Exonerado ao fim de menos de um ano no cargo, o ex-presidente do Opart, José António Falcão, recusa, em declarações ao Observador, responsabilidades na demissão de Pinamonti. E admite que o organismo público possa estar ameaçado.

“O desmantelamento do Opart, a ser concretizado como tem sido proposto por várias vozes, constituirá um erro estratégico, que pode implicar um retrocesso de vários anos”, diz Falcão, falando pela primeira vez em detalhe sobre o processo que levou à sua destituição da presidência do Organismo de Produção Artística (Opart), que faz a gestão do Teatro Nacional de São Carlos, da Orquestra Sinfónica Portuguesa e da Companhia Nacional de Bailado.

José António Falcão, exonerado do cargo de presidente do Opart a 29 de janeiro pela secretaria de Estado da Cultura, diz desconhecer os motivos do despedimento e recusa responsabilidades no problema contratual que forçou Paolo Pinamonti a demitir-se do Teatro Nacional de S. Carlos, por violar a lei espanhola de incompatibilidades. “O Opart cumpriu a indicação que lhe foi transmitida, por escrito, pelo gabinete” de Barreto Xavier, justifica, acrescentando: “Ao longo do período de quase um ano em que estive à frente desta empresa pública, nunca duvidei, com as correções de rota que estavam a ser introduzidas, da sua viabilidade futura”. O Observador teve acesso ao e-mail que mostra que a secretaria ajudou a elaborar o contrato.

Barreto Xavier nunca justificou os motivos que o levaram a substituir José António Falcão e João Rodrigues Consolado, dois dos três administradores do organismo que gere o Teatro Nacional de S. Carlos, a Orquestra Sinfónica Portuguesa e a Companhia Nacional de Bailado. No centro do problema sabe-se que está a demissão de Paolo Pinamonti do cargo de consultor artístico do São Carlos. O que se discute agora é de quem é a culpa.

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No e-mail datado de 3 de março de 2014, pode ler-se que a “minuta do contrato a celebrar entre o Opart e o dr. Paolo Pinaminti” foi enviada pelo gabinete de Barreto Xavier para apreciação de José António Falcão, na altura nomeado presidente do Opart há duas semanas. Sobre o contrato em anexo que acompanha o e-mail, a secretaria de Estado da Cultura (SEC) escreve que “as condições aí descritas foram negociadas com o dr. Pinamonti tendo o contrato sido inicialmente elaborado pelo V. advogado, (…), e sofrido depois alguns inputs decorrentes dos contactos com o dr. Pinamonti realizados por este gabinete”. O e-mail termina com a secretaria de Estado a disponibilizar-se para “esclarecimentos adicionais” caso sejam necessários, “nomeadamente através do dr. Rui Catarino que acompanhou de perto a matéria”. Rui Catarino exerce funções no gabinete de Barreto Xavier.

“O processo é anterior à entrada em funções do Conselho de Administração de que fui presidente”, diz José António Falcão ao Observador. O antigo responsável pelo S. Carlos confirma o e-mail e também que recebeu a minuta do contrato poucos dias depois de ter entrado em funções, por indicação de Barreto Xavier.

Questionada sobre o e-mail, a SEC admite que “acompanhou a definição das condições gerais do contrato” como é prática “dos contratos de responsáveis artísticos convidados pela tutela”. Mas remete a responsabilidade de verificar os “procedimentos com vista à celebração e formalização desses ou de outros contratos” para as empresas públicas, neste caso o Opart.

“Tanto a situação irregular verificada na contratação de Paolo Pinamonti pelo OPART E.P.E., por razões de não observância dos requisitos legais para efeito de contratação pública, como a sucessiva denúncia do contrato em causa, a celebração de novo contrato com Paolo Pinamonti e vicissitudes daí decorrentes são matérias, reitera-se, que estão na órbita exclusiva da competência do OPART E.P.E.”, escreve o Gabinete de Barreto Xavier ao Observador.

Sem nunca especificar, a tutela refere-se às dívidas que Pinamonti tinha à Segurança Social, desconhecidas pelo Opart, e que impediram o musicólogo italiano de assinar o contrato. Pinamonti só apresentaria a “certidão de não dívida em 21 de outubro de 2014″ e o contrato elaborado em março pôde então ser assinado a 5 de novembro, uma vez que as dívidas estavam saldadas. Um mês depois, Pinamonti, que ocupa em Madrid o cargo de diretor do Teatro de La Zarzuela desde setembro de 2011, apresentou a demissão de consultor artístico à Secretaria de Estado. O problema, noticiado pela imprensa espanhola, estava na relação contratual com que Pinamonti fazia consultoria artística para o São Carlos, e que ia contra a Lei de Incompatibilidade de Espanha.

“Só lhe posso dizer que, tendo o gabinete do SEC imposto o dr. Pinamonti ao S. Carlos, não passou naturalmente pela cabeça dos responsáveis do Opart, E.P.E., que o tivesse feito sem previamente verificar a situação de regularidade dele perante o mesmo Estado”, refere Falcão ao Observador.

Sobre as negociações que estariam ainda a decorrer entre a Opart e Pinamonti para que fosse encontrada uma saída legal compatível com La Zarzuela e o S. Carlos, a secretaria de Estado respondeu ao Observador que, “em relação a essa questão, apenas há a dizer que a temporada 2014/2015 do Teatro Nacional de S. Carlos está em curso e não será afetada pelas recentes circunstâncias”.