Colômbia. Medellín. Escobar. Não, o protagonista desta história não é Pablo Escobar, o homem que virou Medellín do avesso com o seu negócio de droga e consequente criminalidade. Existe, infelizmente, uma outra equação com essas três palavras, mas comecemos pelo princípio. “El Patrón”, como era conhecido Pablo Escobar, qual Robin Hood que tirava aos ricos (e não só) e dava aos pobres, foi assassinado em dezembro de 1993. Este homem construiu casas, escolas e campos de futebol para o povo e foi, por isso, adorado. O futebol era um dos seus fascínios, o que o levou a ter a ideia de juntar o útil ao agradável. A sua marioneta foi o Atletico Nacional, um clube colombiano da Primeira Divisão, para onde atraiu e segurou alguns dos melhores jogadores e, em simultâneo, onde lavava dinheiro que resultava da sua vida criminosa.
Escobar tinha uma relação próxima com os jogadores e até convidava alguns para eventos onde estava presente “malta da pesada”, como diz a sabedoria popular. Nem todos os futebolistas achavam piada a este tu-ca tu-la. Um deles, curiosamente com o mesmo apelido, era Andrés Escobar, um defesa central nascido em 1967. Andrés, chamemos-lhe assim para não haver confusão com o senhor da droga, fazia parte da seleção que disputaria o Campeonato do Mundo nos Estados Unidos, em 1994. Quatro anos antes, já havia ajudado a Colômbia a atingir os oitavos-de-final do Itália-90.
Muito antes de haver Falcao, James Rodríguez, Cuadrado, Guarín, Bacca, Balanta, Jackson Martínez e companhia, a Colômbia já havia sido brindada com uma geração de ouro, porventura mais do que esta. Valderrama era o Maradona da terra do café. Rincón, Valencia e Asprilla colocavam os olhos na baliza. Andrés Escobar, o capitão, e mais três fechavam os caminhos para a baliza de Óscar Córdoba. Mas foi um jogo a 5 de setembro de 1993 que tornaria estes futebolistas dignos do Olimpo.
Tudo aconteceu na última jornada da fase de qualificação no Estádio Monumental, em Buenos Aires. Os argentinos precisavam de vencer, enquanto aos “cafeteros” bastava um empate. Senhoras e senhores, o que vai acontecer nas próximas linhas é uma das explicações por que decidimos ver durante uma hora e meia 22 homens em calções atrás de uma bola. Vamos ao que interessa. Rincón foi o primeiro a enganar Goycochea, já muito perto do intervalo. O médio do Palmeiras bisaria. Asprilla, que espalhava magia pela Serie A com Zola e Brolin (Parma), também marcaria dois golos aos argentinos. O festival seria concluído por Adolfo Valencia. Cinco-zero. A humilhação perante as suas gentes levou Alfio Basile ao desespero: “Nunca mais quero pensar neste jogo. Isto foi um crime contra a natureza, um dia em que quero cavar um buraco no chão e enterrar-me.”
A Colômbia de Pacho Maturana chegaria ao Campeonato do Mundo nos Estados Unidos com o mundo a olhar para si. Afinal, quem era aquela gente que massacrou a equipa de Ruggeri, Simeone e Batistuta?
A DESILUSÃO E A TRAGÉDIA
Roménia, Estados Unidos e Suíça. Eis o grupo que saiu em sorte à seleção de Valderrama, o tal génio da farta cabeleira. Na primeira jornada, os romenos Răducioiu (dois golos) e Hagi dariam o primeiro murro no estômago dos colombianos (3-1) — Valencia ainda reduziu para 2-1. Seguiu-se a derrota com o país organizador: EUA. O primeiro golo surgiu, sensivelmente, à passagem da meia hora. Um cruzamento quase rasteiro da esquerda do ataque norte-americano seria cortado por Andrés Escobar em carrinho… para dentro da baliza. Um-zero para os americanos. O central, ainda no chão, levou as mãos à face. A desilusão era veneno a correr nas suas veias. Acabara de trair o seu país. “Acontece”, pensará o leitor. Mas esta história teria um final trágico… Stewart marcaria o dois-zero e Valencia reduziria aos 90′ (1-2). O desastre colombiano continuava.
Chegados à última jornada com duas derrotas, os colombianos teriam de vencer a Suíça e esperar que os Estados Unidos vencessem a Roménia. Gaviria e Lozano seriam os obreiros da vitória sobre os helvéticos, mas a Roménia também cumpriria (1-0, Petrescu). Ponto final na participação colombiana. Depois de tanto sonho e ambição na bagagem, abandonariam o território do Uncle Sam com uma mão cheia de nada.
Vale a pena recordar as palavras do selecionador, Maturana, após o Mundial, fazendo uma ligação com o cinco-zero à Argentina. “O resultado [5-0] foi excelente porque mostrámos ao mundo que a Colômbia está preparada para grandes ocasiões. Não é por acaso que atingimos três Campeonatos do Mundo consecutivos. Alguns dirão que aquela vitória [contra a Argentina] entrou nas nossas cabeças mas é o futebol. É um veículo para sonhos e desilusões, e ganhar nunca pode causar dano. Esse resultado não tem nada a ver com o que aconteceu depois [no Mundial]”, explicou Maturana.
A ressaca de um fracasso é sempre complicada de gerir. Se os adeptos sofrem, como se sentirão os jogadores? Afinal, são eles que suam a camisola e transportam às costas o peso dos sonhos de um país inteiro. A história de Andrés mudaria a partir daquele golo na própria contra os Estados Unidos.
“A vida não acaba aqui. Temos de continuar. A vida não pode acabar aqui. Não importa o quão difícil é, temos de manter-nos de pé. Só temos duas opções: ou permitimos que a raiva nos paralise e a violência continue; ou ultrapassamos e tentamos o nosso melhor para ajudar outros. É a nossa escolha. Deixem-nos, por favor, manter o respeito. O meu mais caloroso cumprimentos para todos. Tem sido uma incrível e estranha experiência. Voltaremos a encontrar-nos brevemente porque a vida não acaba aqui.” Estas palavras, tendo em conta o que se passaria pouco depois, são arrepiantes e fazem engolir a seco — o capitão escreveu este texto para o jornal colombiano El Tiempo após a eliminação nos EUA-94.
A vida não acabava ali. Andrés referiu-o três vezes. Em vão. Maturana havia aconselhado os jogadores a passar uns tempos em solo norte-americano para que os ânimos serenassem na Colômbia. Andrés recusou, acreditando que toda a gente estava com eles. Numa noite de julho, apenas dez dias depois daquele infortúnio contra os EUA, descobriria da pior maneira que não era bem assim.
Existem, pelo menos, três versões do episódio que se segue. Uma dá conta de que Andrés entrou numa discussão com três homens num bar em Medellín por causa do tal lance contra os EUA. O futebolista acabaria por abandonar o recinto mas seria perseguido até ao parque de estacionamento, onde seria assassinado. Reza a história que foi atingido por seis tiros. Outros referem que terá sido um ajuste de contas: a máfia colombiana estava insatisfeita porque teria investido milhões em apostas naquela partida. “Obrigado pelo golo na própria”, terão dito. Há ainda uma outra tese, esta mais fraca, que iliba o futebol e que refere que o jogador terá abordado uma mulher no tal bar e que os acompanhantes não gostaram da brincadeira. Veja aqui, segundo o jornal El Tiempo, as últimas horas de Andrés Escobar.
O assassino de Andrés foi Humberto Muñoz Castro, que confessou o crime e recebeu uma pena de 43 anos de prisão. No entanto, seria libertado apenas 11 depois (2005) graças ao bom comportamento. “Não há direito que um sujeito condenado a 43 anos saia pagando 11 anos de prisão e esteja tranquilamente na rua. Num país civilizado já tinham levado esse senhor à cadeira elétrica. Mas acontece que por vender doces e chocolates dentro da prisão ou por varrer meia hora por ali tem direito a ficar livre. Isso é uma coisa tão ridícula que nem tem nome”, afirmou Darío Escobar, o pai de Andrés, em declarações que se podem ler num artigo do El Colombiano. A decisão do juiz levou a protestos e insatisfação da população colombiana
Em julho de 2002, a cidade de Medellín, onde o capitão dos “cafeteros” havia nascido, ergueu um monumento em homenagem ao jogador.