns dos quais já levou a clubes de swing –, mas nunca com os membros mais velhos da família. E com os dois filhos que já levam oito anos de idade? “Só falaria se, por ironia do destino, eles viessem a frequentar um sítio em comum connosco. Fora isso acho que esta é uma questão íntima do casal.”
Mas como é que a sociedade olha para estes tipos de relações? “Não olha por uma razão”, argumenta Cláudia Morais. “Estas pessoas não ‘escancaram’ a sua escolha, logo a sociedade não tem maneira de olhar.” Daniel Cardoso não partilha da mesma opinião, sobretudo depois de ter feito um estudo sobre as formas de discriminação de pessoas em relações não-monogâmicas, apresentado no Congresso Internacional de Estudos de Género em maio deste ano.
A investigação de carácter qualitativo e não quantitativo teve em conta a resposta de 30 pessoas a um questionário online, sendo que o objetivo era recolher o tipo de experiências já vividas: “Recolhemos vários relatos de situações de pessoas que passaram por discriminação, desde olhares de lado e comentários até situações graves, como vizinhos a chamar a polícia — isso é uma invasão de privacidade”, conta Daniel Cardoso. A isso acrescentam-se o que o professor académico diz serem as discriminações dentro do seio familiar, no sentido em que a pessoa afetada acaba por sofrer formas de alienação na família.
“Não dou hipóteses para críticas”, atira Maria, cujo tom descontraído dá agora lugar a assertividade. Numa tentativa de justificar as escolhas que fez e continua a fazer a nível sexual, diz o seguinte: “Tenho uma relação aberta, mas pratico swing. Ninguém está a enganar ninguém. Isto não é uma traição.”
*Nomes fictícios. Estas pessoas não quiseram ser identificadas.