O professor universitário Adriano Moreira defendeu que a língua portuguesa “não é matéria para lidar com tratados” e “imposições”, devendo sim ser encarada como “um objeto para manter sob grande observação, mas deixando fluir”.

“A língua não é um objeto para mexer com tratados. É um objeto para manter sob grande observação, para tratar com carinho, acompanhando as mudanças inevitáveis, mas deixando fluir o que é próprio do fenómeno cultural”, argumentou.

O professor universitário e analista político falava à agência Lusa à margem da Conferência “Português, Língua Global”, na Universidade de Évora, promovido pela Comissão Temática de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

O encontro, que decorre ao longo de todo o dia, pretende contribuir para a sensibilização e mobilização de organizações da sociedade civil no desafio de afirmar e valorizar a língua portuguesa.

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Na sua intervenção, Adriano Moreira lembrou que a língua portuguesa “não é neutra”, pois, abrange “latitudes e culturas muito diferenciadas” e foi submetida “a um fenómeno natural” que passou por “cada região lhe ter acrescentado valores”, os quais “não estão presentes nos outros sítios”.

“O Brasil, por exemplo, tem valores que são ameríndios e africanos, mas também japoneses, alemães e italianos que nós [em Portugal] não temos”, indicou, em declarações à Lusa.

Por isso mesmo, continuou, apesar de ter um tronco comum, a língua portuguesa “não é nossa”, ou seja, de Portugal, devendo sim ser encarada como “também sendo nossa”, isto é, de Portugal e de cada um dos países da CPLP.

Questionado sobre esta diversidade da língua portuguesa e acerca do Acordo Ortográfico, que ainda não tem aplicação obrigatória no Brasil (previsto para início de 2016), nem foi aplicado em Angola ou Moçambique, o analista criticou esta forma de uniformizar através de tratado.

“Esta matéria não é para lidar com tratados. Pode haver diretivas, mas imposições em relação à língua? A língua não se subordina a essas imposições”, insistiu, frisando que esta situação só se vai ultrapassar “não cometendo o mesmo erro outra vez”.

O secretário-executivo da CPLP, Murade Murargy, realçou à Lusa que a questão da língua “é um grande compromisso histórico” assumido pelos países da CPLP e reconheceu que, em relação ao Acordo Ortográfico, que “já está em vigor”, vai “sempre haver” diversidade de opiniões.

O mesmo responsável, à margem da conferência, defendeu ainda que, para que a língua portuguesa seja “amplamente difundida”, é preciso “passar dos discursos às ações concretas”, ou seja, “é necessário um compromisso financeiro”, com a afetação de recursos dos vários países, para alargar o ensino e a internacionalização do português.

Exemplo disso é a disponibilização do português como língua oficial nas Nações Unidas, frisou: “É preciso pagar”, pelo que “tem de haver um engajamento político, com implicações financeiras, para que tal aconteça”.