O Rio Ave é a equipa do futebol português com mais jogos. São 47 exatamente, mais 17 do que o Benfica. Cansaço? Ora essa. Neste final de tarde de sábado viu-se em desvantagem, perdeu Marcelo e Hassan por lesão, mas conseguiu dar a volta. Porquê? Porque tem um coração do tamanho da Austrália. Mas, tão ou mais importante do que isso, porque Diego Lopes entrou na segunda parte e desligou o controlo do Benfica. O brasileiro entrou e o jogo partiu-se, descontrolou-se e permitiu ao Rio Ave uma grande, grande segunda parte. A vitória sorriu aos homens da casa por 2-1: Salvio marcou primeiro, Ukra e Del Valle deram a volta.

RIO AVE: Ederson, Lionn, Marcelo, Villas Boas, Tiago Pinto, Pedro Moreira, Wakaso, Tarantini, Marvin, Del Valle, Hassan

BENFICA: Júlio César, Maxi, Luisão, Jardel, Eliseu, Salvio, Samaris, Pizzi, Talisca, Jonas, Lima

A partida começou com as duas equipas aventureiras na pressão. Queriam encurtar espaços e dispensavam dar tempo para pensar aos outros. Samaris teve um início de jogo terrível, com inúmeros passes falhados. A apatia parece ter intoxicado também Jardel, que aqui e ali mostrava-se relaxado de mais. Os rivais, os homens da casa, estavam corajosos na pressão, com a linha defensiva subida e a correria dos homens da frente a obrigar o Benfica a bater na frente.

E foi esta atitude ousada que traiu o Rio Ave. Bastaram cinco minutos para Pizzi lembrar toda a gente por que Talisca desapareceu do universo benfiquista e, porque não?, questionar por que Paulo Bento não o convocou para a seleção. O médio recebeu a bola no meio-campo, levantou a cabeça e com um passe cheio da pinta isolou Salvio, que seguiu numa velocidade furiosa a ganhar metros entre Marcelo e Tiago Pinto. À saída de Ederson, O argentino desviou com classe, 1-0.

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A partir do minuto 15 o ritmo acalmou. Já havia menos intensidade e fome na conquista da bola. O Rio Ave transformou-se num animal ferido, que antes esteve feroz e a querer impor-se no seu território, mas viu o visitante dar-lhe um golpe duro na primeira tentativa. O Benfica procurou guardar a bola para serenar os ânimos e controlar a partida.

Até à meia hora de jogo apenas uma jogada a registar: Salvio entrou numa correria pelo meio-campo inimigo e tocou para a esquerda, para aquela espécie de extremo que era Talisca. O cruzamento do brasileiro acabou sacudido por Ederson Moraes, primo de Artur, o guarda-redes suplente dos encarnados.

O posicionamento de Talisca era complexo e prometia complicar a tarefa defensiva dos homens de Vila do Conde: com bola, chegava-se para o corredor central, deixando o lateral na dúvida se o acompanharia ou não, pois depois surgiriam naquela zona Eliseu e Lima. Mas nunca foi por aí que o Benfica fez mossa. Talisca já não tem a estrelinha doutros tempos…

Os minutos 32 e 36 deram sequência ao filme de terror do Rio Ave. Num jogo onde há um Tarantini em campo, aquilo parecia mais uma obra de Hitchcock (“Hitchockini”?). É que Marcelo e depois Hassan, um avançado da moda da Liga Portuguesa, saíram lesionados. Entraram Gouano e Ukra.

Intervalo em Vila do Conde. Maxi e Salvio assinaram uma primeira parte interessante, ao contrário de Samaris. Lima e Jonas estiveram algo desligados, sem oportunidades de bater na baliza. Talisca, como prometia ao jogar naquela posição, tornou-se num fantasma, impotente e inútil quase — fez apenas uma arrancada daquelas “à antiga”, mas levou o egoísmo ao limite e perdeu a bola.

Do lado do Rio Ave, Wakaso, um trinco ganês de 23 anos, era o jogador mais corajoso com a bola no pé e com mais pedalada na hora de pressionar. Tarantini é sempre naquela bitola. Da boa, claro. Tem qualidade e funciona como um treinador dentro do relvado, é um senhor líder. Tiago Pinto, filho de uma antiga lenda do Benfica (João Vieira Pinto), mostrava-se duro e competente nos duelos.

A segunda parte teria um momento chave, quando estava tudo morno e controlado por parte do Benfica, ainda que o Rio Ave tenha entrado mais subido e a forçar o corredor direito, para explorar as limitações de Eliseu. Aos 59′, Diego Lopes, camisola 10, entrou em campo e agitou tudo. Mudou tudo. A velocidade, técnica e a ginga clássica de um brasileiro, que não teme quem se coloca pela frente, mudou o Rio Ave. O Benfica perderia o controlo…

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Aos 64′, ficou o primeiro aviso: Ederson lançou Diego Lopes e o tal jeitoso de pés chutou de longe, ao poste da baliza de Júlio César. Dez minutos depois chegaria o golo do empate, fruto de um duelo descontrolado, que prometia tudo e nada, o golo podia pingar para qualquer dos lados. Este défice de capacidade para controlar os jogos é algo típico do Benfica de Jesus, que ainda assim este ano melhorou. Aos 74′, um livre de Ukra deu penálti, graças a uma mão de Samaris: Ukra assumiu e empatou, 1-1.

Esta película teria ainda episódios para fazer os adeptos suspirar. Aborrecido é algo que este jogo não foi. Lima, depois de um show (coisa rara) de Ola John pela esquerda, falhou um cabeceamento escandaloso. Tinha tudo para marcar golo, mas falhou o alvo. Será que fechou os olhos? Bom, fechou certamente a torneira da paciência de Jesus, que já andava a gastar a voz com Eliseu. Aos 85′, quando Tiago Pinto conseguiu isolar-se, Luisão varreu o lateral e levou o cartão vermelho direto. Antes, Del Valle quase virou o resultado, mas a bola saiu perto do poste de Júlio César. Foi um ensaio para o que estava para vir.

Pizzi saiu para Lisandro entrar e recompor a defesa, o que por um lado atesta o respeito de Jesus por este corajoso Rio Ave. Por outro lado, despiu o meio-campo, que já só contava praticamente com Rúben Amorim (entrou por Samaris aos 84′). Parecia um jogo de matraquilhos ao nível da tática: composto atrás e avançados lá para a frente. O empate estava no horizonte.

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Mas… um senhor chamado Del Valle diria “calma, senhoras e senhores”. O homem da partida, Diego Lopes, recebeu já no meio-campo adversário, quase em cima do minuto 95′, desviou um benfiquista e com serenidade tocou para a esquerda, para o speedy gonzález Del Valle. O homem de 24 anos, que já passou pelo Auxerre, recebeu, enganou Jardel e colocou no poste mais distante, 2-1. Surpresa em Vila do Conde.

Ponto final no Estádio dos Arcos. A onda vermelha, a tal que Jesus havia anunciado, aconteceu. O estádio estava todo pintado de vermelho e, do lado de fora, até houve uma rotunda com o já tradicional “reservado”, a fazer lembrar o que já se fez no Marquês de Pombal outrora. Mas reservado, afinal, estava o compromisso deste competente e ousado Rio Ave com os seus adeptos e o seu destino, que espera ser voltar à Europa. O Benfica volta a perder e deixa o FC Porto aproximar-se. Se vencerem na Choupana, os dragões ficam apenas a um ponto da liderança. Temos campeonato…