Uma equipa de investigadores conseguiu aumentar o tempo de vida dos órgãos para transplante fora do organismo. A técnica desenvolvida com ratos de laboratório permitiu que os fígados pudessem conservar-se viáveis até quatro dias, contra as 24 horas máximas que as técnicas tradicionais permitem. Todos ratos que receberam fígados após três dias de conservação sobreviveram e 58% dos que receberam fígados com quatro dias também, refere o comunicado Institutos Nacionais de Saúde norte-americanos (NIH).
Depois de retirado do organismo, o fígado tem cerca de 12 a 24 horas para ser transplantado no novo dono. Aumentar o tempo de vida do órgão dará mais tempo para encontrar um recetor compatível (evitando as rejeições), preparar convenientemente o órgão e transportá-lo até onde for preciso (podendo aumentar a distância entre dador e recetor). A técnica que permite conservar o fígado de ratos por quatro dias foi desenvolvida por uma equipa financiada pelos NIH e publicada no final de junho pela revista Nature Medicine.
A técnica consiste em três passos: fornecimento de nutrientes, oxigénio e líquido protetor; refrigeração a -6º C e armazenamento; e aumento da temperatura até 4º C com novo fornecimento de nutrientes e oxigénio antes do transplante. Desta forma foi possível manter os órgãos a temperaturas baixas, que diminuem o ritmo a que as células morrem depois de o órgão ser retirado do corpo, mas sem recorrer à congelação que também levaria à morte das células e, consequentemente, à morte do órgão.
“Quanto mais tempo conseguirmos conservar os órgãos doados, maior a possibilidade do doente encontrar a melhor correspondência possível, permitindo tanto a médicos como a doentes estarem completamente preparados para a cirurgia”, refere em comunicado dos NIH Rosemarie Hunziker, diretora do programa de engenharia de tecidos e medicina regenerativa do Instituto Nacional de Imaginologia Biomédica e Bioengenharia dos NIH. “Este é um passo muito importante no avanço da prática de armazenamento de órgãos para transplante.”
O próximo passo será testar esta técnica em animais maiores. “O sistema é essencialmente o mesmo, mas quando passamos de um órgão com 10 gramas [fígado dos ratos] para um com quase dois quilogramas [como o fígado humano] há mudanças a enfrentar e muitos ajustamentos a fazer para que o fígado se mantenha refrigerado e protegido durante o processo”, notou Bote Bruinsma, um dos autores do estudo e investigador no Centro de Engenharia em Medicina dos Hospitais Gerais de Massachusetts, acrescentando que, se tudo correr bem a técnica, poderá estar em ensaios clínicos em três ou quatro anos.
“Tanto quanto sabemos, esta é, até à data, a preservação mais longa com transplante bem sucedido”, disse Korkut Uygun, outro dos investigadores envolvidos no estudo. “Se pudéssemos fazer isto com órgãos humanos, poderíamos compartilhar órgãos a nível global, ajudando a aliviar a escassez de órgãos no mundo.”
Dia Mundial da Hepatite
Quando esta técnica estiver disponível com fígados humanos, o número de órgãos disponíveis para doentes que sofrem de cirrose e cancro do fígado – doenças que podem ser causadas pelo agravamento da inflamação do fígado (hepatite) – vai aumentar. A hepatite pode ser causada por uma infeção com um dos cinco tipos de vírus de hepatite (hepatite viral) – A, B, C, D e E. Todos os anos morrem cerca de 1,4 milhões de pessoas por hepatite viral, quase tantas quantas as que morrem por causa da infeção por VIH/sida (1,5 milhões).
Até lá, até ser possível implementar a técnica agora descoberta, as campanhas de informação e prevenção continuam a ser o principal foco da Organização Mundial de Saúde (OMS). Os tipos de hepatite A e E são causados, regra geral, pela ingestão de alimentos ou água contaminados, já os tipos B, C e D são causados pelo contacto com fluídos infetados – partilha de seringas ou de material médico contaminado, contacto sexual ou contaminação da mãe para o bebé.
Atualmente existem vacinas preventivas para as hepatites A, B e E, sendo que a vacina da hepatite B também fornece proteção contra a hepatite D – um vírus que só afeta doentes já infetados com o tipo B. A única que continua sem vacina é a hepatite C, mas os tratamentos antirretrovirais são eficazes em 50 a 90% dos casos, segundo a OMS.
Esta segunda-feira, celebra-se o Dia Mundial da Hepatite, dia escolhido por ser o aniversário de Baruch Samuel Blumberg, prémio Nobel da Medicina de 1976 pela descoberta do vírus da hepatite B.