Ninguém esperava que naquela tarde de 2 de agosto de 1959, na Rua Javari, em São Paulo, um rapaz de 18 anos iria marcar um dos melhores golos que o futebol já viu. Poucos tiveram o prazer de o ver. Não há filme. Só há memória. E é assim mesmo que muitos deuses, lendas e mitos nascem. “Os deuses são deuses porque não se pensam”, escreveu Fernando Pessoa. Bom, com Pelé a cantiga é outra. O brasileiro foi um deus porque marcou golos como o daquela tarde, que mais parece ter tido a chancela do Olimpo, a morada de outros deuses.
Tudo aconteceu no Campeonato Paulista, num Santos-Juventus. “Foi um feito memorável. Os juventinos estavam jogando de igual para igual com o Santos, apesar da derrota. Mas a torcida estava pegando no pé do Pelé. De repente, ele vira para a arquibancada e faz um sinal de ‘espera um pouquinho’. Depois, dominou a bola no peito e deu três chapéus. Chapelou até o Mão de Onça, que era o goleiro. Ele emudeceu a torcida. Depois começámos a aplaudir também”, lembra Ernesto Paulella, um dos espectadores, em declarações encontradas no site acervosantista.com. Nota: não é fácil encontrar muita coisa sobre aquela tarde de agosto.
Pelé tinha apenas 18 anos. Não sonhava que iria vencer mais dois Campeonatos do Mundo com a seleção brasileira, depois da conquista no Mundial da Suécia, em 1958. Ou que iria meter no bolso seis Campeonatos Brasileiros, dez estaduais, duas Taças Libertadores e uma Intercontinental. Ainda nem ousava pensar em ser uma lenda. Não sabia sequer que iria marcar mais de 1000 golos na carreira, e que depois seguiria viagem para os Estados Unidos para espalhar magia com Franz Beckenbauer no New York Cosmos. Não. Pelé era apenas um garoto que gostava de dar uns pontapés na bola.
Nessa tarde de agosto, o camisa 10 eterno do Brasil começou a vestir a capa de super-herói de uma nação inteira. O jogo terminou 4-0 para os visitantes, mas que importa? Aquela sucessão de gestos, qual ritual de encantamento, seria imortal. Há relatos que garantem que mais tarde o ex-jogador nomeou esse o golo mais bonito da carreira. E foram muitos. Ver o vídeo ajuda a compreender porquê. Dominar a bola com aquela subtileza, como quem está na praia tranquilo, passá-la por cima de três adversários, entre eles o guarda-redes, e encostar de cabeça para a baliza deserta não é para todos. Bom, na verdade deverá ser só para Pelé, pois nunca se viu nada assim. É ver e desfrutar. É esquecer que as imagens mais parecem retiradas de jogos como o FIFA e imaginar. Imaginar que Pelé era capaz daquilo tudo…