As coisas estão a mudar. Já estavam, não é de agora, mas desta vez até é simbólico. Um brasileiro pegou nas pranchas, enfiou-se com elas em aviões, contou umas horas no ar e lá aterrou na Austrália. Foi depois até Coolangatta, na Gold Coast do país, onde foi surfando, cortando ondas e marcando pontos. No fim, ganhou a prova na terra de onde mais saem homens e mulheres com jeito para o surf. Uma história previsível escreveria agora Gabriel Medina como o nome do vencedor. Mas não, a vitória não piscou o olho ao miúdo de 20 anos, campeão mundial na época passada. Não, desta vez foi Filipe Toledo.

E este, quem é? É nome de um também novato que, aos 19 anos, conseguiu assim vencer, pela primeira vez, uma prova do circuito mundial de surf. E nem sequer houve uma reviravolta no final, aquele twist para surpreender quando se embrulha uma história — porque Filipinho, como é conhecido no circuito, foi quase sempre o melhor. Assim o mostrou durante a madrugada deste sábado, deslizando sobre os quartos-de-final, as “meias” e a final, onde derrotou o australiano Julian Wilson.

Na última onda do Quicksilver Pro Gold Coast, prova que arrancou o circuito mundial de surf deste ano, Filipe Toledo até sacou uma nota 10 (a prestação dos surfistas em cada é classificada numa escala de zero a dez) aos juízes. “Ainda está impressionado?”, foi o título que a World Surfing League (WSL) deu ao artigo que resumiu a vitória do mais novo surfista do circuito, com uma uma pontuação de 19.60 (em 20) na final. “Foram dias abençoados aqui na Gold! Nao tenho palavras pra descrever o tamanho da minha felicidade! Todo meu treino, meu esforço, minha dedicação valeu a pena!”, escreveu o brasileiro, após a vitória, a conta de Instagram.

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Mesmo novato, esta já é a terceira participação de Toledo no circuito mundial: o ano passado terminou no 17.º posto entre os 34 surfistas do circuito. Com esta vitória, portanto, Filipe fica a liderar o ranking do circuito e dá ao surf um início igual ao fecho que teve em 2014 — um brasileiro no primeiro lugar. Olhando para o que se ia passando em Snapper Rocks, nome da onda onde se realizou a prova, era de esperar que um brasileiro acabasse a festejar. Porque além de Filipe Toledo, também Miguel Pupo e Adriano de Souza atingiram as meias-finais. Antes, nos “quartos”, já houvera igualmente Wiggoly Dantas, o estreante no circuito.

Tanta história abrasileirada e nada escrito sobre Gabriel Medina. Culpa do campeão mundial, que eliminado foi logo à terceira ronda, no heat contra Glen Hall, quando os juízes o desqualificaram por interferência — quando um surfista não respeita a prioridade que o outro tem para escolher uma onda.

https://www.youtube.com/watch?v=qOmQNBws2mg

Medina não gostou e, depois, resolveu mostrá-lo quando lhe colocaram um microfone e uma câmara à frente. “Antes de mais, acho que a chamada para a competição foi muito má. Esperámos 10 dias, tivemos dois dias extra para apanhar ondas destas, e acho que o Kieren Perrow [comissário da prova] não fez um bom trabalho. Espero que possa melhorar. Em segundo lugar, a interferência. Um dia vou tentar entender esta nova regra. Terceiro: a próxima vez que o Glenn me disser ‘fuck you’, vou ensinar-lhe…”, disse, numa altura em que o apresentador o teve de interromper.

O brasileiro, agora, deverá ser castigado pela WSL que, além de lhe aplicar uma multa, poderá também deduzir-lhe pontos no ranking mundial. Gabriel Medina vencera a prova em Snapper Rocks na temporada passada e, agora, terminou-a na 13.ª posição.

Gabriel Medina, em parte, queixou-se da teimosia do mar. Não foi fácil tirar alguma coisa das águas de Coolangatta. As ondas estavam teimosas, reflexo de ventos e ondulações que demoraram a atinar entre si e, ao todo, deram 11 dias de espera à competição. E a quem? Aos surfistas, homens e mulheres, que tinham apontado viagens até à Gold Coast, região este da Austrália. As direitas (ondas que, para esse lado, dão uma parede de água aos surfistas) de Snapper Rocks.

Antes de tudo se decidir nos homens, as senhoras fecharam a sua competição. Na final, a havaiana Carissa Moore ganhou à atual campeã do mundo, Stephanie Gilmore, australiana que surfava uma onde que bem conhece. “Aprendi tanto olhando para ela que é uma honra ter-lhe ganho na própria casa”, disse a vencedora, de 23 anos, falando da mais graúda, de 27, que já foi a melhor surfista do mundo em seis temporadas (2007, 2008, 2009, 2010, 2012 e 2014).
O circuito, agora, arruma tudo, faz as malas, mas não vai para longe. A próxima prova arranca já a 1 de abril, em Bells Beach, ainda na Austrália, perto de Melbourne, na costa sul, a cerca de 1.800 quilómetros de Snapper Rocks. A água vai passar a ser fria e a obrigar os surfistas a tirarem os fatos das mochilas.