Nasci e cresci na Colômbia, o segundo país com uma maior biodiversidade no mundo (o Brasil é o primeiro) em parte devido à sua geografia variada: a imensa floresta tropical Amazónica a sul, a cordilheira dos Andes no centro, as praias arenosas do Caribe no norte, o litoral selvagem do Pacífico a oeste, e as grandes planícies a este. A extraordinária geografia da Colômbia tem sido simultaneamente uma bênção e uma maldição. Por um lado, resultou em riqueza cultural e ecológica, o que proporciona oportunidades intermináveis para aventuras e explorações. Por outro lado, a topografia isolou a central e de alta altitude capital da Colômbia, Bogotá, da periferia rural. Em parte deve-se aos custos excessivos que acarreta o desenvolvimento de uma infraestrutura rodoviária adequada numa topografia tão acidentada. Consequentemente, a geografia da Colômbia deixa grande parte do território fora do alcance do governo central em Bogotá.

A falta de presença do governo em áreas rurais, combinada com a falta de instituições fortes, muitos anos de uma severa repressão política e de violência, e uma desigualdade persistentemente grande no domínio das terras, serviram como catalisadores para o aparecimento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (talvez mais conhecidas como FARC) em 1964. O grupo guerrilheiro, fundado por Manuel Marulanda e Jacobo Arenas, estabeleceu-se maioritariamente com militantes do partido liberal (esquerdista) nas áreas rurais, que em alguns casos eram negligenciados e, noutros, violentamente visados, pelo governo conservador (direita).

As FARC começaram por ser uma organização marxista-leninista auto-proclamada, cujo objetivo era representar e lutar pelos direitos pelos pobres de origem rural da Colômbia. No entanto, o compromisso com os ideais ideológicos comunistas, que as FARC tiveram nos seus primeiros anos, esmoreceram consideravelmente nos anos 80, quando o grupo começou a participar ativamente no tráfico de droga e em sequestros como meio de financiar a sua luta contra o estado. O aumento das receitas vindas do tráfico de droga e a fraca presença generalizada do estado nas áreas rurais, ajudou à rápida expansão territorial das FARC durante os anos 90.

Perante uma guerrilha cada vez mais forte, e em paralelo com o fracasso das negociações de paz de 1999 lideradas pelo governo de Andrés Pastrana, a Colômbia obteve um apoio substancial dos Estados Unidos na sua estratégia militar para derrotar as FARC no então chamado “Plano Colômbia”. O Presidente Alvaro Uribe, que tomou posse em 2002, assumiu uma posição dura sem precedentes contra as FARC e executou em força o “Plano Colômbia”. Durante os dois mandatos da presidência de Uribe (2002-2010), os militares da Colômbia conseguiram progressivamente empurrar as FARC para os recônditos dos seus bastiões, interromper a comunicação e o fluxo de mantimentos entre os vários grupos das FARC, e destruir significativamente a liderança das FARC. Em 2012, as dizimadas FARC concordaram iniciar formalmente as negociações de paz com o governo de Juan Manuel Santos, que tomou posse em 2010 e foi ministro da Defesa no mandato de Dr. Uribe. Naquele momento, não só as FARC mas também os Colombianos colocaram as suas esperanças na procura de uma resolução pacífica para o conflito.

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Depois de 52 anos de conflito e quatro anos de intensas negociações, em agosto de 2016 foi anunciado um acordo para acabar com o conflito e estabelecer uma paz duradoura. O acordo final foi assinado na presença do Secretário-Geral das Nações Unidas Ban Ki-Moon e de presidentes de vários países da região. Contudo, o acordo de paz estabelecido para trazer um fim ao mais longo contínuo conflito armado do mundo, não se efetivou depois de ter sido rejeitado por 50,2% dos eleitores num referendo de Outubro de 2016. A oposição ao acordo, liderada pelo antigo presidente Uribe, criticou o que aos seus olhos era um acordo demasiado indulgente com um grupo que na sua guerra contra o governo, matou mais de 200,000 pessoas e deixou milhões deslocados. Apesar da rejeição do acordo pelos eleitores, dias mais tarde, o Presidente Juan Manuel Santos foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz pela sua participação no processo, e passou-se a mensagem da comunidade internacional para que continuassem as negociações. Depois da derrota do acordo na votação, as FARC e os negociadores do governo introduziram algumas alterações propostas pela oposição e foi elaborado um acordo de paz modificado. Pouco tempo depois do anúncio do novo consenso, o parlamento Colombiano aprovou o novo acordo antes do final de 2016 e a sua implementação teve inicio efetivo de imediato.

A importância deste acordo, por imperfeito que possa ser, é incontestável quando consideramos que a maior parte dos Colombianos (eu e os meus pais incluídos) não disfrutámos de um único dia de paz. O acordo entre as FARC e o governo Colombiano abre finalmente a porta para que a Colômbia ponha um fim no seu duradouro conflito civil. Garantidamente que implementar o acordo não vai ser tarefa fácil, pois será necessário que os Colombianos caminhem um percurso desafiador de reconciliação e perdão. Além disso, a implementação do processo precisa proporcionar oportunidades alternativas aos Colombianos que ajudaram a reduzir a desigualdade do país, fortificar as instituições do país, e expandir a presença do governo por todo o país. Na verdade, por muito feliz que eu esteja com a perspetiva de paz na Colômbia, o final oficial da guerra com as FARC é apenas o início de uma longa caminhada para chegar à paz (felizmente, enquanto escrevo este artigo, o governo Colombiano e os rebeldes do ELN – o último grupo ativo da guerrilha – iniciaram as conversações de paz).

O suporte da comunidade internacional, que foi decisivo no alcance do acordo de paz com as FARC, poderá também ter um papel fundamental na implementação do processo. Construir uma paz estável e duradoura necessita não só de gerir os riscos durante o período de transição pelo qual o país está a passar, mas igualmente importante, necessita antecipar os desafios de longo prazo que seguramente irão surgir durante o caminho. Esta transição pós-conflito é onde a assistência da comunidade internacional pode provar ser uma grande ajuda, pois pode auxiliar o país fornecendo o apoio e os recursos necessários para que a paz seja duradoura. Por outras palavras, o apoio da comunidade internacional é fundamental para ajudar os Colombianos a assegurar a paz e a preparar o caminho para mudar a história violenta do país de uma vez por todas.

Assistant Professor na Católica Lisbon School of Business & Economics