Miguel Santo Amaro tem 25 anos. A certeza com que fala da Uniplaces, de Lisboa e das decisões que o levaram a um escritório do Bairro Alto, em plena baixa lisboeta, não tem idade ou tempo. Tem vontade. Não a de sair da cidade que já vê como sua, mas a de fazer acontecer.
Cinco anos fora do país, em Inglaterra e nos Estados Unidos da América (EUA), foram o suficiente para perceber que era no Portugal de 2012, da troika e da crise, que queria estar. O factor “risco” foi o ponto de partida. Dois anos depois, correu bem ou correu mal? Três prémios, 30 colaboradores e presença em três capitais europeias: Lisboa, Londres e Madrid. E isto com base numa meta: criar um sistema online fácil, simples e seguro, no qual qualquer pessoa, de qualquer país do mundo, possa encontrar uma casa para arrendar na cidade para onde vai viver.
A Uniplaces foi um dos projectos que inaugurou a Startup Lisboa, incubadora de empresas que nasceu a 400 metros do Tejo, entre a Praça da Figueira e a do Comércio, para dar vida a novas ideias de negócio. Foi num edifício de traça antiga que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) decidiu avançar com a estratégia de apoio e promoção do empreendedorismo na cidade. A iniciativa arrancou em Fevereiro de 2012, nove meses depois da chegada da troika a Portugal, quando a taxa de desemprego se situava em 14,6%, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).
Objectivo: “tornar Lisboa numa das cidades mais competitivas, inovadoras e criativas da Europa”, explica Graça Fonseca ao Observador. A vereadora da CML com o pelouro da Economia, Inovação, Educação e Reforma quer que a capital se transforme numa verdadeira startup city, um centro de negócios para empresas com elevado potencial. Terá sido deste espírito que São Francisco “bebeu” para dar origem a Silicon Valley, o maior do género, nos EUA, em meados do século passado?
Uma startup city potencia a criação de emprego, cria valor e mostra o talento que existe em Portugal, refere Graça Fonseca, vereadora da CML.
O desenvolvimento de um ecossistema empreendedor é um dos quatro vectores de actuação da CML para a economia da cidade. Os restantes passam pela captação de investimento, pensando na cidade como um “centro de negócios atlântico”, ligação ao ecossistema de ensino, investigação e inovação da cidade e pela criação de clusters estratégicos, onde se incluem as indústrias criativas, economia do mar, tecnologias de informação e comunicação e a saúde e bem-estar.
O fenómeno dá resposta a duas questões, explica Graça Fonseca. “Potencia a possibilidade de criação de emprego e a transformação de ideias em negócios que criam valor, tanto mais na conjuntura adversa em que vivemos; e dá mostras do valor e potencial dos recursos e talentos nacionais, aumentando a visibilidade da cidade e do país em termos internacionais”, acrescenta.
Nove meses depois da inauguração do primeiro edifício da Startup Lisboa, dedicada ao sector tecnológico e em parceria com o Montepio, o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI) e a Sage, empresa de software de gestão para pequenas e médias empresas, surge o segundo, especializado em turismo e comércio. Os dois espaços são a casa de 250 pessoas, oriundas de 80 startups, empresas recém-criadas ou em fase embrionária, com ideias inovadoras e um potencial de crescimento elevado.
A incubadora lisboeta foi uma das ideias mais votadas no Orçamento Participativo de Lisboa de 2011. Nasceu da vontade dos cidadãos. No momento em que estão a decorrer as obras de requalificação de um terceiro edifício, também na baixa da cidade, João Vasconcelos, director executivo, explica ao Observador o que mudou nos últimos dois anos.
“Nada está igual. Pela primeira vez, a CML teve um vereador com este pelouro e esta estratégia, sendo que a crise veio dar uma importância e um mediatismo ao empreendedorismo que este não tinha antes. As universidades começaram a olhar para o empreendedorismo como uma solução para muitos dos seus alunos, que não estavam a encontrar um lugar no mercado de trabalho. Quando o maior problema é o desemprego, nomeadamente o jovem, é a melhor solução”, adianta João Vasconcelos.
A quem consegue um espaço de trabalho na incubadora, a Startup Lisboa providencia o acesso a parceiros que disponibilizem serviços especializados a um custo mais baixo, faz a ligação aos mentores, a ponte entre empreendedores e investidores, promove a partilha de conhecimento e organiza workshops, eventos ou sessões de esclarecimento. O espaço custa às empresas cerca de 150 euros por mês e inclui serviços administrativos, limpeza, sala de reuniões, eventos, contacto com os mentores, entre outros.
Quem quiser concorrer aos espaços, deve candidatar-se no site da incubadora. João Vasconcelos conta que o espaço tem sido muito procurado por estrangeiros. Cerca de 30% dos candidatos são de fora do país. “Não sabíamos que havia tantos europeus a querer vir para Portugal montar a sua empresa”, diz.
Quando a CML começou a trabalhar na construção de um ecossistema empreendedor, há cerca de três anos, o objectivo também passava por mostrar que a cidade era capaz de competir com Berlim, Londres ou Barcelona. Os primeiros passos já foram dados, com mais cinco iniciativas municipais: Fablab Lisboa, Programa de Empreendedorismo Jovem de Lisboa, Lisboa Empreende, Startup Loans e a Rede de Incubadoras de Lisboa.
Pelo caminho, algumas dificuldades de interligação de iniciativas e projectos têm vindo a ser ultrapassadas através de parcerias e da mobilização de agentes. Objectivo: criar uma estratégia comum. “Progressivamente, foi sendo possível articular e conetar entidades públicas e privadas em torno de iniciativas de promoção e apoio a todos os que têm talento, ideias, startups”, diz Graça Fonseca.
Lisboa tem “todas as condições” para atrair novas ideias de negócio: acesso estratégico aos mercados internacionais, força de trabalho competitiva, qualificada e flexível, “excelente” qualidade de vida, infraestruturas modernas, entre outras, afirma a vereadora.
Na mira, está a internacionalização e a afirmação global da capital portuguesa como uma cidade empreendedora. “Temos a confiança absoluta de que Lisboa reúne um conjunto de atributos que permitirá transformar-se numa verdadeira startup city, não apenas a uma escala europeia, mas também mundial”, refere.
Em 2013, a revista norte-americana Entrepreneur considerou Lisboa uma das cinco melhores cidades do mundo para criar uma startup tecnológica. Em 2012, os sectores de alta e média tecnologia, como farmacêuticas, produtores de equipamentos informáticos, electrónicos ou químicos, representavam 12% do valor acrescentado bruto do total das sociedades não financeiras, investindo mais em investigação e desenvolvimento e empregando recursos humanos melhor remunerados, de acordo com o INE. Entre 2010 e 2012, este contributo cresceu de 11,5% para 12%. Estamos prontos para uma Silicon Valley?