Perseguia o pai para todo o lado. Pela casa, na rua, no supermercado e, claro, no relvado. Levava-o “muitas vezes aos treinos” e lá ficava ele, a assistir e a brincar com uma bola. Até que um dia, por acaso, Carlos Valderrama, o júnior, não foi. Toda a gente estranhou. Especialmente um “jogador argentino” e “amigo” do pai. “Ei, onde está El Pibe?”, perguntou, indo buscar uma expressão que, no seu país, significa ‘criança’. O nome, um argentino, ficou “desde os sete anos”.

E a alcunha veio do mesmo país que deu a Cristiano Ronaldo o homem que corre sempre contra ele nas conversas sobre quem é melhor: Lionel Messi. Agora, para Valderrama, não há dúvidas. “É Ronaldo, porque marca golos em todos os jogos”, resume, de forma tão simples como lembra o momento em que, em miúdo, foi batizado em Santa Marta, a sua cidade na Colômbia.

A criança já lá vai. Hoje Valderrama está com 53 anos. Graúdo, sereno e bem-disposto. Com um casaco amarelo nos ombros, a tapar as dezenas de pulseiras que lhe prendem cada braço, e uma cabeleira loira e com caracóis a assentar-lhe na cabeça. Como sempre. É assim que se encontra com o Observador em Lisboa, a meio da Semana da Colômbia, um evento para promover o seu país em Portugal.

Era a terceira vez que vinha à capital. “Uma para jogar, outra para visitar e agora para trabalhar”, resume. É a parte dos pontapés na bola que nos interessa. “Lembro-me de muita coisa. Aqui há sempre um grande ambiente futebolístico”, diz, ao recordar “o jogo complicado” de 1988 — quando, com o Montpellier, de França, foi a Lisboa perder 3-1 na segunda mão de uma eliminatória da Taça UEFA. Jogou contra Chalana, Valdo, Mozer e Veloso, mas a memória guardou outra coisa. “O Estádio da Luz, que sempre nos recebia com ‘boa luz’, fiquei com uma sensação muito boa”, revelou, antes de confirmar que “foi um jogo complicado”.

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Feb 1994:  Carlos Valderrama of Colombia looks on during a Joe Robbie Cup game against Sweden in Miami, Florida.  The game ended in a 0-0 tie. Mandatory Credit: Al Bello  /Allsport

Carlos Valderrama fez 111 jogos pela seleção colombiana, com 11 golos pelo meio, e capitaneou-a nos Mundiais de 1994 e 1998.

Carlos Valderrama era craque. É assim que a Colômbia o vê. E vimos nós quando, antes de a conversa arrancar, esperarmos uns minutos para que cinco colombianos pousassem, à vez, para serem fotografados ao lado de ‘El Pibe’. A Europa recebeu-o durante quatro anos: três épocas em Montpellier (1988-91) e outra no Valladolid, em Espanha (1991-92).

No clube gaulês conviveu com Eric Cantona, Laurent Blanc, o “hoje treinador do Paris Saint-Germain” e, sobretudo, com Roger Milla — o camaronês que, em 1990, marcou dois golos que embalaram a Colômbia de Valderrama para fora do Mundial, nos oitavos de final. “O Milla sempre foi muito engraçado. Falámos disso quando voltámos, mas foi uma coisa desportiva e que aconteceu no campo. Levou bem alto as cores do seu país. Só lhe quero bem”, confessou, ao recordar o homem que, como Valderrama, jogou até para lá dos 40. “Tudo depende se o jogador quer durar muito tempo, ou não”, garantiu.

Jogou três Mundiais (1990, 1994 e 1998) com a sua seleção e ao lado de Freddy Rincón e Faustino Asprilla. “No meu tempo só havia dois ou três jogadores na Europa. Era diferente. Começámos a abrir portas”, explica, ao falar da seleção que liderava — daí os tais outros dois nomes. Agora “é diferente”. Há Radamel Falcao, James Rodríguez, Juan Cuadrado ou Carlos Bacca.

E há também Jackson Martínez ou Juan Quintero, ambos do FC Porto. “Um é goleador”, diz, sobre o avançado, descrição que também aplica a Fredy Montero, do Sporting. Mas é o outro cafetero (alcunha dos colombianos que vão à seleção) que está no Porto que mais gosta de ver. “é um jogador talentoso, que tem um pé esquerdo muito bom, com boa ‘pegada’, faz jogar a equipa. É do meu estilo”, desabafa.

Valderrama deseja “a melhor das sortes” a todos os “rapazes” colombianos, ou muchachos, como diz, que agora se aventuram pela Europa. E que se juntaram para guiar a Colômbia até aos quartos de final do último Mundial — a melhor participação de sempre do país na prova. “Superou todas as barreiras que tínhamos. Fiquei muito contente. Surgiu um caminho e estes muchachos vão mantendo-o aberto. É uma geração muito boa e está a conseguir resultados que a próxima terá de superar”, desafiou.

Sempre foi e será fácil reconhecer Valderrama. O cabelo não engana. O futebol também não e Carlos parecia estar destinado a entrar nele: teve o pai, dois irmãos e um par de primos que também foram futebolistas. “Quase todos os Valderrama jogaram ou jogam futebol. Até do lado Palacio, o da minha mãe, há jogadores. Temos vinculado o sangue de futebolista e do desporto”, garante, antes de esperançar que ainda “saiam muitos jogadores desta família”. Quando virá o próximo colombiano com uma cabeleira loira e aos caracóis?