Tic, tac, tic, tac. Há cinco anos que o compositor e artista visual Christian Marclay anda a mostrar pelo mundo “The Clock”, obra com a duração de 24 horas feita de excertos de milhares de filmes cujo elemento em comum é a referência ao tempo. A obra distinguida com um Leão de Ouro na Bienal de Veneza de 2011 estreia-se esta quinta-feira em Portugal, no Museu Berardo, em Lisboa.
Relógios de parede, de pulso e até de cuco, cronómetros, despertadores e contadores de bomba-relógio podem ver-se frequentemente nos milhares de clipes selecionados pelo artista suíço-americano. As referências começam às 00h00 e só terminam às 23h59. Se o espectador olhar para o seu próprio relógio, a hora vai bater certo com o que está no ecrã. O principal protagonista de “The Clock” é o tempo e a narrativa cinematográfica é o guião, por isso, mesmo que em alguns excertos não apareçam horas exatas, há que lembrar que um cigarro a queimar-se ou uma pessoa inquieta à espera também são ideias associadas ao tempo.
Para melhor entender, eis um excerto de três minutos do vídeo de 24 horas:
https://www.youtube.com/watch?v=xp4EUryS6ac
Na apresentação aos jornalistas, esta quarta-feira, no Museu Berardo, Christian Marclay disse que continua a ver atualidade e relevância em “The Clock”, estreada em 2010 na galeria White Cube, em Londres. Foi na capital inglesa que o artista criou a instalação que crítica e público, de um modo geral, aclamaram. Em 2011, o britânico Guardian descreveu-a como “uma obra-prima dos nossos tempos”. A revista norte-americana Newsweek lembrou as horas que o público esperou em Nova Iorque para ver a instalação na Paula Cooper Gallery e considerou Marclay um dos 10 artistas mais importantes da atualidade, não só por “The Clock”, mas pela vasta obra do artista que acabou de completar 60 anos.
“Demorei três anos a fazer isto”, disse. “Editei cada frame, conheço-a tão bem… É fragmentada, mas há ligações entre cada clipe”. Ou seja, depois da grande dificuldade de selecionar os milhares de excertos, cada um entre os três e os 30 segundos, poderia pensar-se que a montagem está feita, bastaria colocar tudo por ordem. Mas Marclay fez por dar-lhe uma narrativa dinâmica, coerente, de modo a criar uma ilusão de continuidade para lá da cronologia.
Os filmes de Hollywood dominam a seleção, mas também se encontram muitas passagens de filmes britânicos. Christian Marclay diz ser “péssimo com nomes”, por isso não sabe precisar a que filmes portugueses recorreu, mas garante que ali no meio há um Manoel de Oliveira. Os clipes surgem no original, sem legendas. Há filmes recentes e antigos, a cores e a preto e branco, clássicos e blockbusters, desde “O Homem Mosca”, de 1923, passando por “Titanic”, “Kramer contra Kramer”, “Wall Street” e “39 Degraus”, este de Hitchcock. Sofia Coppola fez questão de dizer que gostou de estar incluída, com “O Amor é um Lugar Estranho”.
Ao Observador, Marclay destacou o meio-dia e a meia-noite como os dois momentos favoritos. “São muito cinematográficos, sabe-se que alguma coisa vai acontecer. Tinha muito material para estes momentos, por isso pude trabalhar ao segundo e fazer crescendos”, disse. “Também gosto do início da manhã, quando as pessoas estão a acordar, entre as 5h30 e as 8h30. Há pessoas que adormeceram, que correm para o trabalho, que acordam ao lado de pessoas de quem não se lembram. É bom sentir essa tensão e partilhar um certo tipo de ansiedade com o que está a acontecer no ecrã”.
“The Clock pode ser visto confortavelmente numa sala de cinema improvisada do piso menos um do Berardo, num dos 16 sofás onde cabem entre três a quatro pessoas. Tratando-se de um trabalho com uma duração de 24 horas, o museu vai dar quatro oportunidades ao público de o ver por completo e vai ficar aberto durante 24 horas seguidas. A primeira oportunidade acontece esta quinta-feira às 22h e termina às 22h do dia seguinte. Os dias 7 e 28 de março e 18 de abril, a partir das 10 da manhã, são as restantes hipótese de fazer uma maratona de 24 horas em frente a uma tela. A entrada é gratuita.
Para quem não resistir à maratona, nesta obra é permitido adormecer à vontade (o artista confirmou ao Observador que não se importa). Entrar e sair a qualquer momento também é altamente aconselhado, ao contrário de outro qualquer filme. “Não há um início e um fim, por isso a escolha de quando chegar e quando ir embora é da pessoa”. Uma das coisas que Marclay mais gosta de observar em cada cidade onde instala “The Clock” é ver como os locais se relacionam com a obra. Se preferem ver antes de irem para o trabalho, à hora de almoço ou mais ao final da tarde. Lisboa poderá descobrir isso mesmo até 19 de abril, altura em que “The Clock” irá viajar até outro país, como vem fazendo desde 2010.