A infeção por VIH/sida é atualmente considera uma doença crónica – os tratamentos antirretrovirais (contra retrovírus como VIH) conseguem controlar a doença, mas ainda não foi encontrada uma cura. Um grupo de investigadores da Universidade de Aarhus e dos Hospitais Universitários de Aarhus, na Dinamarca, procuram uma nova forma de levar o sistema imunitário a combater a doença. Os resultados preliminares foram apresentados na terça-feira na 20ª Conferência sobre a Sida 2014, em Melbourne, Austrália.
Quando um organismo é exposto a uma infeção, o sistema imunitário entra em funcionamento e começa a combater o agente estranho. No caso de uma infeção por VIH (vírus da imunodeficiência humana) o processo é o mesmo: os macrófagos (células grandes do sistema imunitário) chegam em primeiro lugar e “comem” (fagocitose) o vírus para tentar impedir a multiplicação deste. Porém, o VIH é capaz de se instalar no interior das células do sistema imunitário e só é eliminado quando a célula morre.
Os macrófagos têm um tempo de vida curto, cerca de uma ou duas semanas, portanto mesmo que sejam infetados com o vírus, quando morrerem podem eliminá-lo. Já os linfócitos T4 ou linfócitos de memória, que chegam em resposta à atividade dos macrófagos, podem viver vários anos, “guardando a memória” das reações anteriores para uma resposta mais rápida do sistema imunitário em relação à infecção. Estes são os glóbulos brancos preferidos pelo vírus, para se esconderem e formarem reservatórios, pela afinidade com a molécula CD4 que os linfócitos T4 (ou linfócitos CD4) têm na membrana.
Matar o vírus matando as células que os mantém
Os linfócitos CD4 não são capazes de combater diretamente os agentes patogénicos (que causam doença), mas marcam os elementos que os linfócitos CD8 devem eliminar. Partindo deste conhecimento, os investigadores de Aarhus conseguiram fazer com que o VIH ao manifestar-se deixasse marcas na membrana dos linfócitos CD4. Reconhecendo estas marcas, os linfócitos CD8 eliminam as células e consequentemente os reservatórios de VIH.
Mesmo assim o sistema imunitario dos doentes pode não conseguir combater as células identificadas por se encontrar enfranquecido. O próximo passo será combinar os dois passos: a ativação do vírus através de um medicamento anticancerígeno (como foi conseguido até agora) e uma vacina para aumentar a capacidade dos linfócitos CD8 combaterem o VIH.
“Mostrámos que podemos ativar um vírus adormecido usando com romidepsina [anticancerígeno] e que este se move para a corrente sanguínea em grandes quantidades. É um passo na direção certa, mas ainda há um longo caminho a percorrer e muitos obstáculos a ultrapassar antes de pudermos falar de uma cura para o VIH”, afirma o investigador e médico Ole Schmeltz Søgaard.
A formação dos reservatórios
Sem terem uma maquinaria que lhes permita multiplicar-se, os vírus aproveitam-se dos organismos que parasitam, mais propriamente das células destes organismos – autênticas fábricas para servir os propósitos da infeção. Assim, sediado e escondido dentro dos linfócitos T4, o VIH lança o ataque no organismo – multiplicando-se, viajando no sangue e afetando vários órgãos, ao mesmo tempo que fragiliza o sistema imunitário.
Os tratamentos antirretrovirais combatem o vírus, impedindo a multiplicação e dispersão pelo organismo, mas não consegue eliminar o vírus que se encontra refugiado dentro dos linfócitos T4. Se o tratamento com antirretrovirais se iniciar poucos minutos depois da exposição ao vírus, como um médico que se pica na agulha de um doente seropositivo (tratamento preventivo pós-exposição), diminui-se a probabilidade do vírus criar reservatórios nas células e aumenta-se a probabilidade de eliminar o vírus do organismo antes deste ter possibilidade de formar esses reservatórios.
O vírus da imunodeficência dos símios (VIS) comporta-se da mesma forma. Um estudo publicado esta segunda-feira revelou que mesmo começando o tratamento antirretroviral três dias após a exposição ao vírus este é capaz de formar reservatórios nas células do sistema imunitário. Em todos os casos em que se usaram os tratamentos foi possível controlar a replicação do vírus, mas depois do tratamento ser interrompido o vírus voltam a espalhar-se no sangue.