A sessão plenária desta quarta-feira começou com um assunto imprevisto: a decoração dos corredores da Assembleia da República. É que os deputados foram surpreendidos esta tarde quando se depararam com uma exposição com os bustos dos vários presidentes da República, nomeadamente com as figuras de António Óscar Carmona, Américo Tomás e Craveiro Lopes, presidentes do Estado Novo. ‘Os Bustos da República’ estão a dividir a esquerda e a direita no Parlamento, com a esquerda (PS, PCP e BE) a pedir a suspensão imediata da exposição, e a direita (PSD e CDS) a falar em “história” e não em “política”. A discussão vai ser encaminhada para Conferência de Líderes, confirmou o vice-presidente da Assembleia Guilherme Silva ao Observador.
Ainda antes da sessão plenária, o vice-presidente do Parlamento Guilherme Silva confirmou ao Observador a iniciativa de convocar a reunião entre os líderes parlamentares das várias bancadas para discutir o assunto que invadiu os corredores da Assembleia da República esta tarde. A exposição foi autorizada pela presidente da Assembleia, Assunção Esteves, e, segundo Guilherme Silva, “cumpre todos os trâmites necessários”. Mas mesmo assim, e dada a “polémica instalada”, vai ser repensada pelo Parlamento.
A confusão em torno dos bustos, que esta quarta-feira foram o centro das atenções no Parlamento, instalou-se durante a reunião da comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais, quando, de acordo com o Expresso, o comunista António Filipe, que é também vice-presidente do Parlamento, abordou o tema para se mostrar “indignado” e “insultado”. “Isto não é uma qualquer galeria de exposições privadas, isto é um órgão de soberania da democracia”, atirou.
O protesto de António Filipe fez-se acompanhar pelas vozes dos socialistas Isabel Moreira e Jorge Lacão, e por Cecília Honório, do Bloco de Esquerda. À direita, Carlos Abreu Amorim (PSD) e Teresa Anjinho (CDS) contra-argumentaram que “não podemos apagar nem reescrever a História”. Para o deputado social-democrata, que lembrou que a exposição foi originalmente apresentada na Câmara Municipal de Barcelos, “foram cumpridos todos os procedimentos necessários, incluindo a aprovação pela comissão Parlamentar de Educação”, por se tratar de uma mostra de caráter “histórico-educativo”.
Mas a explicação de Abreu Amorim não convenceu Jorge Lacão, que se exaltou e disse que esta exposição é o mesmo que se o Parlamento alemão ou italiano expusessem bustos de Hitler e Mussolini. Uma comparação que, para Abreu Amorim, é algo “verdadeiramente estapafúrdio”.
Bustos dividem esquerda e direita no Parlamento
O tema inaugurou a sessão plenária desta tarde, a pedido do líder parlamentar do PCP, João Oliveira, que falou em “incompatibilidade” entre os “símbolos do fascismo” e a casa da democracia. E a indignação comunista mereceu aplausos das restantes bancadas da esquerda. “É inadmissível colocar no mesmo patamar presidentes democraticamente eleitos com os presidentes do fascismo”, disse o bloquista Pedro Filipe Soares, que acusou a iniciativa de ser uma “lavagem da imagem da ditadura e do fascismo”. O PS foi mais contido, com José Junqueiro a pedir a transferência da discussão para a Conferência de Líderes, de modo a ser devidamente “ponderada”.
Já os partidos da maioria alinharam-se para defender a exposição, que foi pedida pela câmara de Barcelos (que, lembram, é socialista) e cuja realização terá sido aprovada pela comissão de Educação e Ciência e depois por Assunção Esteves. “Não há nenhum problema de extrema-direita neste país”, disse o deputado do PSD Abreu Amorim, afirmando que a democracia “é segura e está suficientemente consolidada” para admitir uma exposição deste cariz. E “não faz sentido” transportar uma exposição “histórica” para um “caso político”, disse.
A “sobrevalorização” do tema foi reforçada por Nuno Magalhães, que sublinhou o propósito da exposição: assinalar os 100 anos de presidência da República, que englobam “as três épocas da nossa história: a Primeira República, a ditadura militar e o Estado Novo, e a Democracia”.
A exposição ‘Cem anos de Presidência’, de Joaquim Esteves, foi uma iniciativa da Câmara Municipal de Barcelos e inclui os bustos, em barro escuro, de todos os presidentes desde a Primeira República (de Manuel de Arriaga a Manuel Teixeira Gomes), passando pela Ditadura Militar e Estado Novo (de Mendes Cabeçadas a Américo Tomás) e terminando no período atual pós-25 de abril (de Spínola a Cavaco Silva). A exposição devia ser inaugurada esta quinta-feira e ficar patente até ao final do mês.