Cento e oitenta milhões de euros. Por esta altura, o valor estará a pairar na cabeça de muitos portugueses como um sonho, a saída para a crise, a hipótese de mudar de vida ou, pelo menos, melhorá-la. Cento e oitenta milhões de euros. É o valor do jackpot do Euromilhões que vai ser sorteado esta terça-feira. Como é o terceiro maior jackpot de sempre, espera-se uma grande afluência às máquinas que os Jogos Santa Casa têm espalhadas por todo o país. E muitos portugueses só preencherão o boletim de cinco estrelas e dois números no próprio dia. Há um sítio, no entanto, onde não vai ser possível fazer nem uma aposta: os quiosques e lojas situados nas estações do Metro de Lisboa.

Esta terça-feira há greve do Metro. Os trabalhadores da transportadora querem continuar a “luta em defesa da empresa no setor empresarial do Estado e contra a sua concessão a privados”, afirmou Anabela Carvalheira, da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans), aquando da convocação da greve, no início do mês. Todas as estações do metropolitano estarão fechadas, não haverá um único comboio a circular e, para além dos transtornos causados aos passageiros, também os lojistas não vão poder vender qualquer produto.

Nem nenhum boletim de Euromilhões. Na sexta-feira passada, na papelaria da estação da Alameda, o movimento de clientes esperançosos de que o seu boletim fosse o premiado era intenso e obrigava a constantes interrupções da conversa com o proprietário do espaço – que preferiu não ser identificado. Na sexta, estava em causa um prémio de 160 milhões de euros. Na terça, o prémio será 20 milhões de euros maior, pelo que é de esperar que o prejuízo de a loja estar fechada seja também maior. Não? “Perde-se sempre carcanhol”, diz o dono, sem conseguir especificar os prejuízos que um dia de greve lhe causa. Apesar das perdas, não parece estar muito preocupado, até porque, afirma, os lojistas que arrendam um espaço comercial no Metro já sabem que, de vez em quando, são obrigados a fechar.

“Quem quer ficar, fica; quem não quer vai-se embora”, resume, com um encolher de ombros.

Na Alameda, aliás, a resignação parece comum a todos os lojistas. A loja ao lado da papelaria vende acessórios de moda e é gerida por Rosario, um italiano que tem espaços comerciais em outras estações do Metro. “Oh meu Deus, 2013 foi de mais”, comenta. No ano passado houve quatro greves de 24 horas e sete parciais. Este ano, a greve de terça-feira será a segunda de 24h, depois da já realizada a 25 de setembro. E greves parciais já foram quatro: 9, 16 e 23 de janeiro e 10 de setembro.

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“Não percebo porque fazem greve às terças e quintas”, diz Rosario, que afirma ainda que não serviria de nada as cancelas da estação estarem abertas, como chegou a ser sugerido há uns anos. “Se não há metro não funciona nada”. Na Alameda, para aceder à galeria comercial da estação – que tem sapatarias, lojas de roupa, cafés e serviços – os clientes têm obrigatoriamente de ter um bilhete de transporte válido que lhes permita passar os pórticos, uma vez que as lojas se situam no corredor que faz a ligação entre as Linhas Verde e Vermelha. “Na Itália é a mesma coisa, há greve nos comboios”, mas as estações mantêm-se abertas. “As pessoas podem entrar, mas ninguém vai porque não há comboios”, acrescenta, também com um encolher de ombros.

“Cada um por si e Deus por todos”

Na estação de metro do Jardim Zoológico, em Sete Rios, lojas abertas são uma raridade. A maioria dos espaços está fechada e só no corredor que liga o metro à estação de comboios é que há mais movimento. Aí há lojas de roupa, uma sapataria, uma loja de acessórios, uma loja de telemóveis e um minimercado. Atrás dos balcões não estão os patrões, mas sim os funcionários, que não querem alongar-se em conversas com o Observador. Dizem apenas que sim, que as lojas fecham quando o metro pára, apesar de os comboios, mesmo ali ao lado, continuarem a atrair passageiros. E que os chefes lhes pagam o ordenado pelo dia em que não trabalham, mesmo tratando-se de um dia perdido.

“Não vêm aqui fazer um comunicado, sabemos que há greves através dos media“, explica o empregado de uma das poucas lojas que está aberta na galeria comercial da estação Jardim Zoológico. É o estabelecimento da Unidade de Equipamentos e Serviços Tiflotécnicos (UEST), uma loja especializada na venda de produtos para pessoas invisuais (bengalas, por exemplo). Neste caso, os responsáveis souberam da paralisação literalmente pelos media, quando o Observador os abordou.

Quem também foi surpreendido por a greve ser já na terça foi Adriano Simões, dono de uma pequena banca de arranjo de sapatos e malas na estação da Alameda. “Na segunda já não se faz nada”, afirma. Isto porque, sabendo da paragem, os clientes já não deixam sapatos para conserto. Instalado “há mais de 30 anos” naquela estação, Adriano Simões diz que “todas as semanas em que há greve já não se faz grande coisa”, num negócio que “só por questão de carolice é que está aberto”.

Há alguns anos, “um indivíduo” andou a tentar convencer os lojistas a assinarem uma petição para que as cancelas da estação ficassem abertas em dias de greve. A iniciativa saiu gorada, porque “os comerciantes estão cada um por si e Deus por todos”, comenta Adriano.

Os espaços comerciais das estações do Metro de Lisboa são arrendados pela Metrocom, uma empresa do grupo da transportadora que se dedica exclusivamente à exploração de lojas e de máquinas de venda automática nos espaços do metropolitano. Segundo vários comerciantes, esta empresa faz descontos na renda das lojas se estas se virem obrigadas a fechar por um número determinado de dias. O Observador tentou saber junto da Metrocom quais as condições necessárias para que os lojistas tenham um desconto na renda, quantos espaços comerciais estão atualmente arrendados em toda a rede do Metro e se já houve tentativas para que as lojas não fechassem nos dias de greve. Até ao momento, a Metrocom não respondeu.

Com uma semana que já se avizinha fraca para o negócio, Adriano Simões prefere pensar em como vai passar o dia de paragem forçada. “Tenho outras coisas para fazer, também sabe bem uma folga”, diz. E, de seguida, também ele encolhe os ombros.